quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

TEOLOGIA DE VISEIRA e TEOLOGIA DE LENTE


Viseira Teológica e Lente Teológica

Anteriormente critiquei, e sempre venho fazendo, os teólogos de viseiras, definindo-os como aqueles que se enclausuram num sistema de uma das heranças do Cristianismo Histórico não permitindo que outros abracem certos postulados de outras tradições pelo simples motivo de ser um distintivo particular desta tradição. Assim, se fecham num único sistema do fazer teológico negligenciando outros labores e distintivos igualmente válidos de outras tradições. Em vez de se enriquecer com os distintivos de cada herança, numa teologia holística (claro não abraçando pontos contraditórios, e.g., UNICISTA E TRINITÁRIOS), se limitam no aspecto de sua viseira teológica.

Acredito que todos sabem o que é uma viseira e para o que serve. Como nordestino não uso a expressão “viseira” como “parte anterior do elmo, que desce sobre o rosto, para resguardá-lo”, mas, sim, como aquela pecinha posta pelos homens nos animais para que eles enxerguem apenas numa única direção. Essa viseira impede que animais como burros e cavalos se assustem com acontecimentos horizontais e não enxerguem, numa pequena virada do pescoço, a retaguarda, fazendo-o olhar apenas para a frente sob os auspícios do seu guia.

Existe uma frase de Charles Canela que diz:
A viseira do burro é uma indumentária imposta pelo homem, fazendo o pobre quadrúpede enxergar só o que tem na sua frente. O homem só não usa a indumentária, mas não enxerga as oportunidades maravilhosas que está do lado.

Em outras palavras, ele tem uma viseira “invisível”, por assim dizer. Muitos homens e mulheres não têm uma viseira (pra usar uma palavra melhor, caso alguém se ofenda visto que têm alguns dondoquinhos, uma “indumentária”) literal imposta sobre eles, mas possuem uma indumentária invisível que os impedem de ver os maravilhosos construtos teológicos de outras tradições do Cristianismo.

Posso aproveitar ainda essa frase de Canela e aplicá-la ao campo teológico, afirmando que os teólogos de viseira são aqueles que certos teólogos ou tradição “impôs” (ou eles mesmos impuseram) a “viseira” (uma bela indumentária), fazendo-os “enxergar só o que tem na sua frente”, fazendo o povo ler apenas suas credenciais credais e denominacionais. Notem que o “enxergar só o que tem na sua frente” é o resultado da direção dada pelo guia-teológico ou mesmo pelo credo denominacional ou ainda pela herança de crenças recebidas consciente ou inconscientemente. Caso, a pessoa queira olhar o horizonte da construção teológica de outras heranças da direita ou da esquerda (aqui sem conotações políticas ou religiosas), bem como o da sua retaguarda o “cabresto” do sistema teológico imposto ou abraçado não o permite. Sempre estará, consciente ou inconscientemente, a guiá-la dentro de sua tradição a ponto de descartar o diálogo e o aprendizado com outras tradições, também, ricas em seu construto teológico.

A teologia de viseira em suas caminhadas e falas teológicas não enxergam o panorama geral. Assim foi quando a Reforma surgiu, muitos com sua viseira teológica não a enxergavam e a descartavam veementemente por não pertencer ao campo limitado imposto pela sua viseira tradicionalista (no caso Católica); assim foi com os Grandes Despertamentos, com o Movimento Holiness e, por último, assim também foi com o Movimento Pentecostal. Quantos na época não taxaram o Movimento Pentecostal e seus distintivos de fé, por exemplo, o “batismo com o Espírito Santo”, como heresia ou como ensino contrário aos postulados de sua pneumatologia com ênfase paulinista? Outros chegaram a falar que as pessoas que falavam em línguas estavam sob influência de demônios com distúrbios psíquicos e etc., visto que não conseguiam ver o Mover do Espírito Santo nos primórdios do Movimento haja vista que não pertenciam ao campo limitado de suas viseiras teológicas. Isso sim é teologia de viseira, não conseguem enxergar além do limitado campo de suas construções teológicas! Visto que, no lugar de estudarem as Escrituras e reverem suas pneumatologias históricas à luz do Movimento Pentecostal (para resgatar, reformular e até mesmo ampliar certos distintivos da pneumatologia) e das Escrituras, preferiram continuar com suas viseiras e descartar qualquer coisa que não estivesse na dianteira da visão permitida por suas viseiras.
A teologia de viseira não consegue enxergar os horizontes de outras tradições teológicas. Ela não consegue olhar para seus irmãos que estão ao lado!
A teologia de viseira limita-se a uma visão dianteira do construto teológico. Ela é limitada pelo seu tradicionalismo e o sistemazinho já formulado pelos seus grandes heróis da fé.
A teologia de viseira ignora ou negligencia que existem outras paisagens teológicas que não seja a que ele enxerga ou quer enxergar. Um exemplo disso, são certos reformados calvinistas ensinarem ou deixarem implícito nos seus ensinos que somente eles são os verdadeiros ou únicos herdeiros da Reforma Protestante como se a mesma não tivesse produzido outras alas do construto teológico.
O teólogo de viseira sempre enxergará as Escrituras à luz de seu sistema que sua viseira denominacional ou credal permite enxergar. Todos sabem deste perigo ao estudar a teologia sistemática. Já temos o nosso sistema denominacional e só lemos as Escrituras para procurar textos-provas para apoiar nossas credenciais denominacionais. Creio numa teologia mais dinâmica, revitalizante e não estatizada, engessada ou mesmo paralisada nos construtos do passado. As Escrituras são dinâmicas sob a iluminação do Espírito Santo!

Veja que o próprio Jesus condenou, corrigiu, reajustou ou ampliou certos postulados doutrinários construídos pelos intérpretes judeus das Escrituras do Antigo Testamento – eles eram teólogos de viseira! Creio, que um grande exemplo de teologia de viseira sendo arrancada encontra-se no Ensino do Monte do Senhor Jesus (Mt 5 a 7). Jesus dizia noutras palavras: “Vocês enxergam assim, EU, porém vos digo que se deve ver assim!” ou “Vocês só estão enxergado isso, mas Eu vos digo olhem este horizonte!”. Os interpretes judeus eram mestres em colocar viseiras nas pessoas e proteger suas heranças interpretativas ao ponto de excluírem as demais pessoas. Lembre-se das escolas de interpretação sobre o divórcio, Shamai e Hillel. O nosso Senhor não se permitiu usar nenhuma das viseiras interpretativas destes intérpretes, pelo contrário, convocou a todos para ampliar, reajustar, corrigir suas lentes (aqui entra uma teologia mais dinâmica – teologia de lente) à luz da Palavra de Deus na Criação e no entendimento correto contextual no caso de Moisés! Isso sim é um chamado à teologia de lente! Eu poderia dá outros exemplos. Jesus disse para os escribas/saduceus de Sua época, sobre a questão da ressurreição, que “errais não conhecendo as Escrituras e nem o Poder de Deus” (Mt 22.29). Pergunto: “Será que eles, especialistas na Lei, não conheciam as Escrituras e o poder de Deus quando Ele abriu o mar vermelho? Sem dúvidas, porém desconheciam no sentido de tê-las limitados no seu construto interpretativo e teológico (teologia de viseira!). Suas viseiras interpretativas os impediam de ver o horizonte das Escrituras e, principalmente do Poder de Deus e também o horizonte da grande verdade de que Ele é o Deus dos vivos e não dos mortos (Mt 22.32). Esses intérpretes levantaram um postulado interpretativo desnecessário e ao mesmo tempo ignoraram ou não enxergaram, por causa da viseira, outras verdades doutrinárias. Mas Jesus os fez enxergar! Semelhantemente, entendo, que nós não podemos permitir que certas viseiras teológicas nos impeçam de reajustar, ampliar, corrigir, esclarecer e etc., nossas heranças teológicas. Afinal, todos somos limitados e devemos aprender uns com os outros: Pedro aprendeu com Paulo; Calvino e Lutero com Agostinho; George Whitefield com John Wesley e este com aquele e assim por diante.

O Que Entendo Como Uma Teologia De Lente.
A teologia de lente ou uma lente teológica é peculiar a todos que falam de Deus e querem entendê-lo em Sua revelação e relacionamento com a criação, pois todos que falam de Deus e assuntos (criação, pecado, salvação e etc.,) a Ele relacionados são teólogos. A questão não é se somos ou não teólogos, a questão é se somos bons ou maus teólogos, ou, usando minha analogia, se somos teólogos de viseira ou teólogos de lentes. Vale pontuar que dentro da minha analogia podem ter bons teólogos de viseira, mas continuam sendo teólogos que só enxergam suas próprias construções e herança teológica, negligenciando, ignorando ou até repudiando outras heranças do labor teológico.

Diferente da teologia de viseira que normalmente vai às Escrituras em busca de textos-provas para apoiar seu sistema, o teólogo de lente traz sua herança teológica e outras para as Escrituras a fim de postular uma teologia mais bíblica e coerente com os dados da revelação tanto quanto for preciso. A teologia de lente não foca apenas nas construções à sua frente, mas enfoca uma visão panorâmica do cenário histórico bíblico-teológico.

Teologia De Lente ou Lente Teológica
Todo estudioso sabe que não somos neutros em nosso labor teológico. Não somos uma folha em branco no construto da teologia que cremos, abraçamos e pregamos. Todos nós temos os nossos pressupostos doutrinários. Para usar minha analogia, todos nós temos nossas lentes teológicas. Mas, diferente de nos tornar um teólogo de viseira, nós podemos mudar as lentes, ampliá-las, melhorá-las, ajustá-las, corrigi-las e etc., Quem usa óculos, sabe como eu que periodicamente precisa fazer ajustes nas lentes. Assim é um teólogo de lente ou uma lente teológica. Ele, no construto e amadurecimento do seu entendimento das doutrinas, continua ajustando, melhorando e até mudando caso seja necessário as lentes de seu labor teológico. O teólogo de lente tem uma vantagem enorme sobre o teólogo de viseira. Este, até percebe ou ouve certos movimentos horizontais, mas, por causa da viseira, não consegue enxergá-los. Já o teólogo de lente ou uma lente teológica, quando percebe alguma coisa a mais ou a menos no seu campo de visão ele procura corrigir, ajustar e até ampliar suas lentes para que possa melhor enxergar e assim melhorar sua caminhada.
Ainda podemos dizer que o teólogo de lente tem a vantagem de que sempre deseja enxergar melhor tanto quanto for possível. Por isso, ele até pode mudar de lentes, mas normalmente suas lentes são ajustadas e aperfeiçoadas. Já o teólogo de viseira a única coisa que ele muda é a cor da viseira ou troca sua viseira por outra viseira continuando focando no seu limitado sistema à frente!
Que Deus nos ajude a sermos teólogos de lentes, pois ao lermos, estudarmos e apreciarmos a contribuição e o labor teológico de outras tradições, seja agostiniana, tomista, reformada arminiana, reformada luterana, reformada calvinista, Wesleyana, dispensacionalista ou pentecostal e etc., possamos sempre ajustar, aperfeiçoar e ampliar nossas lentes teológicas, visto que o labor teológico sempre será um perpétuo aperfeiçoar e ajustar das lentes. E que Deus nos livre de sermos teólogos de viseiras abraçando sempre o que couber em nosso campo dianteiro de visão e excluindo os demais simplesmente por que não cabem em nosso raio de visão, justamente por causa das viseiras!
Usando outra analogia, as linhas que compõem a tapeçaria do construto teológico podem ter várias cores, porém, no final, nos maravilharemos do tapete pronto, por assim dizer! Claro que isso difere de uma concha de retalhos (fica o alerta!).

Concluindo
Por isso, sou peremptoriamente contra essas briguinhas infantilizadas de “calvinismo de zueira” e “arminianismo de zueira”, e até, caso exista por aí, “pentecostalismo de zueira” e “tradicionais de zueira”, visto que mais trazem emburrecimento e embrutecimento, ambiguidades e obscurecimento sobre as doutrinas e até distorção do que exposição, esclarecimento, edificação e instrução sobre os grandes temas do labor teológico aos irmãos em Cristo Temas que grandes homens e mulheres se debruçaram com temor e tremor para entender e explicar aos irmãos, estes, irreverentemente fazem chacotas e constroem redes sociais para “zoar” (ah, a forma correta da escrita é ZOEIRA e não ZUEIRA. Isso nada mais é do que torpeza (baixeza, indecente, obsceno e repulsivo). Paulo alertou-nos “Não sai da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Ef 4.29).
Notem que estes zuereiros (ou melhor, “zoadores”) trazem mais torpezas do que edificação para os que o ouvem! Ousadamente digo-lhes, se realmente entendesse as Escrituras excluíram essas páginas obscenas da internet. E por conseguinte, se dedicaria a realmente expor os distintivos das tradições para que os irmãos entendessem, analisassem e fossem edificados com os grandes postulados destas heranças do labor teológico.

Termino com as palavras do teólogo Ted Peters, em sua teologia sistemática intitulada God the World's Future: Systematic Theology for a New Era (Deus: O Futuro Do Mundo: Teologia Sistemática para uma Nova Era):
Se fôssemos pensar na teologia sistemática cristã como uma roda, o evangelho de Jesus Cristo estaria localizado no centro. É o centro em torno do qual tudo gira... o evangelho é aquilo que estabelece a identidade de alguém como cristão. 

O resto é labores no construto teológico!

Em Cristo Jesus,

Ivan Teixeira



3 comentários:

  1. Muito bom, particularmente, sou favorável a uma teologia ampla, panorâmica ainda que se guarde convicções pessoais sorrir do texto, ademais, sou extremamente contra qualquer tipo de monopólio ou interpretação puramente denominacional ou de credos.

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    1. Maravilha meu nobre!

      Precisamos sempre reajustar nossos pontos teológicos!

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  2. Meu corretor é uma benção, quis dizer (ainda que guarde convicções tiradas do texto).

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