Viseira Teológica e Lente
Teológica
Anteriormente
critiquei, e sempre venho fazendo, os teólogos de viseiras, definindo-os como
aqueles que se enclausuram num sistema de uma das heranças do Cristianismo
Histórico não permitindo que outros abracem certos postulados de outras tradições
pelo simples motivo de ser um distintivo particular desta tradição. Assim, se
fecham num único sistema do fazer teológico negligenciando outros labores e
distintivos igualmente válidos de outras tradições. Em vez de se enriquecer com
os distintivos de cada herança, numa teologia holística (claro não abraçando
pontos contraditórios, e.g., UNICISTA E TRINITÁRIOS), se limitam no aspecto de
sua viseira teológica.
Acredito
que todos sabem o que é uma viseira e para o que serve. Como nordestino não uso
a expressão “viseira” como “parte anterior do elmo, que desce sobre o rosto,
para resguardá-lo”, mas, sim, como aquela pecinha posta pelos homens nos
animais para que eles enxerguem apenas numa única direção. Essa viseira impede
que animais como burros e cavalos se assustem com acontecimentos horizontais e
não enxerguem, numa pequena virada do pescoço, a retaguarda, fazendo-o olhar
apenas para a frente sob os auspícios do seu guia.
Existe
uma frase de Charles Canela que diz:
A viseira do burro é uma indumentária imposta pelo homem,
fazendo o pobre quadrúpede enxergar só o que tem na sua frente. O homem só não
usa a indumentária, mas não enxerga as oportunidades maravilhosas que está do
lado.
Em
outras palavras, ele tem uma viseira “invisível”, por assim dizer. Muitos
homens e mulheres não têm uma viseira (pra usar uma palavra melhor, caso alguém
se ofenda visto que têm alguns dondoquinhos, uma “indumentária”) literal
imposta sobre eles, mas possuem uma indumentária invisível que os impedem de
ver os maravilhosos construtos teológicos de outras tradições do Cristianismo.
Posso
aproveitar ainda essa frase de Canela
e aplicá-la ao campo teológico, afirmando que os teólogos de viseira são
aqueles que certos teólogos ou tradição “impôs” (ou eles mesmos impuseram) a “viseira”
(uma bela indumentária), fazendo-os “enxergar só o que tem na sua frente”,
fazendo o povo ler apenas suas credenciais credais e denominacionais. Notem que
o “enxergar só o que tem na sua frente” é o resultado da direção dada pelo
guia-teológico ou mesmo pelo credo denominacional ou ainda pela herança de
crenças recebidas consciente ou inconscientemente. Caso, a pessoa queira olhar o
horizonte da construção teológica de outras heranças da direita ou da esquerda
(aqui sem conotações políticas ou religiosas), bem como o da sua retaguarda o “cabresto”
do sistema teológico imposto ou abraçado não o permite. Sempre estará,
consciente ou inconscientemente, a guiá-la dentro de sua tradição a ponto de
descartar o diálogo e o aprendizado com outras tradições, também, ricas em seu
construto teológico.
A
teologia de viseira em suas caminhadas e falas teológicas não enxergam o
panorama geral. Assim foi quando a Reforma surgiu, muitos com sua viseira
teológica não a enxergavam e a descartavam veementemente por não pertencer ao
campo limitado imposto pela sua viseira tradicionalista (no caso Católica);
assim foi com os Grandes Despertamentos, com o Movimento Holiness e, por
último, assim também foi com o Movimento Pentecostal. Quantos na época não
taxaram o Movimento Pentecostal e seus distintivos de fé, por exemplo, o “batismo
com o Espírito Santo”, como heresia ou como ensino contrário aos postulados de
sua pneumatologia com ênfase paulinista? Outros chegaram a falar que as pessoas
que falavam em línguas estavam sob influência de demônios com distúrbios
psíquicos e etc., visto que não conseguiam ver o Mover do Espírito Santo nos
primórdios do Movimento haja vista que não pertenciam ao campo limitado de suas
viseiras teológicas. Isso sim é teologia de viseira,
não conseguem enxergar além do limitado campo de suas construções
teológicas! Visto que, no lugar de estudarem as Escrituras e reverem suas
pneumatologias históricas à luz do Movimento Pentecostal (para resgatar,
reformular e até mesmo ampliar certos distintivos da pneumatologia) e das
Escrituras, preferiram continuar com suas viseiras e descartar qualquer coisa
que não estivesse na dianteira da visão permitida por suas viseiras.
A
teologia de viseira não consegue enxergar os horizontes de outras tradições teológicas.
Ela não consegue olhar para seus irmãos que estão ao lado!
A
teologia de viseira limita-se a uma visão dianteira do construto teológico. Ela
é limitada pelo seu tradicionalismo e o sistemazinho já formulado pelos seus
grandes heróis da fé.
A
teologia de viseira ignora ou negligencia que existem outras paisagens
teológicas que não seja a que ele enxerga ou quer enxergar. Um exemplo disso,
são certos reformados calvinistas ensinarem ou deixarem implícito nos seus
ensinos que somente eles são os verdadeiros ou únicos herdeiros da Reforma Protestante
como se a mesma não tivesse produzido outras alas do construto teológico.
O
teólogo de viseira sempre enxergará as Escrituras à luz de seu sistema que sua
viseira denominacional ou credal permite enxergar. Todos sabem deste perigo ao
estudar a teologia sistemática. Já temos o nosso sistema denominacional e só
lemos as Escrituras para procurar textos-provas para apoiar nossas credenciais
denominacionais. Creio numa teologia mais dinâmica, revitalizante e não
estatizada, engessada ou mesmo paralisada nos construtos do passado. As
Escrituras são dinâmicas sob a iluminação do Espírito Santo!
Veja
que o próprio Jesus condenou, corrigiu, reajustou ou ampliou certos postulados
doutrinários construídos pelos intérpretes judeus das Escrituras do Antigo
Testamento – eles eram teólogos de viseira! Creio, que um grande exemplo de
teologia de viseira sendo arrancada encontra-se no Ensino do Monte do Senhor Jesus
(Mt 5 a 7). Jesus dizia noutras palavras: “Vocês enxergam assim, EU, porém vos
digo que se deve ver assim!” ou “Vocês só estão enxergado isso, mas Eu vos digo
olhem este horizonte!”. Os interpretes judeus eram mestres em colocar viseiras
nas pessoas e proteger suas heranças interpretativas ao ponto de excluírem as
demais pessoas. Lembre-se das escolas de interpretação sobre o divórcio, Shamai
e Hillel. O nosso Senhor não se permitiu usar nenhuma das viseiras
interpretativas destes intérpretes, pelo contrário, convocou a todos para
ampliar, reajustar, corrigir suas lentes (aqui entra uma teologia mais dinâmica
– teologia de lente) à luz da Palavra de Deus na Criação e no entendimento
correto contextual no caso de Moisés! Isso sim é um chamado à teologia de
lente! Eu poderia dá outros exemplos. Jesus disse para os escribas/saduceus de Sua
época, sobre a questão da ressurreição, que “errais não conhecendo as
Escrituras e nem o Poder de Deus” (Mt 22.29). Pergunto: “Será que eles,
especialistas na Lei, não conheciam as Escrituras e o poder de Deus quando Ele abriu
o mar vermelho? Sem dúvidas, porém desconheciam no sentido de tê-las limitados
no seu construto interpretativo e teológico (teologia de viseira!). Suas
viseiras interpretativas os impediam de ver o horizonte das Escrituras e, principalmente do Poder de Deus e
também o horizonte da grande verdade
de que Ele é o Deus dos vivos e não dos mortos (Mt 22.32). Esses intérpretes
levantaram um postulado interpretativo desnecessário e ao mesmo tempo ignoraram
ou não enxergaram, por causa da viseira, outras verdades doutrinárias. Mas
Jesus os fez enxergar! Semelhantemente, entendo, que nós não podemos permitir
que certas viseiras teológicas nos impeçam de reajustar, ampliar, corrigir,
esclarecer e etc., nossas heranças teológicas. Afinal, todos somos limitados e
devemos aprender uns com os outros: Pedro aprendeu com Paulo; Calvino e Lutero
com Agostinho; George Whitefield com John Wesley e este com aquele e assim por
diante.
O
Que Entendo Como Uma Teologia De Lente.
A
teologia de lente ou uma lente teológica é peculiar a todos que falam de Deus e
querem entendê-lo em Sua revelação e relacionamento com a criação, pois todos
que falam de Deus e assuntos (criação, pecado, salvação e etc.,) a Ele
relacionados são teólogos. A questão não é se somos ou não teólogos, a questão
é se somos bons ou maus teólogos, ou, usando minha analogia, se somos teólogos
de viseira ou teólogos de lentes. Vale pontuar que dentro da minha analogia
podem ter bons teólogos de viseira, mas continuam sendo teólogos que só
enxergam suas próprias construções e herança teológica, negligenciando,
ignorando ou até repudiando outras heranças do labor teológico.
Diferente
da teologia de viseira que normalmente vai às Escrituras em busca de textos-provas
para apoiar seu sistema, o teólogo de lente traz sua herança teológica e outras
para as Escrituras a fim de postular uma teologia mais bíblica e coerente com
os dados da revelação tanto quanto for preciso. A teologia de lente não foca
apenas nas construções à sua frente, mas enfoca uma visão panorâmica do cenário
histórico bíblico-teológico.
Teologia
De Lente ou Lente Teológica
Todo
estudioso sabe que não somos neutros em nosso labor teológico. Não somos uma
folha em branco no construto da teologia que cremos, abraçamos e pregamos. Todos
nós temos os nossos pressupostos doutrinários. Para usar minha analogia, todos
nós temos nossas lentes teológicas. Mas, diferente de nos tornar um teólogo de
viseira, nós podemos mudar as lentes, ampliá-las, melhorá-las, ajustá-las,
corrigi-las e etc., Quem usa óculos, sabe como eu que periodicamente precisa
fazer ajustes nas lentes. Assim é um teólogo de lente ou uma lente teológica. Ele,
no construto e amadurecimento do seu entendimento das doutrinas, continua
ajustando, melhorando e até mudando caso seja necessário as lentes de seu labor
teológico. O teólogo de lente tem uma vantagem enorme sobre o teólogo de
viseira. Este, até percebe ou ouve certos movimentos horizontais, mas, por
causa da viseira, não consegue enxergá-los. Já o teólogo de lente ou uma lente teológica,
quando percebe alguma coisa a mais ou a menos no seu campo de visão ele procura
corrigir, ajustar e até ampliar suas lentes para que possa melhor enxergar e
assim melhorar sua caminhada.
Ainda
podemos dizer que o teólogo de lente tem a vantagem de que sempre deseja
enxergar melhor tanto quanto for possível. Por isso, ele até pode mudar de lentes,
mas normalmente suas lentes são ajustadas e aperfeiçoadas. Já o teólogo de
viseira a única coisa que ele muda é a cor da viseira ou troca sua viseira por
outra viseira continuando focando no seu limitado sistema à frente!
Que
Deus nos ajude a sermos teólogos de lentes, pois ao lermos, estudarmos e apreciarmos
a contribuição e o labor teológico de outras tradições, seja agostiniana,
tomista, reformada arminiana, reformada luterana, reformada calvinista, Wesleyana,
dispensacionalista ou pentecostal e etc., possamos sempre ajustar, aperfeiçoar e
ampliar nossas lentes teológicas, visto que o labor teológico sempre será um
perpétuo aperfeiçoar e ajustar das lentes. E que Deus nos livre de sermos
teólogos de viseiras abraçando sempre o que couber em nosso campo dianteiro de
visão e excluindo os demais simplesmente por que não cabem em nosso raio de
visão, justamente por causa das viseiras!
Usando
outra analogia, as linhas que compõem a tapeçaria do construto teológico podem
ter várias cores, porém, no final, nos maravilharemos do tapete pronto, por
assim dizer! Claro que isso difere de uma concha de retalhos (fica o alerta!).
Concluindo
Por
isso, sou peremptoriamente contra essas briguinhas infantilizadas de “calvinismo
de zueira” e “arminianismo de zueira”, e até, caso exista por aí, “pentecostalismo
de zueira” e “tradicionais de zueira”, visto que mais trazem emburrecimento e
embrutecimento, ambiguidades e obscurecimento sobre as doutrinas e até
distorção do que exposição, esclarecimento, edificação e instrução sobre os grandes
temas do labor teológico aos irmãos em Cristo Temas que grandes homens e
mulheres se debruçaram com temor e tremor para entender e explicar aos irmãos,
estes, irreverentemente fazem chacotas e constroem redes sociais para “zoar”
(ah, a forma correta da escrita é ZOEIRA e não ZUEIRA. Isso nada mais é do que torpeza
(baixeza, indecente, obsceno e repulsivo). Paulo alertou-nos “Não sai da vossa
boca nenhuma palavra torpe, mas só a
que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Ef
4.29).
Notem
que estes zuereiros (ou melhor, “zoadores”) trazem mais torpezas do que
edificação para os que o ouvem! Ousadamente digo-lhes, se realmente entendesse
as Escrituras excluíram essas páginas obscenas da internet. E por conseguinte,
se dedicaria a realmente expor os distintivos das tradições para que os irmãos
entendessem, analisassem e fossem edificados com os grandes postulados destas
heranças do labor teológico.
Termino
com as palavras do teólogo Ted Peters, em sua teologia sistemática
intitulada God the World's Future: Systematic Theology for a New Era (Deus: O Futuro Do Mundo: Teologia Sistemática
para uma Nova Era):
Se
fôssemos pensar na teologia sistemática cristã como uma roda, o evangelho de
Jesus Cristo estaria localizado no centro. É o centro em torno do qual
tudo gira... o evangelho é aquilo que estabelece a identidade de alguém como
cristão.
O
resto é labores no construto teológico!
Em
Cristo Jesus,
Ivan
Teixeira
Muito bom, particularmente, sou favorável a uma teologia ampla, panorâmica ainda que se guarde convicções pessoais sorrir do texto, ademais, sou extremamente contra qualquer tipo de monopólio ou interpretação puramente denominacional ou de credos.
ResponderExcluirMaravilha meu nobre!
ExcluirPrecisamos sempre reajustar nossos pontos teológicos!
Meu corretor é uma benção, quis dizer (ainda que guarde convicções tiradas do texto).
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