O texto
favorito dos desigrejados
Atos 7.46-50
Esse tem sido o texto preferido e até
fundamental usado pelos proponentes do “movimento desigrejados”. Ao contrário
do que se comumente advoga esse texto não apoia a ideia básica e popular do
movimento. Esse texto não ensina a premissa básica do “movimento dos
desigrejados”: não precisamos de templo.
O silogismo criado pelo movimento é falso na conclusão. Usando uma linguagem
filosófica da lógica uma conclusão de premissas para ser aceita como verdadeira
deve se basear na verdade das premissas. Se uma das premissas não for verdade
não teremos uma conclusão correta, mas manipulativa ou errada. No caso das
premissas do movimento dos desigrejados, elas são verdadeiras. No entanto, a
conclusão não é verdadeira, o que se chama de “argumento não válido” ou um
“raciocínio errado”. Eu acredito que é isso que acontece com as ideias dos que
advogam o movimento dos desigrejados. A lógica é aquela ciência do “raciocínio
encadeado, da ligação nas ideias, e coerência entre os princípios e as
conclusões”.
Premissa
maior: Deus não habita em templos
feitos por mãos de homens; Verdade
bíblica!
Premissa
menor: Nossas igrejas ou templos locais
foram feitas por mãos humanas; Verdade
evidente! Foram pessoas que construíram.
Conclusão: Logo, não
precisamos de templos feitos por mãos humanas. Raciocínio errado ou conclusão errado de duas premissas verdadeiras.
Essa não seria a conclusão correta. Essa
conclusão se tornou um “raciocínio errado” ou um “argumento lógico”. A
conclusão correta seria: Logo, Deus não
habita em NOSSOS templos e igrejas locais. No entanto, essa conclusão não
descartar a importância de se construir templos ou igrejas locais para que o
povo de Deus se reúna para a adoração congregacional, mesmo sabendo que Ele
habita no meio do Seu povo e não num templo de tijolos e etc. Outro detalhe, é
que esta conclusão e, por conseguinte o argumento principal dos desigrejados
não tem apoio nas palavras de Estevão. Em outras palavras, não era a intenção
de Estevão e muito menos de Lucas descartar os templos locais.
O meu problema com o movimento dos
desigrejados é que eles rejeitam a instituição, o templo ou a igreja local
citando o texto de Atos 7.46-50. Mas o próprio texto não aprova
ou fundamenta a interpretação do movimento.
Compreendendo
o que Estevão disse:
Muitas pessoas têm compreendido erroneamente
esta expressão de Estevão. As pessoas têm agregado pensamentos a ela que não
estão no contexto e muito menos foi intenção do escritor, Lucas, e intenção do
orador, Estevão. É lamentável que as pessoas usem textos isolados das
Escrituras e elenquem um ensinamento que colidam com outros claros ensinos das
Escrituras.
Nós sabemos que ensinos ambíguos ou textos
obscuros devem ser interpretados a luz de textos ou ensinos claros. No entanto,
muitas pessoas têm disposto do texto de Atos
7.46-50 tornando-o o eixo central de um ensino que não tem apoio nas
Escrituras: a rejeição de um templo como
local de reunião e culto dos cristãos.
Esse ensino advoga que os cristãos não
precisam mais de Templos ou denominações para se reunir, pois Deus não habita
em templo feito por mãos de homens. No entanto, esse pensamento é enganoso,
inválido e descontextual. É enganoso porque as Escrituras em
lugar nenhum afirmam que Deus proíba que os cristãos tenha um lugar dedicado
para se reunirem como igreja, ou seja, um templo para culto que pode muito bem
ser chamada de a Casa de Deus, visto que foi separado para tal propósito: ser uma Casa de oração, ensino, adoração e
etc., uma casa com propósitos religiosos. É inválido, pois parte de
uma ideia advinda de experiências negativas com as instituições e não de um
estudo sistemático das Escrituras. A ideia
central do movimento dos desigrejados é reprovável e prejudicial, porque parte
do pressuposto de experiências más sucedidas com as instituições e não de um
estudo sistemático das Escrituras Sagradas. É descontextual porque a
ideia corrente atualmente de que não devemos ter templos ou casas específicas
para adoração não está no texto de Atos
7.48-50. Isso simplesmente é colocar no texto o que não está nele. É dizer
o que Estevão ou Lucas não disseram. A ideia de que o texto se refere “a
proibição de templos físicos” ou mesmo a “abolição permanecente de
instituições” é totalmente estranha ao texto, à intenção dos autores e também é
estranho as Escritura Sagrada.
Movimento dos desigrejados não surgiu da
Bíblia!
O movimento dos desigrejados não surgiu da
Bíblia, mas da conveniência de alguns! Não é um movimento (como muitos outros
do passado) que surgiu da leitura e compreensão dos textos bíblicos. Esse
movimento não surgiu de um estudo detido das Escrituras, mas do capricho de
certas pessoas decepcionadas com as denominações. Esse movimento não é produto
da obra do Espírito Santo, mas consequência de uma sociedade “líquida” (para
citar Sigmund Bauman), sem solidez, sem fundamentos, sem compromissos
fundamentais e avessos às autoridades!
A mudança de Agostinho de Hipona se deu pela leitura do texto de Romanos
13.13-14.
O movimento dos valdenses surgiu da sede que Pedro Valdo tinha para que o povo
tivesse acesso a Palavra de Deus.
A reforma protestante surgiu da análise de Martinho Lutero do texto de Romanos
1.17.
O movimento holiness (santidade) surgiu
quando o grande John Wesley foi
impactado pela leitura que os cristãos morávios faziam do prefácio do
comentário de Romanos escrito por Lutero.
O movimento pentecostal surgiu sob os
auspícios de estudos do Livro de Atos dos Apóstolos. Charles Fox Paham e alguns alunos entenderam que a experiência
registrada no livro de Atos sobre o “batismo com Espírito Santo” não era mero
registro histórico, mas normativo para todos os que creem.
Porém, o movimento dos desigrejados surgiu do
que chamo de experiências decepcionantes e utópicas. Boa parte de seus
proponentes são pessoas que se decepcionaram com a instituição, a organização,
a denominação. Muitos deles tiveram uma mentalidade utópica sobre a realidade
das denominações quando vieram congregar que por fim foi estilhaçada quando
contemplaram as falhas, os pecados, os escândalos e etc., dos líderes e dos
membros. Tempos atrás o teólogo J. I.
Packer tinha chamado este grupo de desviados
descontentes. Assim ele descreveu:
[...] desviados descontentes [são] os feridos
e os desistentes do moderno movimento evangélico [particularmente incluo: os
movimentos de campanhas com suas promessas utópicas; neopentecostalismo;
teologia da prosperidade e CIA], muitos dos quais agora voltam-se contra o
mesmo a fim de denunciá-lo como uma perversão neurótica do Cristianismo[1].
Ele então indaga: “Quem são eles?”. O Dr. Packer continua:
São pessoas
que, no passado, viam-se como evangélicos, mas que acabaram desiludidos com o
ponto de vista evangélico, voltando-lhe as costas e sentindo que o mesmo os
enganara. Alguns abandonaram [as denominações locais] porque tinham sido levadas
a esperar que, como crentes, eles desfrutariam de saúde, riquezas materiais,
circunstâncias sem perturbações, imunidades aos problemas de relacionamento,
traições, fracassos e de equívocos nas suas decisões – em suma, um mar de rosas
de facilidades, que os levaria felizes ao céu. Mas essas grandiosas
expectações, com o tempo, foram refutadas pelos acontecimentos. Magoadas e
irados, por sentirem-se traídos em sua confiança, agora acusam o
evangelicalismo que conheceram de haver falhado e de havê-los enganado; assim,
ressentidos, desistem; e é pela misericórdia que não acusam e abandonam o
próprio Deus[2].
Um antídoto para isso é juntos lutarmos por
uma igreja mais bíblica, santa, corretiva, realista, disciplinada,
evangelística e terapêutica para sarar os decepcionados e feridos.
Destaque: Assim como muitos movimentos estão
reescrevendo a Bíblia, muitos desigrejados também estão. Já não leremos no
Salmo 122.1: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do Senhor”; MAS,
“Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Starbucks (cafeteria) para sermos
igreja orgânica”.
Voltemos ao
texto de Atos 7.46-50:
[Davi] Este
achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de prover morada para o
Deus de Jacó. Mas foi Salomão quem lhe edificou a casa. Entretanto, não habita
o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o Meu
trono, e a terra, o estrado dos Meus pés; que casa Me edificareis, diz o
Senhor, ou qual é o lugar do Meu repouso? Não foi, porventura, a Minha Mão que
fez todas estas coisas?[3]
Antes de entendemos o texto em seu contexto
tanto no Livro escrito por Lucas, como na intenção do orador, Estevão, e no
contexto geral das Escrituras, nós devemos pontuar o que o texto não diz.
O que o texto não diz!
1. O texto não diz que Deus proíba os templos
locais, pois mesmo naquela época os cristãos se reuniam diariamente no Templo,
pois o próprio Jesus o fez (cf. Lc 24.53; At 2.46; 3.1; 5.42). Eu sempre digo
que a igreja nasceu no Templo e se expandiu para as casas! Nos primeiros anos
os cristãos não erigiram “templos cristãos” haja vista não ser considerados uma
religião oficial do Império Romano, mas apenas um “braço” do judaísmo. Porém,
oportunamente o ‘movimento dos nazarenos’ cresceu e começou a construir templos
cristãos (a arqueologia encontrou o primeiro templo cristão datado entre 33 a
70 A.C.).
2. O texto não proíbe a organização e a
institucionalização do movimento cristão como advogam os desigrejados (O NT
mostra os cristãos se organizando e se institucionalizando).
3. O texto não proíbe uma liturgia ordenada, um
ministério constituído e etc., (O NT mostra uma ordem litúrgica e um ministério
constituído).
4. O texto não ensina que construir templos é
errado. Alguns chegam a dizer que templos é coisa do paganismo. Isso seria uma
perversão das palavras de Estevão. Como disse acertadamente certo escritor:
Aqueles que
acham que Estêvão considerou a construção do templo como, de fato, errada vão
além da evidência do texto; esta não pode ser a visão de Lucas (cf. Lucas 19.46;
24.53; Atos 2.46; 3.1; 5.42), e não podemos certamente reconstruir a visão de
Estêvão fora do texto de Lucas[4].
Nem Lucas e muito menos Estevão eram
“anti-templo”.
Poderíamos elencar muito mais coisas que o
texto NÃO DIZ! Então, veja que o texto preferido dos desigrejados na realidade
não diz nada sobre o que eles afirmam dizer. Por isso, digo que os argumentos
dos desigrejados são falaciosos e produtos de suas próprias ideias geradas num
contexto de decepção com as instituições. Particularmente não vejo como errado
você combater os males das instituições (família, governo, ONGs, denominações),
mas, entendo ser imprudente o generalismo arrotado pelos desigrejados: TODAS AS
DENOMINAÇÕES NÃO PRESTAM, SÃO DO DIABO, SÃO DE HOMENS, VOCÊ NÃO PRECISA FAZER
PARTE DE UMA IGREJA LOCAL E ETC.
Para usar a máxima de Lutero, nós devemos ser contra a igreja a favor da igreja.
Atualmente, nós devemos ser contra o institucionalISMO ou denominalISMO a favor
da instituição ou denominação como um lugar de bênção para as pessoas como
sempre tem sido. Milhões de pessoas têm sido alcançadas pelas instituições
cristãs apesar dos erros.
O problema de muitos é querer proibir o que
Deus não proibiu! Sempre digo: só deixe
uma congregação, templo ou igreja local se Cristo a deixar! O Senhor Jesus
disse sobre uma das igrejas locais da Ásia Menor: “Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te
e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu
lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas”. (Ap 2.5). Veja que o Senhor
alerta a igreja local em Éfeso, caso não se arrependa, de vir contra ela e
mover o “candeeiro”. O que isso significa? Tirar a função desta igreja ou
templo local de ser uma representante visível de Sua igreja invisível! Essa
congregação local sofreria um juízo do Senhor da igreja. Veja, só devemos
abandonar uma igreja local se o Senhor a julgar e mover a função dela de
candeeiro. Caso contrário, nós devemos permanecer e lutar!
O que o texto diz!
Vamos procurar entender o que o texto diz no
aspecto exegético, teológico e pragmático.
Estevão cita o desejo de Davi de “prover
morada para o Deus de Jacó” (v.46). Mas Deus permitiu que Salomão e não Davi edificasse
a Casa (v.47). Estevão pontua que apesar de Deus ter permitido que Salomão
edificasse uma Casa para colocar a arca da aliança, símbolo do trono de Deus,
as pessoas deveriam entender que Deus não estaria confinado a uma casa, visto que Sua presença enche a terra e os
céus. Deus não pode ser confinado dentro de nada finito, inclusive nós mesmos.
Então, veja que Estevão não está dizendo (nem
implicitamente) que Deus proíba edificar uma casa separada para culto a Ele,
pois o próprio texto descreve a aprovação
de Deus para que Salomão edificasse uma Casa. A aprovação de Deus foi
demonstrada quando Ele encheu essa Casa com Sua Shekinah (2Cr 5.13-14). Salomão depois de ter edificado a Casa
reconheceu a mesma verdade elencada por Estevão (1Rs 8.27-30).
Observamos que o texto ensina “não uma
proibição ou término/rejeição de um local de culto, que chamamos de Casa de
Deus”, mas sim a ideia de que Deus está confinado num único lugar, pois devemos
entender que Ele é o Criador de todas as coisas (dos céus e da terra). Esse
texto não fala da proibição de se edificar uma Casa ou templo e dedicá-la ao
Senhor, mas ensina que o nosso Deus é onipresente e por isso não está e nunca
estará confinado a um templo feito por mãos humanas. Aí você percebe o que
Jesus quis dizer que “nem neste monte e nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo
4.21).
Muitos que pertencem ao movimento dos
desigrejados também citam este texto do Evangelho de João para ratificar seus
argumentos. Porém, o texto também não apoia o argumento de que não podemos ter
uma casa ou templo específico e organizado para a adoração. O texto ensina que
mesmo que as pessoas adorem no Monte Gerizim ou na cidade de Jerusalém, o nosso
Deus não está limitado a estes dois locais sagrados de culto, pois o Seu desejo
é que “os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade;
porque são estes que o Pai procura para Seus adoradores” (Jo 4.24). Isso pode
ser confirmado pelo costume de Jesus de sempre ensinar no Templo e não perder
nenhum momento das grandes festas religiosas do calendário judaico. Ele até
promoveu duas purificações do Templo. Ele chamou o templo de Casa de Meu Pai e
de casa de oração para todas as nações, conforme o profeta Isaías disse (Is
56.7). Mesmo depois da Ascenção do Senhor Jesus os cristãos permaneceram se
reunindo no Templo.
Então afirmamos que “o Criador não está
limitado por nada de Sua criação. Sua presença enche tudo que Ele fez. Salomão
compreendeu isto quando dedicou o Templo (1Rs 8.27-30). Em seu discurso,
Estevão fez ênfase ao fato de que Deus
não pode confinado em templos feitos por mãos humanas”[5].
Porém, isso não significa que Ele desaprova as congregações locais. O que temos
é apenas uma ênfase teológica sobre a onipresença e infinitude de Deus e não
uma proibição de erguer templos. Não podemos ir além do que o texto diz!
Concordo com certo escritor: “Estevão não se
opunha ao próprio Templo, mas ao institucionalismo sem vida que ele
representava”[6].
Creio que essa é uma posição sábia e bíblica. Jesus, os apóstolos, Estevão e os
reformadores não se opuseram ao próprio Templo ou instituição, mas ao sistema
mundano e ao institucionalismo sem vida que era praticado no Templo. Por
exemplo, Lutero não se opôs a igreja
porque ela exigia demais, mas porque exigia muito pouco.
O comentarista Craig Keener levanta a possibilidade de Estevão está acusando seus
contemporâneos de “beirar a idolatria”[7]
do templo em si. Conforme observado em Atos
6.14, muitos judeus acreditavam que o templo era invencível, então Estevão
desafiou o abuso do templo usando as Escrituras para mostrar que Deus não está
confinado ao templo e é maior do que o templo.
Dizer que Deus não habita num templo feito
por mãos humanas, não significa que nós não devemos ter um templo para a
adoração.
Dizer que Deus não está confinado ao qualquer
templo feito por mãos humanas, não significa que nós não devemos ter um templo
para nossa “habitação”. Uso a expressão “habitação” no sentido usado pelos
salmistas. Eles tinham prazer de estar na Casa de Deus. Por exemplo, lemos no Salmo 84.4: “Bem-aventurado os que habitam em Tua Casa;[...]” (ARA);
“Bem-aventurados os que vivem em Tua
Casa, [...]” (Bíblia Hebraica, Editora Sêfer). “Habita’” e “viver” denota
prazer de estar na Casa de Deus para o culto. Os salmistas tinham um desejo
intenso de estarem no Templo (cf. Sl 27.4).
Destaque: Um adepto do movimento dos desigrejados me
interpelou: “Você quer que as pessoas congreguem numa igreja local porque você
é pastor!”. Respondi: “É claro, pois se eu fosse lobo ou mercenário faria de
tudo para que as ovelhas estivessem fora do aprisco da igreja local!”.
Deus não precisa de Templos, mas nós
precisamos!
O nosso Deus como Criador tem os céus e a
terra como Sua habitação. Aliás, o profeta afirma que nem o céu dos céus pode
conter Deus (1Rs 8.27: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que o
céu, e até o céu dos céus, não Te podem conter; quanto menos esta Casa que
edifiquei!”). Em Seu Ser Deus é infinito. Isso significa que Deus não pode ser
engaiolado em Seu Ser por arquiteturas humanas. E muito menos a própria
criação, obras de Suas Mãos, pode apreender ou conter o Ser de Deus. Deus está
acima do tempo e do espaço, mesmo agindo e se manifestando no tempo e no
espaço.
No ensino da Bíblia, Deus é infinito e
pessoal: Ele é infinito porque não está sujeito a nenhuma das limitações da
humanidade, ou da criação em geral. É bem maior do que qualquer coisa que tenha
feito, bem maior do que qualquer coisa que exista[8].
Afirmamos que o tempo não impõe limites a
Deus. Salmo 90.2: “Antes que os
montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, Tu és Deus”. “A infinidade de Deus
descreve Sua natureza como transcendendo perfeitamente (existindo e atuando
além) todas as limitações do tempo e do espaço”[9].
A Bíblia também descreve que Deus é Espírito
(Jo 4.24). Isso significa que Ele não tem as limitações associadas a um corpo
físico. Ele não é composto de matéria nem tem uma natureza física. E por isso,
não está limitado a um local geográfico ou espacial específico. Jesus disse que
“a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo 4.21).
Paulo afirmou em Atos 17.24: “O Deus
que fez o mundo e tudo o que nele há, Senhor do céu e da terra, não habita em
templos feitos por mãos de homens”[10].
O fato de que Deus não está restrito a um
ponto geográfico, como nós estamos, se opõe à ideia de que Deus poderia ser contido ou controlado: “nem o céu dos céus podem contê-Lo”; “Ele não habita em
templos feitos por mãos de homens”.
Nosso ponto é que Deus não pode ser confinado
a um espaço, seja um templo, uma casa, um corpo (coração, alma e etc.), um
país, o mundo, o universo ou mesmo toda criação. Nada e ninguém podem limitar
ou confinar a Deus, pois Sua infinitude não significa somente que Ele é
ilimitado, mas também que Ele é ilimitável.
A doutrina da infinitude de Deus desmorona a implicação do argumento dos
desigrejados que deduz que agora Deus habita em nós e não num templo feito por
mãos de homens. A citação de Estevão quer dizer exatamente que nada, inclusive
nosso corpo, pode confinar a Deus. Então, as palavras de Estevão em Atos 7.48-50 não querem dizer que os
templos físicos fossem descartados, mas sim que Deus, por causa de Sua
infinitude, não está sujeito a limitações de espaço. Nada e ninguém podem
conter ou confinar a Deus a um espaço. Os teólogos medievais já pontuavam: Finitus non capax infinitus! O ponto não
é que o templo fosse ruim, mas que não era essencial.
Deus disse por meio de Isaías: “O céu é o Meu Trono, a terra o estrado dos Meus pés; que
casa Me edificareis vós? E qual é o lugar do Meu repouso?” (66.1). Esse texto
de Isaías citado por Estevão (At 7.49) não está proibindo os templos locais,
mas a ideia de pretender confinar o Ser de Deus neste espaço limitado. Isso
seria pura tolice!
A questão pontuada também pelo profeta Isaías era que certos adoradores
pretendiam limitar e até manipular a Deus por meio dos sacrifícios e usando o
templo. A resposta divina é que nada neste mundo pode contê-lo (“repouso”) ou
manipulá-lo (“casa”), pois Sua Mão “fez todas as coisas, e todas vieram a existir,
diz o SENHOR” (v.2a). Então, nenhuma coisa (casa, templo e etc.,) ou
pessoa (“todas vieram a existir”) podem ser usadas para manipular a Deus ou
conter o Seu Ser infinito. No entanto, o que Deus deseja não são sacrifícios
manipulativos (isso me lembrar das campanhas mirabolantes!) (v.3) e, sim,
pessoas que reconheçam seus pecados e “treme da Minha Palavra” (v.2b).
É interessante elencar que o próprio juízo de
Deus sobre os ímpios e pecadores virá do templo (“voz do templo”, v.6),
pontuando a importância do templo do SENHOR. O SENHOR do templo julgará os
hipócritas e pecadores obstinados que tentam se mascará ao oferecer sacrifícios
no templo enquanto estavam vivendo pecaminosamente (v.3). Veja que Deus não
destruiu o templo, mas, sim, o mau do templo. Então, nós não devemos combater a
instituição ou os templos em si, mas os pecados, as injustiças, as deslealdades,
as corrupções e etc., praticados no templo. Tal como o profeta, nossa voz deve
vir de dentro do templo contra as corrupções e não de fora do templo contra o
templo (v.6: “Voz [virá] do templo, voz do SENHOR, que dá o pago aos Seus
inimigos”).
Nós devemos lutar a favor do templo,
combatendo as corrupções do templo, dentro do templo e não fora do templo!
Jeremias também fez isso (cf. Jr 7:
o povo tem que consertar é a vida e não abandonar o templo!). Jeremias combateu
a corrupção do templo de dentro do templo para a restauração do verdadeiro
culto no templo. Ele não saiu covardemente como muitos!
Templos locais: benção para nós!
Uma Casa de oração, uma igreja local ou um templo,
é um benefício para nós e não para Deus. Deus não está limitado a um local. Ele
está disponível a nós não importa onde estejamos. É bom reunimo-nos com outros
crentes em um lugar regular de adoração, mas Deus não estará impedido de se
encontrar conosco se não conseguirmos ir a esse lugar especial. O templo é uma
necessidade para nós, não para Deus! Nós precisamos do templo para fazer
orações, ouvir o ensinamento da Palavra de Deus, observarmos os sacramentos,
estarmos sob uma liderança biblicamente constituída e et., Mas Deus não pode
ser confinado. Deus não é confinado e nem o templo é descartável. Essas duas
verdades coexistem numa teologia bíblica.
Tendo estas verdades sobre Deus em mente, e
acredito que o ponto de Estevão era mostrar que Deus não pode ser contido ou
confinado por obras humanas, afirmamos que “o templo era uma acomodação para a
necessidade humana, [e que] Deus deseja adoração pura, não simplesmente um
lugar ou instituição”[11].
Essas duas verdades não são mutuamente excludentes, mas complementares. Deus
não quer simplesmente instituições ou lugares sagrados, mas verdadeiros
adoradores que o adorem em espírito e em verdade. E para tal serviço sagrado
não é errado ter templos para as necessidades de seres humanos limitados. Deus
não se limita ou não precisa de templos, mas nós precisamos!
Estevão falou que Deus ordenou a Moisés construir
o Tabernáculo do Testemunho e permitiu Salomão construir o Templo!
Interessante que Estevão faz um claro
contraste entre um tabernáculo erigido para “Moloque” (v.43) e um tabernáculo
levantado para Deus (v.44). Estevão esclarece que esse tabernáculo foi
determinado por Deus e deveria ser feito “segundo o modelo que tinha visto”
(v.44; cf. Ex 25.8). O primeiro tabernáculo era pagão, mas o segundo era
conforme o modelo revelado por Deus.
Notamos que Estevão faz menção ao tabernáculo
do testemunho (At 7.44) e ao templo edificado por Salomão (v.47), sinalizando
que não deprecia nenhum dos dois. “Porque ambos foram levantados de
conformidade com a vontade de Deus”[12].
Pode-se perguntar:
Isso, porém, não contradiz a tese de Estêvão? Não,
Estêvão não estava querendo provar que tinha sido um erro construir o
tabernáculo ou o templo, mas que eles nunca deveriam ser considerados a casa do
Senhor, em algum sentido literal. Porque não habita o Altíssimo em casas feitas
por mãos humanas (v. 48). Paulo iria ressaltar esse mesmo ponto diante dos
filósofos de Atenas (17.24). E, apesar de essa noção não ter sido expressa no
Antigo Testamento de forma direta, o
próprio Salomão a entendeu. Após o término da construção do templo, ele orou: “Mas,
de fato habitaria Deus na terra? Eis que os céus, e até o céu dos céus, não Te
podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei!” (1Rs 8.27). Contudo, em
vez de citar isso, Estêvão cita Isaías
66:1-2, onde Deus diz: O céu é o meu trono,
e a terra o estrado dos meus pés. Portanto, que casa ou lugar de repouso
poderia ser edificado para Ele? Ele mesmo é o Criador; como o Autor de tudo
pode ser confinado em estruturas feitas por homens? (vs. 49-50)[13].
A tese de Estevão é que o Deus de Israel é um
Deus peregrino, que não se limita a nenhum lugar em particular. É evidente
pelas Escrituras que a presença de Deus não pode estar localizada ou confinada
a um mero templo ou casa, e que nenhum edifício pode apreendê-Lo ou inibir Sua
atividade. Ele é o Senhor dos céus e da terra, e nem o céu dos céus podem contê-Lo.
Soli Deo Gloria!
[1] PACKER, James I. Entre
os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, p.30. São Paulo,
SP, Brasil: Editora Fiel, 1996.
[2] PACKER, 1996, p.30.
[3] Sociedade Bíblica do Brasil. (1999). Bíblia de Estudo Almeida Revista e
Atualizada (At 7.45–50). Sociedade Bíblica do Brasil.
[4] KEENER, C. S.
(2012–2013). Acts: An Exegetical
Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol.1, p.1415). Grand
Rapids, MI: Baker Academic.
[5] RADMACHER, Earl D.
ALLEN, Ronald B. & HOUSE, Wayne (editores generales). Neuvo
comentario ilustrado de la biblia. (2003).
(p.1348). Nashville: Editorial Caribe.
[6] HAYFORD, Jack W.
(editor general). Biblia plenitud: La Biblia de estudio que le ayudara a
comprender a aplicar la Plenitud del Espiritu Santo en su diario vivir. (2000). (electronic ed., At 7.47–48). Nashville:
Editorial Caribe.
[7] KEENER, C. S.
(2012–2013). Acts: An Exegetical
Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol.1, p.1416). Grand
Rapids, MI: Baker Academic.
[8] GRUDEM,
Wayne. Teologia Sistemática, p.116. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 1999.
[9] MACARTHUR, John
& MAYHUE, Richard (editors geral). Doutrina Bíblica: Um Resumo Sistemático
da Verdade Bíblica, p.141. Wheaton,
Illinois 60187: Crossway, 2017.
[10] ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática, p.259. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova,
2015.
[11] KEENER, C. S.
(2012–2013). Acts: An Exegetical
Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol. 1, p. 1412). Grand Rapids, MI: Baker Academic.
[12] STOTT, J. (2010). El
mensaje de Hechos. (D. Powell, Trad., A. Powell, Org.) (1a. ed., p.159). Barcelona;Buenos Aires;La Paz:
Ediciones Certeza Unida.
[13] STOTT, John. A
Mensagem de Atos: Até os confins da terra, p.153-154. São Paulo, SP,
Brasil: ABU, 1994.
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