Representação pictórica de Deus (Manus Dei)
Separação da Luz da Escuridão, de Michelangelo, - primeira metade de 1512
AS DUAS MÃOS DE DEUS!
(Santo Ireneu)
Eu creio que todos aqueles que estudam teologia, em especial a matéria
chamada teontologia (doutrina do Ser de Deus) tem se maravilhado e dado uma
pausa na leitura para admirar este Ser dos seres, Deus dos deuses e o Criador
de todas as coisas. Quantas vezes debruçado nas Escrituras uma grandiosa e
inenarrável alegria me inundou e minha mente perplexa ante a revelação de Deus
inclinou-se para adorá-lo na beleza de Sua santidade!
O grande Anselmo de
Cantuária mostra à luz da fé e da razão que “Deus é o Ser do qual não se pode
pensar nada maior e, também, que é impossível pensá-lo não existente”. Eu não
tenho dúvidas de que todos os seres existentes só são seres por causa do grande
Ser. Eu sou o que sou por causa do EU SOU o que SOU (heb. Ehyeh Asher Ehyeh). Essa expressão hebraica também pode ser
traduzida como EU SEREI O QUE SEREI (Êxodo 3.14, BTX). Deus nunca deixou de Ser
o que Ele sempre foi e nunca deixará de Ser o que Ele É e sempre É o Ser que
tem sido desde toda a eternidade, antes de todas as coisas. Ele é o Ser que É o
Ser que sempre É: EU SOU!
Nós, cristãos, temos que pontuar com Bernand Ram que o teólogo não estuda Deus em Si, mas Deus em Sua
revelação. Quando os escritores bíblicos falam sobre Deus não fazem segundo os
seus pensamentos sobre algum “ser”, mas sobre aquilo que o Ser Eterno revelou
de Si mesmo. Os teólogos dizem que Deus manifesta a Si mesmo na “economia”,
isto é, no processo ordenado de Sua auto-revelação. Deus se revelou, e nós
podemos conhecê-lo. O Senhor Jesus disse que a essencialidade da vida eterna é
conhecer o Pai como o único Deus verdadeiro e a Ele, o Seu enviado (João 17.3).
A Bíblia não é a palavra de homens acerca de Deus, mas a auto-revelação de Deus
em palavras humanas. Isso foi necessário para termos um conhecimento do Ser
Insondável em Sua revelação sondável. Ele é incognoscível em Seu Ser eterno,
mas cognoscível em Sua revelação tempo-espaço aos Seus servos e servas!
Nos escritos de Santo Ireneu do ponto de vista de Seu Ser intrínseco, Deus é o Pai de todas as coisas, inefavelmente Uno e contendo em Si mesmo desde toda a eternidade Seu Verbo e Sua Sabedoria (o Espírito Santo) (Adversus Hereses IV. 20,1-3; Demons. Pred. Apost. 47).
As Duas Mãos do Ser Eterno (YHWH)!
Agora, segundo Santo Ireneu,
do ponto de vista de Sua auto-revelação, ou empenhando-se na Criação e na
Redenção, Deus extrapola ou manifesta o Verbo e a Sabedoria. Estes, como Filho
e Espírito, são Suas “Mãos”, imagem sem dúvida tirada de Jó 10.8: “Tuas Mãos me fizeram, e me plasmaram todo”; e de Salmos 119.73: “Tuas Mãos me fizeram e
me formaram”. Assim, Santo Ireneu
afirma que “pela própria essência e natureza de Seu Ser existe apenas Um só
Deus”, enquanto que ao mesmo tempo, “de acordo com a economia de nossa Redenção
existem tanto o Pai como o Filho”, ao que poderia acrescentar: “e o Espírito
Santo”. (Adversus Hereses IV. 20,1-3;
Demons. Pred. Apost. 47).
Santo Ireneu ensina a
coexistência do Verbo com o Pai desde toda a eternidade. Ele ainda ensina que o
Verbo e o Espírito Santo colaboram no trabalho da criação sendo, se tal fosse
possível, as “Mãos” de Deus. Devo pontuar, que a metáfora das Duas Pessoas da
Trindade como as “Duas Mãos de Deus” subscreve apenas o trabalho do Verbo e do
Espírito Santo tanto na criação quanto na redenção, e não que o Verbo e o
Espírito sejam literalmente as mãos de Deus. Como diz o grande bispo: “Foi
função do Verbo trazer as criaturas à existência, e do Espírito ordená-los e
adorná-los”. (Adversus Hereses IV,
pref., 4; 5,1,3; 5,5,1; 5,6,1). O uso da linguagem figurada insere-se na “economia”
da auto-revelação de Deus que falamos acima.
Deus possibilita o conhecimento de Deus e o
Revela!
Podemos dizer que a possibilidade do conhecimento de Deus se dá pelo
próprio Deus. O bispo de Lyon escreveu que “[...] era [e é!] impossível
conhecer a Deus sem a ajuda de Deus, então Ele ensina os homens a conhecerem a
Deus por meio do Seu Verbo” (Adv. Hereses
IV. 5,1;). Isso foi ensinado pelo grande apóstolo Paulo quando se referiu a possibilidade de tal conhecimento de Deus
ou de Suas profundezas pelo Espírito Santo. Ele escreveu: “e Deus as revelou a
nós por meio do Espírito; porque o
Espírito tudo o esquadrinha, ainda as
profundezas de Deus” (1Coríntios 2.10, BTX).
Notamos pelas Escrituras que o conhecimento e revelação do Ser de Deus
em Suas profundezas é peculiar as Pessoas do Verbo e do Espírito Santo. Sobre o
Espírito já vimos que o apóstolo salientou: “[...] o Espírito tudo o esquadrinha, ainda as profundezas de Deus”. Sobre o Verbo, Ele mesmo disse sobre Si em
Mateus 11.27: “[...] Ninguém conhece plenamente o Filho senão o Pai, e ninguém conhece plenamente o Pai
senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Bíblia Textual, BTX).
O pleno conhecimento das Pessoas da Divindade é peculiar a cada Pessoa. A
revelação e o conhecimento de cada Pessoa-Divina às pessoas-criaturas dependem
da outra Pessoa-Divina o quiser revelar!
As Pessoas eternas conhecem uma a outra eterna e plenamente. As
Pessoas eternas do Verbo e do Espírito conhecem plenamente o Pai e o revelam a
quem Eles querem! Afirma Santo Ireneu:
“Deus é inefável, mas o Verbo o declara para nós”; e também: “o que é invisível
no Filho é o Pai, e o que é visível no Pai é o Filho”. Nas Teofanias do Velho
Testamento foi realmente o Verbo que falou com os patriarcas. (Adv. Hereses
4,6,3; 4,6,6; 4,9,1; 4,10,1). Sobre o Espírito Santo, o bispo Ireneu postula: “[...] sem o Espírito
Santo, é impossível ver o Verbo de Deus”; e também “o conhecimento do Pai é o
Filho, mas o conhecimento do Filho de Deus somente pode ser obtido através do
Espirito Santo”. Nossa santificação é totalmente obra do Espírito Santo, “o
qual o Filho ministra e dispensa a quem o Pai quer e como quer” (S. Ireneu:
Demonst. 6,7).
Essa teologização Trinitária (se assim posso dizer!) deságua na
glorificação eterna e recíproca de cada Pessoa na unidade da Divindade. O
Senhor Jesus disse: “E agora Pai,
glorifica-me Tu junto a Ti mesmo,
com a glória que tinha contigo antes
de existir o mundo” (João 17.5, BTX). Pai e Filho se deliciam juntinhos (“junto
a Ti”) na glória da Divindade desde toda a eternidade (“antes de existir o
mundo”). Existe claramente um externar de amor e glória um para com outro
eternamente! O Espírito é o elo ontológico do amor do Pai e do Filho na
Divindade. Esse mesmo Espírito derrama esse mesmo amor do Pai e do Filho, em
glória, no coração de cada crente elevando-o à comunhão plena da Divindade
(Romanos 5.2), fazendo-os participantes da natureza divina (2Pedro 1.4). Isso
não significa que serenos deuses, mas que o Cristo em Sua vinda nos glorificará
pelo Seu Espírito para sermos como Ele é (cf. 2Tessalonicenses 1.10; Romanos
8.29,30; 2Coríntios 3.18; Filipenses 3.21; 1João 3.2). Essa glorificação é a
(re)criação da imagem da divindade em nós quando alcançarmos a unidade da fé e
do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade e à medida
estatura da plenitude do Cristo (Efésios 4.13). Esse é o alvo, disse Paulo, que
todo cristão deve prosseguir “para o prêmio da soberana vocação de Deus em
Cristo Jesus” (Filipenses 3.14).
O amor e glória Divinos gerados pelo Espírito nos filhos leva-os a
clamar: Aba, Pai! (Romanos 8.15). Sendo feitos filhos no Filho pelo Espírito
Santo todos os cristãos participam do amor trinitário do Pai e do Filho pelo
amor do Espírito. O Espírito que liga, por assim dizer, o Pai e o Filho neste
amor e glória eternos, agora, no Filho, une os filhos de Deus e os faz
participantes do amor e da glória da Divindade!
Não apenas nós não compreendemos Este Ser insondável, mas também
participamos dessa comunhão amorosa, gloriosa e insondável das Pessoas da
Santíssima Trindade! Semelhante ao apóstolo, devemos nos quedar e adorar:
Ó profundidade da riqueza,
Tanto da sabedoria, como do
conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os Seus
juízos e quão inescrutáveis os Seus caminhos!
Ou quem primeiro lhe deu a
Ele para que lhe venha a ser restituído?
Porque d’Ele e por meio
d’Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente. Amém.
(Romanos 11.33-36).
Ivan Teixeira