sexta-feira, 19 de maio de 2017

CALVINO E SERVERTO

A dinâmica social de Genebra e o caso polêmico de Calvino e Serveto

No século XVI, a dinâmica social de Genebra dividia a sua população entre cidadãos, burgueses e habitantes – citoyens, bourgeois et habitants.
Os não nascidos na cidade adquiriram o status mais humilde de burguês somente após longo período de residência; e isso lhes custava certa soma de dinheiro, que era usada para arrecadação de fundos. Nenhum burguês poderia tornar-se membro do PC (petit Conseil – Pequeno Conselho).
Os pastores, incluindo Jean Cauvin (João Calvino), não eram permitidos pertencer a nenhum dos conselhos (havia quatro); mesmo os que chegavam a ser burgueses, tampouco podiam ser membros de algum dos conselhos. Era responsabilidade do PC julgar causas criminais tanto quanto causas civis, função apropriada aos magistrados.

Após a chegada de Calvino a Genebra, pelo menos em teoria, ele queria separação entre Igreja e Estado. Pois, o PC tinha autoridade também em assuntos religiosos. Calvino e Farel lutaram contra a intromissão do PC em assuntos eclesiásticos, tais como o cuidado dos membros e o direito da Igreja de exercer a excomunhão (não a morte das pessoas) e administrar os sacramentos, exclusivo, segundo a compreensão bíblica. No entanto, a Igreja dependia financeiramente do Estado. O próprio Calvino recebia sua prebenda do magistrado. Até hoje os pastores ou padres recebem seus salários do Estado. Todo cidadão da Suíça contribui com certa porcentagem do seu salário para o ramo religioso que pertence.
Apesar da insistência de Calvino em lutar pela mudança dessa condição, durante boa parte de sua vida a disciplina eclesiástica e o direito de excomunhão ficaram sob o poder do PC.

Tempos sombrios na cidade de Genebra
Em 1546, o sentimento anfifrancês cresceu em Genebra, em parte dirigido ao próprio Calvino. Motivo da perseguição? O rigor da disciplina e ética calvinista. Sabemos que a santidade de um homem/igreja sempre incomoda a imoralidade de outro homem/mundo. Calvino como verdadeiro pregador do santo evangelho pregou contra a imoralidade e a não observação do Dia do Senhor. Muitos ficavam jogando baralhos nos dias de cultos e Calvino não concordava com isso.
Se Calvino fosse, como muitos alegam, cruel e vingativo, teria condenado a fogueira os opositores, principalmente Pirre Ameaux, um fabricante de cartas de baralho, que detestava o rigor calvinista.
Como todo zeloso pastor Calvino não admitia que pecadores não arrependidos participasse da Mesa do Senhor. As oposições foram grandes a este cidadão francês. Foi no outono de 1553, que Calvino viveu suas horas mais sombrias em Genebra. Impopularidade. Rejeição. Críticas ácidas. Confrontos. O que este nobre pastor, homem da Palavra, fez em meio a tanta oposição? Mandou matar os opositores? Não! Subiu ao púlpito com a voz embargada pela emoção (quanto de nós pastores não experimentamos isso em meio aos protestos dos impertinentes?). A voz elevou-se, e Calvino descobriu em si mesmo uma grande determinação e segurança. Ele não cederia, mas também não queimaria ninguém, pois Deus o ordenara como pregador de Sua santa Palavra.
Foi durante esse período extremamente grave, que Miguel Serveto fora executado na cidade.
A justiça criminal estava nas mãos do PC, no status de autoridade judicial suprema de Genebra. Os processos judiciais da cidade eram ocasionalmente acusados de excessiva pressa, e Genebra orgulhava-se da expedição de seus processos. E para fazer cumprir as leis, regulamentações e normas morais, a justiça de Genebra tinha à disposição os instrumentos de punição normais do século XVI. Havia uma casa de detenção em Genebra que abrigava pessoas que aguardavam julgamento, mas a estadia era de pouco tempo. Entre as penalidades possíveis, escolhia-se a pena de morte: simples (por decapitação) ou com tormentos (mutilação, queimaduras com fogo brando etc.). Havia também: exílio; confisco de propriedades; pesadas multas e açoites.
Estas punições eram reservadas às autoridades do PC, a despeito da insistência de Calvino de que a Igreja não possuía nenhuma relação com as punições usuais da autoridade secular. Mesmo assim, as torturas, pois era uma das formas de punição da época, contava, infelizmente, com a aprovação de Calvino, quando consultado, porque ele era bastante inclinado à severidade. Todavia, ele sempre preferia execuções rápidas e eficientes para benefício do réu.

O polêmico caso com Miguel Servet (1511–1553)
A acusação que persiste é a de que Calvino pessoalmente matou Servet. Isso contraria a lógica dos fatos e da própria estrutura de Genebra como deixamos transparecer nas linhas acimas. No máximo, pode atribuir a Calvino a concordância com a condenação desse herege.
Miguel Servet, ou Michael Servetus, em latim, ou aportuguesando-se para Miguel Serveto, já havia sido condenado pela Igreja Católica.
Acusado de heresia, Serveto já havia sido preso e julgado na França, na cidade de Vienne, que não pode ser confundida com a cidade austríaca de Viena. Conseguiu evadir-se da prisão e, quando se dirigia para a Itália, através da Suíça, foi novamente preso em Genebra, julgado e condenado a morrer na fogueira, por decisão do PC, a pedido do tribunal eclesiástico ou consistório.
Miguel Servet era físico espanhol e jovem estudioso brilhante, todavia considerava o Espírito Santo como uma força, não como uma pessoa. Negou a eterna geração do Verbo e outras doutrinas. Calvino exigiu ser arrestamente, e, como ele não negava sua heresia, o PC autorizou sua execução na fogueira, Champel, no dia 27/10/1553.
Aqui, entra um comentário que desmente a crueldade de Calvino, sem desculpá-lo de sua intolerância. Calvino pedira a Farel, por meio de carta: “Espero que Serveto seja condenado à morte, mas desejo que seja poupado dos horrores da fogueira” (FARIA, 2008, p.224).
O Pequeno Concíliio decidiu consultar as igrejas da cidade vizinhas – Berna, Zurique e Schaffhouse. Consultou também a cidade de Vienne, pedindo cópias da condenação que infligiram em Serveto. A francesa Vienne pediu a extradição do prisioneiro, para ser sentenciado na fogueira daquela cidade. Serveto não tinha para onde correr: ou fogueira de Vienne ou a de Genebra. A morte era iminente, inescapável.
O PC de Genebra organizou uma discussão entre Calvino e Serveto para demonstrar a Serveto quais eram os seus erros.
Neste ínterim, o próprio Serveto encaminhou ao PC um pedido para que Calvino fosse preso. Acusava Calvino de heresia e exigia a condenação dele: “[...] até que a causa seja decidida, pela morte dele ou minha, ou outra pena”. Foragido de Vienne, preso em Genebra, condenado à morte, Serveto deu essa última cartada, contando com a divisão da cidade e com o apoio daqueles que confrontavam e se opunham a Calvino. Serveto colocou em xeque o PC de Genebra: “a morte dele ou minha”!
A resposta das outras cidades suíças chegou a Genebra em 18 de outubro de 1553. Todas condenavam Serveto e sua heresia. Apoiavam Calvino e os demais pastores de Genebra. A morte de Calvino ou a de Serveto? No dia 26 de setembro, o PC de Genebra decretou a condenação de Serveto à morte na fogueira, já para o dia seguinte.
Novamente Calvino escreveu a Farel, explicando-se: “Nós nos temos esforçado para mudar o tipo de morte. Foi em vão. Eu lhe direi de viva voz por que nada conseguimos” (FARIA, 2008, p.225).
Se houve alguém que intercedeu para que não queimassem Serveto vivo na fogueira, esse foi Calvino. Contrariando assim a afirmação de muitos que ensinam que Calvino o havia matado e condenado a fogueira. Calvino, como qualquer pessoa do seu tempo que esposasse as doutrinas da Trindade e da Cristologia ortodoxa, tanto católico como protestante, exporia Serveto como um herege. Foi sua teimosia na heresia que o levou a fogueira.
Aqui, expus alguns dados históricos, políticos e religiosos da Genebra de Calvino. Ele foi um homem de seu tempo, todavia acima dele pelas suas grandes exposições das Escrituras. Muitos deixam de estudar e conhecer a grandeza de grande pastor e teólogo de Genebra por causa do polêmico e mau contado episódio com os hereges, especialmente com Serveto. Muitos erram; Calvino e os calvinistas pagam a conta!
Todos nós somos imperfeitos e infiéis! Estamos no processo de santificação até a vinda de nosso perfeito e impecável Jesus Cristo.

Analise os fatos e conclua por você mesmo!


Minha consciência é escrava da Palavra de Deus
Ivan Teixeira.

13 comentários:

  1. Por qual razão o pastor omite a carta onde Calvino declara sem nenhuma cerimônia usar e sua influencia para que Servento não saísse vivo de Genebra? Calvino é acusado pela morte de Servento e de muitos outros cristãos por ter feito uso de sua influencia junto as autoridades locais para este fim. E corrijo um dado equivocado: Calvino jamais defendeu separação do estado a igreja, ele defendeu a supremacia da igreja sobre o estado.

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    4. BEM MEU NOBRE, acho que você não entendeu o assunto em pauta e ainda elenca que está corrigindo uma equívoco. Mas entendo que o EQUÍVOCO vem de tua parte por ignorar o que o próprio Calvino escreveu. O que escrevi foi que Calvino e Farel defendia a separação da Igreja e Estado, pois o PC de Geneve se intrometia em questões eclesiástica, e os reformadores não concordavam.

      MOSTRO-TE, AGORA, COMO CALVINO DEFENDIA A SEPARAÇÃO DA IGREJA DO ESTADO.

      A Separação entre Igreja e Estado
      Até o período da Reforma Protestante sabe-se que a relação entre Igreja e Estado era caracterizada pela mistura de limites. A igreja Católica Apostólica Romana, por meio do papado, entendia ser função da Igreja interferir politicamente no Estado. A Igreja Católica entendia que estava acima do Estado e portanto, o papa e os bispos tinham o direito de se intrometer nos negócios do Estado. Por exemplo em Genebra, cidade da Suíça onde Calvino se destacou como reformador, antes de sua chegada e da Reforma, era comandada por três autoridades e que, dentre elas se destacava a do bispo “que não somente era o chefe espiritual da igreja, o ‘príncipe de Genebra’, mas também, teoricamente, o soberano da cidade, com poderes para cunhar moedas, comandar a cidade em tempo de guerra, julgar apelações, e conceder indultos” (LOPES, p. 4, Edson. O Conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São Paulo: Ed. Mackenzie, 2003.).

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    5. Calvino compreendia que embora os dois regimes, o espiritual e o civil, fossem ambos legitimamente de origem divina, dados por Deus ao homem, contudo, deveria se estabelecer a distinção entre eles. Falando sobre o poder civil, sendo de origem divina diz o seguinte: “Não se deve, pois, ter a menor dúvida de que o poder civil é uma vocação não somente santa e legítima diante de Deus, mas também deveras sacrossanta e honrosa entre todas as demais” (CALVINO, 2006, vol. 4, p. 150).
      Em suas palavras percebe-se a distinção que estabelece entre os dois regimes. Em suas Institutas, depois de falar sobre as características e limites do governo eclesiástico, Calvino fala sobre o governo civil, estabelecendo alguns contrastes entre os dois. Ele diz:
      Sendo, pois, que foram constituídos para o homem dois regimes e que já falamos suficientemente sobre o primeiro, que reside na alma, ou no homem interior, e que concerne à vida eterna, aqui se requer que também exponhamos claramente o segundo, que visa a unicamente estabelecer uma justiça civil e aperfeiçoar os costumes exteriores. Primeiro, antes de avançar no assunto, devemos recordar a distinção anteriormente exposta para não suceder o que comumente sucede com muitos, o erro de confundir inconsideradamente as duas coisas, as quais são totalmente diferentes. [...] Mas quem souber discernir entre corpo e alma, entre esta presente vida transitória e a vida por vir, que é eterna, entenderá igualmente muito bem que o reino espiritual de Cristo e a ordem civil são coisas muito diferentes (2006, vol. 4. p. 145).

      Continuando a falar sobre a distinção entre Estado e Igreja diz:
      Visto, pois, que é uma loucura judaica cercar e encerrar o reino de Cristo sob os elementos deste mundo, e nós, antes, pensamos (como a Escritura nos ensina amplamente) que o fruto que nos cabe receber da graça de Cristo é espiritual, cuidemos zelosamente de manter dentro dos seus limites esta liberdade, a qual nos é prometida e oferecida em Cristo. Pois, por que é que o próprio apóstolo que nos ordena que não nos submetamos de novo “a jugo de escravidão”, noutra passagem ensina que os servos não devem preocupar-se com o estado no qual estejam, sendo que a liberdade espiritual pode muito bem subsistir na servidão civil? Nesse sentido também devem ser entendidas outras declarações que ele faz, quais sejam: que no reino de Deus “não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher”. E igualmente: “não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos”. Com essas sentenças Paulo quer dizer que é indiferente a condição a que pertencemos entre os homens, ou qual a nação a cujas leis devemos obediência, visto o reino de Cristo não se localiza nestas coisas (2006, vol. 4, p. 145).

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    6. Fica claro que, para Calvino, há uma distinção entre os dois regimes, e que portanto, um não tem ingerência sobre o outro ou a primazia.

      A ilegitimidade da Igreja em exercer domínio sobre o Estado (você escreveu que CALVINO DEFENDEU A SUPREMACIA DA IGREJA SOBRE O ESTADO - entendo que tua frase é bastante ambígua, pois ela poderia significar que a Igreja como Noiva de Cristo é suprema sobre o Estado, sendo assim concordo; mas se tuas colocações são que a igreja deve exercer supremacia sobre o ESTADO, aí nem eu concordo e nem Calvino, pois não tem apoio nas ESCRITURAS).

      Calvino é bastante contundente em criticar a atitude dos bispos católicos, em querer exercer o domínio político sobre o Estado e por meio disso, tirar proveito. O reformador chega a chamá-los de desabusados e gananciosos, e diz que aqueles que “têm abusado do favorecimento dos príncipes e têm tirado proveito disso, com essa atitude mostram claramente que não são bispos” (CALVINO, 2006, vol. 4, p. 133).
      Calvino para provar sua tese de que a Igreja não deve se incumbir do governo do Estado, faz algumas perguntas cujas respostas, são para ele evidentes e claras:
      Primeiro, têm direito os bispos de isentar-se da justiça e de seduzir e dirigir os governos das cidades e do país, bem como outros cargos que absolutamente não lhes competem? Pois o fardo do seu ofício já é tão grande que, se procurassem desincumbir-se dele perseverantemente, a duras penas conseguiriam fazê-lo. Outra coisa: é conveniente e próprio que, com o séqüito de servidores, com suas pomposas vestimentas, mesas e casas, imitem os príncipes? Sua vida não deve ser um exemplo de sobriedade, temperança, modéstia e humildade? E mais: é coisa que cabe ao ofício de pastores e bispos tomarem eles posse não somente de cidades, burgos e castelos, mas também dos grandes condados e ducados, e finalmente estenderem suas garras até os reinos e impérios? Pois o inviolável mandamento de Deus não os proíbe de toda cobiça e avareza? Mas eles são tão desabusados que se atrevem a dar evasiva e a gabar-se de que é muito conveniente que a dignidade da igreja seja sustentada com tais pompas e que, todavia, com isso eles não ficam tão afastados dos seus encargos que não possam dedicar-se aos mesmos (2006, vol. 4, p. 132).

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    7. Calvino continua a defender seu pensamento, usando o exemplo dos apóstolos que, não podendo cuidar dos necessitados, da pregação e ensino, se desincumbiram do trabalho de assistência aos necessitados passando tal encargo para outros, para poderem se dedicar ao ensino e pregação. O reformador com base no exemplo dos apóstolos pergunta:
      Porque, se aqueles apóstolos, os quais, segundo a excelência das graças que receberam de Deus, eram muito mais capazes do que ninguém depois deles de se desincumbir satisfatoriamente de grandes encargos, e, todavia, reconheceram que não poderiam dedicar-se ao mesmo tempo à administração da Palavra e à administração do serviço beneficente de distribuição de esmolas sem desfalecerem sob o peso do trabalho, como é que estes tais que, comparados com os apóstolos não são nada, poderiam sobrepujar cem vezes mais o diligente labor apostólico? Certamente é uma ousadia deveras temerária tentar realizar tal empresa, e, contudo, é o que tem sido feito (2006, vol. 4, p. 133).

      Calvino diz que a conseqüência não era outra, “senão que tais administradores, abandonando o seu próprio cargo, realizam o trabalho de outros” (2006, vol. 4, p. 133). Percebe-se que para o reformador, quando a igreja por meio de seus líderes exerce o governo das cidades ou países, realiza um trabalho que não é seu e portanto, deixa de realizar adequadamente o que de fato é sua função e ministério, ficando sobrecarregada. Quando isso acontece a Igreja se desqualifica, perdendo sua essência.
      Conforme Calvino demonstra, seria incoerência da parte dos bispos com a mensagem cristã, desejar deter o poder, algo que segundo o reformador é condenado por Jesus Cristo. Diz ele:
      [...] se é um apoio próprio e conveniente à sua dignidade que eles sejam elevados a tais alturas e que sejam respeitados e temidos pelos maiores príncipes do mundo, terão do que se queixar de Jesus Cristo, a quem dessa maneira eles desonram insolentemente. Porquanto, conforme a opinião deles, que maior injúria lhes poderia ele fazer do que dizer: “Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”? Com essas palavras o Senhor lançou para bem longe do ofício deles toda a altivez e toda a glória deste mundo (2006, vol. 4, p. 132).

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    8. O Estado não tem nenhuma autoridade Espiritual sobre a Igreja.

      Se por um lado a Igreja não pode exercer domínio sobre o Estado, por outro lado, Calvino também entende, que este não tem o direito de exercer autoridade espiritual sobre aquela, a ponto de confundir “a disciplina eclesiástica em si com a gestão política. Disto queixa-se Calvino particularmente, que foi esta confusão tolerada na Alemanha e que ameaça ela sempre ganhar as Igreja Reformadas” (BIÉLER, 1990, p. 381).
      Biéler cita sobre esse assunto, o que Calvino diz em um de seus comentários Bíblicos:
      Bem é certo que os Reis e seus príncipes, se fazem o seu dever, são protetores da religião e provedores de nutrição da Igreja, como os chama Isaías (42.23). Eis, então, o que principalmente se requer dos reis, que usem do gládio que Deus lhes pôs na mão para manter Seu culto em sua pureza. Há, entretanto, pessoas irrefletidas que os fazem demasiado espirituais. E é este um vício que reina por toda a Alemanha; e mesmo nestes países a voga é excessiva. E, agora, sentimos por experiência quais são os frutos que provêm dessa raiz, isto é, que os Príncipes e todos aqueles que exercem poder soberano tão espirituais se julguem ser que já não mais deve haver nem regime nem governo para o estado da disciplina eclesiástica. E este sacrilégio reina entre nós, uma vez que os Príncipes se não podem conter em seu ofício, sem ultrapassar os limites da razão; pelo contrário, pensam que não podem reinar, a não ser que hajam de abolir toda a autoridade da Igreja e sejam soberanos e juízes finais, tanto na doutrina quanto em toda a gestão e governo espirituais (1990, p. 381).

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    9. A Missão do Estado para com a igreja

      Conforme já foi destacado, Calvino estabelece distinção entre a Igreja e Estado. A igreja não tem o direito de governar o Estado, nem tão pouco o Estado tem autoridade sobre a Igreja. São instituições distintas, contudo, possuem entre elas “relações fundamentais que não são simples relações ocasionais, pelo contrário, verdadeiros laços duráveis, essenciais à sua existência” (BIÉLER, 1990, p. 379).
      Um dos pontos fundamentais do pensamento de Calvino, no que se refere à missão do Estado em relação à Igreja é que, cabe a ele “não somente manter certa ordem na sociedade, mas também prover o sustento da Igreja e da pregação fiel da Palavra de Deus entre os cidadãos” (BIÉLER, 1990, p. 379).
      Comentando o texto bíblico da carta do apóstolo Paulo, Calvino enumera as vantagens de um governo bem regulamentado:
      A primeira é uma vida tranqüila, porquanto os magistrados, se encontram bem armados com espada para a manutenção da paz. [...] a segunda vantagem consiste na preservação da piedade, ou seja, quando os magistrados se diligenciam em promover a religião, em manter o culto divino e em requerer reverência pelas coisas sacras. A terceira vantagem consiste na preocupação pela seriedade pública: pois o benefício advindo dos magistrados consiste que impeçam os homens de se entregarem a impurezas bestiais ou a vergonhosa devassidão, bem como a preservar a modéstia e a moderação (1998, p. 57).

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    10. Para Calvino o Estado tem o dever de manter a ordem e preservar a religião:
      Que ninguém estranhe que eu incumba o governo civil de manter em ordem e em segurança a religião, encargo que aparentemente neguei ao poder dos homens; porque aqui também digo que para mim é inadmissível que os homens a seu bel-prazer forjem leis referentes à religião e sobre como se deve honrar a Deus; coibindo aqui não menos do que coibi acima. O que eu aprovo é uma ordem civil que cuide para que a religião verdadeira, contida na Lei de Deus, não seja publicamente violada nem maculada por uma licença impune (2006, vol. 4, p. 148).

      Desta forma, embora exista uma distinção entre o Estado e a Igreja, isto não significa que os dois não tenham uma estreita relação, e por isso, que o governo civil tendo sido instituído por Deus, tem o dever de “impedir que a idolatria, as blasfêmias contra o nome de Deus e contra a sua verdade, e outros escândalos relacionados com a religião sejam publicamente fomentados e semeados entre o povo” (2006, vol. 4, p. 147).

      5.5. A Missão da Igreja para com o Estado
      Embora a Igreja não possa se intrometer no governo das cidades e países, ou seja, ela não possa exercer o governo civil, contudo, a Igreja tem uma missão política a ser exercida. Desta forma, Calvino demonstra que o primeiro dever da Igreja é de orar pelas autoridades e isto, “em qualquer país que os cristãos se encontrassem, independente da forma de governo daquele país, por mais hostil que as autoridades fossem” (LOPES, p. 16).
      Diz Calvino:
      [...] visto que Deus designou magistrados e príncipes para a preservação do gênero humano, e por mais que fracassem na execução da designação divina, não devemos, por tal motivo, cessar de ter prazer naquilo que pertence a Deus e desejar que seja preservado. Eis a razão por que os crentes, em qualquer país em que vivam, devem não só obedecer às leis e ao comando dos magistrados, mas também, em suas orações, devem defender seu bem-estar diante de Deus. [...] que aspiremos o estado contínuo e pacífico das autoridades deste mundo, pois elas forma ordenadas por Deus (1998, p. 56).

      Um segundo dever da Igreja, constituindo sua missão política é advertir as autoridades. Para Calvino quando a Igreja deixa de exercer esse papel, então a maldade ganha força. “É este um dos aspectos essenciais da missão profética da Igreja” (BIÉLER, 1990, p. 384).
      Comentando um texto do Antigo Testamento[1], sobre a corrupção dos líderes religiosos de Israel diz:
      Coisa horrível era e monstruosa, que não mais houvesse qualquer eqüidade ou justiça nos próprios profetas e sacerdotes, que deviam esclarecer e mostrar o caminho aos outros, uma vez que Deus os havia ordenado guias e condutores dos demais. Visto que eles mesmos se comportavam deslealmente, inevitável era que houvesse uma injustiça demasiado vil que reinava entre o povo em geral [...] eis que o Profeta mostra [...] que se não pode objetar Deus que é Ele excessivamente rigoroso ao exercer crueldade contra o povo, já que suas maldades eram vindas até o ponto que não mais podiam ser suportadas (op. cit. BIÉLER, 1990).

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    11. Um terceiro dever da Igreja é tomar a defesa dos pobres e dos fracos contra os ricos e poderosos. “Ela deveria consistentemente alertar o Estado a que proteja os fracos, os oprimidos e explorados pelos ricos, os que não possuem poder político ou econômico, e que não têm proteção social” (LOPES, p. 16).
      Um quarto dever da Igreja é recorrer à autoridade política na aplicação das sanções disciplinares. “Ao lado desta dupla missão de oração e advertência, tema a Igreja o dever de recorrer ao Estado para as sanções necessárias ao exercício de sua disciplina. O Estado, no entanto, permanece inteiramente livre para responder ou não às solicitações da Igreja” (BIÉLER, 1990, p. 388).

      PASSAR BEM!

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