quarta-feira, 18 de abril de 2018

DEUS NÃO HABITA EM TEMPLOS? O QUE ESTEVÃO QUIS DIZER?


Deus não habita em templos feitos por mãos humanas
O texto favorito dos desigrejados
Atos 7.46-50

Esse tem sido o texto preferido e até fundamental usado pelos proponentes do “movimento desigrejados”. Ao contrário do que se comumente advoga esse texto não apoia a ideia básica e popular do movimento. Esse texto não ensina a premissa básica do “movimento dos desigrejados”: não precisamos de templo. O silogismo criado pelo movimento é falso na conclusão. Usando uma linguagem filosófica da lógica uma conclusão de premissas para ser aceita como verdadeira deve se basear na verdade das premissas. Se uma das premissas não for verdade não teremos uma conclusão correta, mas manipulativa ou errada. No caso das premissas do movimento dos desigrejados, elas são verdadeiras. No entanto, a conclusão não é verdadeira, o que se chama de “argumento não válido” ou um “raciocínio errado”. Eu acredito que é isso que acontece com as ideias dos que advogam o movimento dos desigrejados. A lógica é aquela ciência do “raciocínio encadeado, da ligação nas ideias, e coerência entre os princípios e as conclusões”.
Premissa maior: Deus não habita em templos feitos por mãos de homens; Verdade bíblica!
Premissa menor: Nossas igrejas ou templos locais foram feitas por mãos humanas; Verdade evidente! Foram pessoas que construíram.
Conclusão: Logo, não precisamos de templos feitos por mãos humanas. Raciocínio errado ou conclusão errado de duas premissas verdadeiras.
Essa não seria a conclusão correta. Essa conclusão se tornou um “raciocínio errado” ou um “argumento lógico”. A conclusão correta seria: Logo, Deus não habita em NOSSOS templos e igrejas locais. No entanto, essa conclusão não descartar a importância de se construir templos ou igrejas locais para que o povo de Deus se reúna para a adoração congregacional, mesmo sabendo que Ele habita no meio do Seu povo e não num templo de tijolos e etc. Outro detalhe, é que esta conclusão e, por conseguinte o argumento principal dos desigrejados não tem apoio nas palavras de Estevão. Em outras palavras, não era a intenção de Estevão e muito menos de Lucas descartar os templos locais.
O meu problema com o movimento dos desigrejados é que eles rejeitam a instituição, o templo ou a igreja local citando o texto de Atos 7.46-50. Mas o próprio texto não aprova ou fundamenta a interpretação do movimento.

Compreendendo o que Estevão disse:
Muitas pessoas têm compreendido erroneamente esta expressão de Estevão. As pessoas têm agregado pensamentos a ela que não estão no contexto e muito menos foi intenção do escritor, Lucas, e intenção do orador, Estevão. É lamentável que as pessoas usem textos isolados das Escrituras e elenquem um ensinamento que colidam com outros claros ensinos das Escrituras.
Nós sabemos que ensinos ambíguos ou textos obscuros devem ser interpretados a luz de textos ou ensinos claros. No entanto, muitas pessoas têm disposto do texto de Atos 7.46-50 tornando-o o eixo central de um ensino que não tem apoio nas Escrituras: a rejeição de um templo como local de reunião e culto dos cristãos.
Esse ensino advoga que os cristãos não precisam mais de Templos ou denominações para se reunir, pois Deus não habita em templo feito por mãos de homens. No entanto, esse pensamento é enganoso, inválido e descontextual. É enganoso porque as Escrituras em lugar nenhum afirmam que Deus proíba que os cristãos tenha um lugar dedicado para se reunirem como igreja, ou seja, um templo para culto que pode muito bem ser chamada de a Casa de Deus, visto que foi separado para tal propósito: ser uma Casa de oração, ensino, adoração e etc., uma casa com propósitos religiosos. É inválido, pois parte de uma ideia advinda de experiências negativas com as instituições e não de um estudo sistemático das Escrituras. A ideia central do movimento dos desigrejados é reprovável e prejudicial, porque parte do pressuposto de experiências más sucedidas com as instituições e não de um estudo sistemático das Escrituras Sagradas. É descontextual porque a ideia corrente atualmente de que não devemos ter templos ou casas específicas para adoração não está no texto de Atos 7.48-50. Isso simplesmente é colocar no texto o que não está nele. É dizer o que Estevão ou Lucas não disseram. A ideia de que o texto se refere “a proibição de templos físicos” ou mesmo a “abolição permanecente de instituições” é totalmente estranha ao texto, à intenção dos autores e também é estranho as Escritura Sagrada.

Movimento dos desigrejados não surgiu da Bíblia!
O movimento dos desigrejados não surgiu da Bíblia, mas da conveniência de alguns! Não é um movimento (como muitos outros do passado) que surgiu da leitura e compreensão dos textos bíblicos. Esse movimento não surgiu de um estudo detido das Escrituras, mas do capricho de certas pessoas decepcionadas com as denominações. Esse movimento não é produto da obra do Espírito Santo, mas consequência de uma sociedade “líquida” (para citar Sigmund Bauman), sem solidez, sem fundamentos, sem compromissos fundamentais e avessos às autoridades!
A mudança de Agostinho de Hipona se deu pela leitura do texto de Romanos 13.13-14.
O movimento dos valdenses surgiu da sede que Pedro Valdo tinha para que o povo tivesse acesso a Palavra de Deus.
A reforma protestante surgiu da análise de Martinho Lutero do texto de Romanos 1.17.
O movimento holiness (santidade) surgiu quando o grande John Wesley foi impactado pela leitura que os cristãos morávios faziam do prefácio do comentário de Romanos escrito por Lutero.
O movimento pentecostal surgiu sob os auspícios de estudos do Livro de Atos dos Apóstolos. Charles Fox Paham e alguns alunos entenderam que a experiência registrada no livro de Atos sobre o “batismo com Espírito Santo” não era mero registro histórico, mas normativo para todos os que creem.
Porém, o movimento dos desigrejados surgiu do que chamo de experiências decepcionantes e utópicas. Boa parte de seus proponentes são pessoas que se decepcionaram com a instituição, a organização, a denominação. Muitos deles tiveram uma mentalidade utópica sobre a realidade das denominações quando vieram congregar que por fim foi estilhaçada quando contemplaram as falhas, os pecados, os escândalos e etc., dos líderes e dos membros. Tempos atrás o teólogo J. I. Packer tinha chamado este grupo de desviados descontentes. Assim ele descreveu:
[...] desviados descontentes [são] os feridos e os desistentes do moderno movimento evangélico [particularmente incluo: os movimentos de campanhas com suas promessas utópicas; neopentecostalismo; teologia da prosperidade e CIA], muitos dos quais agora voltam-se contra o mesmo a fim de denunciá-lo como uma perversão neurótica do Cristianismo[1].

Ele então indaga: “Quem são eles?”. O Dr. Packer continua:
São pessoas que, no passado, viam-se como evangélicos, mas que acabaram desiludidos com o ponto de vista evangélico, voltando-lhe as costas e sentindo que o mesmo os enganara. Alguns abandonaram [as denominações locais] porque tinham sido levadas a esperar que, como crentes, eles desfrutariam de saúde, riquezas materiais, circunstâncias sem perturbações, imunidades aos problemas de relacionamento, traições, fracassos e de equívocos nas suas decisões – em suma, um mar de rosas de facilidades, que os levaria felizes ao céu. Mas essas grandiosas expectações, com o tempo, foram refutadas pelos acontecimentos. Magoadas e irados, por sentirem-se traídos em sua confiança, agora acusam o evangelicalismo que conheceram de haver falhado e de havê-los enganado; assim, ressentidos, desistem; e é pela misericórdia que não acusam e abandonam o próprio Deus[2].

Um antídoto para isso é juntos lutarmos por uma igreja mais bíblica, santa, corretiva, realista, disciplinada, evangelística e terapêutica para sarar os decepcionados e feridos.

Destaque: Assim como muitos movimentos estão reescrevendo a Bíblia, muitos desigrejados também estão. Já não leremos no Salmo 122.1: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do Senhor”; MAS, “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Starbucks (cafeteria) para sermos igreja orgânica”.

Voltemos ao texto de Atos 7.46-50:
[Davi] Este achou graça diante de Deus e lhe suplicou a faculdade de prover morada para o Deus de Jacó. Mas foi Salomão quem lhe edificou a casa. Entretanto, não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas; como diz o profeta: O céu é o Meu trono, e a terra, o estrado dos Meus pés; que casa Me edificareis, diz o Senhor, ou qual é o lugar do Meu repouso? Não foi, porventura, a Minha Mão que fez todas estas coisas?[3]

Antes de entendemos o texto em seu contexto tanto no Livro escrito por Lucas, como na intenção do orador, Estevão, e no contexto geral das Escrituras, nós devemos pontuar o que o texto não diz.
O que o texto não diz!
1. O texto não diz que Deus proíba os templos locais, pois mesmo naquela época os cristãos se reuniam diariamente no Templo, pois o próprio Jesus o fez (cf. Lc 24.53; At 2.46; 3.1; 5.42). Eu sempre digo que a igreja nasceu no Templo e se expandiu para as casas! Nos primeiros anos os cristãos não erigiram “templos cristãos” haja vista não ser considerados uma religião oficial do Império Romano, mas apenas um “braço” do judaísmo. Porém, oportunamente o ‘movimento dos nazarenos’ cresceu e começou a construir templos cristãos (a arqueologia encontrou o primeiro templo cristão datado entre 33 a 70 A.C.).
2. O texto não proíbe a organização e a institucionalização do movimento cristão como advogam os desigrejados (O NT mostra os cristãos se organizando e se institucionalizando).
3. O texto não proíbe uma liturgia ordenada, um ministério constituído e etc., (O NT mostra uma ordem litúrgica e um ministério constituído).
4. O texto não ensina que construir templos é errado. Alguns chegam a dizer que templos é coisa do paganismo. Isso seria uma perversão das palavras de Estevão. Como disse acertadamente certo escritor:
Aqueles que acham que Estêvão considerou a construção do templo como, de fato, errada vão além da evidência do texto; esta não pode ser a visão de Lucas (cf. Lucas 19.46; 24.53; Atos 2.46; 3.1; 5.42), e não podemos certamente reconstruir a visão de Estêvão fora do texto de Lucas[4].

Nem Lucas e muito menos Estevão eram “anti-templo”.

Poderíamos elencar muito mais coisas que o texto NÃO DIZ! Então, veja que o texto preferido dos desigrejados na realidade não diz nada sobre o que eles afirmam dizer. Por isso, digo que os argumentos dos desigrejados são falaciosos e produtos de suas próprias ideias geradas num contexto de decepção com as instituições. Particularmente não vejo como errado você combater os males das instituições (família, governo, ONGs, denominações), mas, entendo ser imprudente o generalismo arrotado pelos desigrejados: TODAS AS DENOMINAÇÕES NÃO PRESTAM, SÃO DO DIABO, SÃO DE HOMENS, VOCÊ NÃO PRECISA FAZER PARTE DE UMA IGREJA LOCAL E ETC.
Para usar a máxima de Lutero, nós devemos ser contra a igreja a favor da igreja. Atualmente, nós devemos ser contra o institucionalISMO ou denominalISMO a favor da instituição ou denominação como um lugar de bênção para as pessoas como sempre tem sido. Milhões de pessoas têm sido alcançadas pelas instituições cristãs apesar dos erros.
O problema de muitos é querer proibir o que Deus não proibiu! Sempre digo: só deixe uma congregação, templo ou igreja local se Cristo a deixar! O Senhor Jesus disse sobre uma das igrejas locais da Ásia Menor: “Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta à prática das primeiras obras; e, se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas”. (Ap 2.5). Veja que o Senhor alerta a igreja local em Éfeso, caso não se arrependa, de vir contra ela e mover o “candeeiro”. O que isso significa? Tirar a função desta igreja ou templo local de ser uma representante visível de Sua igreja invisível! Essa congregação local sofreria um juízo do Senhor da igreja. Veja, só devemos abandonar uma igreja local se o Senhor a julgar e mover a função dela de candeeiro. Caso contrário, nós devemos permanecer e lutar!

O que o texto diz!
Vamos procurar entender o que o texto diz no aspecto exegético, teológico e pragmático.
Estevão cita o desejo de Davi de “prover morada para o Deus de Jacó” (v.46). Mas Deus permitiu que Salomão e não Davi edificasse a Casa (v.47). Estevão pontua que apesar de Deus ter permitido que Salomão edificasse uma Casa para colocar a arca da aliança, símbolo do trono de Deus, as pessoas deveriam entender que Deus não estaria confinado a uma casa, visto que Sua presença enche a terra e os céus. Deus não pode ser confinado dentro de nada finito, inclusive nós mesmos.
Então, veja que Estevão não está dizendo (nem implicitamente) que Deus proíba edificar uma casa separada para culto a Ele, pois o próprio texto descreve a aprovação de Deus para que Salomão edificasse uma Casa. A aprovação de Deus foi demonstrada quando Ele encheu essa Casa com Sua Shekinah (2Cr 5.13-14). Salomão depois de ter edificado a Casa reconheceu a mesma verdade elencada por Estevão (1Rs 8.27-30).
Observamos que o texto ensina “não uma proibição ou término/rejeição de um local de culto, que chamamos de Casa de Deus”, mas sim a ideia de que Deus está confinado num único lugar, pois devemos entender que Ele é o Criador de todas as coisas (dos céus e da terra). Esse texto não fala da proibição de se edificar uma Casa ou templo e dedicá-la ao Senhor, mas ensina que o nosso Deus é onipresente e por isso não está e nunca estará confinado a um templo feito por mãos humanas. Aí você percebe o que Jesus quis dizer que “nem neste monte e nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo 4.21).
Muitos que pertencem ao movimento dos desigrejados também citam este texto do Evangelho de João para ratificar seus argumentos. Porém, o texto também não apoia o argumento de que não podemos ter uma casa ou templo específico e organizado para a adoração. O texto ensina que mesmo que as pessoas adorem no Monte Gerizim ou na cidade de Jerusalém, o nosso Deus não está limitado a estes dois locais sagrados de culto, pois o Seu desejo é que “os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para Seus adoradores” (Jo 4.24). Isso pode ser confirmado pelo costume de Jesus de sempre ensinar no Templo e não perder nenhum momento das grandes festas religiosas do calendário judaico. Ele até promoveu duas purificações do Templo. Ele chamou o templo de Casa de Meu Pai e de casa de oração para todas as nações, conforme o profeta Isaías disse (Is 56.7). Mesmo depois da Ascenção do Senhor Jesus os cristãos permaneceram se reunindo no Templo.
Então afirmamos que “o Criador não está limitado por nada de Sua criação. Sua presença enche tudo que Ele fez. Salomão compreendeu isto quando dedicou o Templo (1Rs 8.27-30). Em seu discurso, Estevão fez ênfase ao fato de que Deus  não pode confinado em templos feitos por mãos humanas”[5]. Porém, isso não significa que Ele desaprova as congregações locais. O que temos é apenas uma ênfase teológica sobre a onipresença e infinitude de Deus e não uma proibição de erguer templos. Não podemos ir além do que o texto diz!
Concordo com certo escritor: “Estevão não se opunha ao próprio Templo, mas ao institucionalismo sem vida que ele representava”[6]. Creio que essa é uma posição sábia e bíblica. Jesus, os apóstolos, Estevão e os reformadores não se opuseram ao próprio Templo ou instituição, mas ao sistema mundano e ao institucionalismo sem vida que era praticado no Templo. Por exemplo, Lutero não se opôs a igreja porque ela exigia demais, mas porque exigia muito pouco.
O comentarista Craig Keener levanta a possibilidade de Estevão está acusando seus contemporâneos de “beirar a idolatria”[7] do templo em si. Conforme observado em Atos 6.14, muitos judeus acreditavam que o templo era invencível, então Estevão desafiou o abuso do templo usando as Escrituras para mostrar que Deus não está confinado ao templo e é maior do que o templo.
Dizer que Deus não habita num templo feito por mãos humanas, não significa que nós não devemos ter um templo para a adoração.
Dizer que Deus não está confinado ao qualquer templo feito por mãos humanas, não significa que nós não devemos ter um templo para nossa “habitação”. Uso a expressão “habitação” no sentido usado pelos salmistas. Eles tinham prazer de estar na Casa de Deus. Por exemplo, lemos no Salmo 84.4: “Bem-aventurado os que habitam em Tua Casa;[...]” (ARA); “Bem-aventurados os que vivem em Tua Casa, [...]” (Bíblia Hebraica, Editora Sêfer). “Habita’” e “viver” denota prazer de estar na Casa de Deus para o culto. Os salmistas tinham um desejo intenso de estarem no Templo (cf. Sl 27.4).

Destaque: Um adepto do movimento dos desigrejados me interpelou: “Você quer que as pessoas congreguem numa igreja local porque você é pastor!”. Respondi: “É claro, pois se eu fosse lobo ou mercenário faria de tudo para que as ovelhas estivessem fora do aprisco da igreja local!”.

Deus não precisa de Templos, mas nós precisamos!
O nosso Deus como Criador tem os céus e a terra como Sua habitação. Aliás, o profeta afirma que nem o céu dos céus pode conter Deus (1Rs 8.27: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que o céu, e até o céu dos céus, não Te podem conter; quanto menos esta Casa que edifiquei!”). Em Seu Ser Deus é infinito. Isso significa que Deus não pode ser engaiolado em Seu Ser por arquiteturas humanas. E muito menos a própria criação, obras de Suas Mãos, pode apreender ou conter o Ser de Deus. Deus está acima do tempo e do espaço, mesmo agindo e se manifestando no tempo e no espaço.
No ensino da Bíblia, Deus é infinito e pessoal: Ele é infinito porque não está sujeito a nenhuma das limitações da humanidade, ou da criação em geral. É bem maior do que qualquer coisa que tenha feito, bem maior do que qualquer coisa que exista[8].
Afirmamos que o tempo não impõe limites a Deus. Salmo 90.2: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de eternidade a eternidade, Tu és Deus”. “A infinidade de Deus descreve Sua natureza como transcendendo perfeitamente (existindo e atuando além) todas as limitações do tempo e do espaço”[9].
A Bíblia também descreve que Deus é Espírito (Jo 4.24). Isso significa que Ele não tem as limitações associadas a um corpo físico. Ele não é composto de matéria nem tem uma natureza física. E por isso, não está limitado a um local geográfico ou espacial específico. Jesus disse que “a hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo 4.21). Paulo afirmou em Atos 17.24: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens”[10].
O fato de que Deus não está restrito a um ponto geográfico, como nós estamos, se opõe à ideia de que Deus poderia ser contido ou controlado: “nem o céu dos céus podem contê-Lo”; “Ele não habita em templos feitos por mãos de homens”.
Nosso ponto é que Deus não pode ser confinado a um espaço, seja um templo, uma casa, um corpo (coração, alma e etc.), um país, o mundo, o universo ou mesmo toda criação. Nada e ninguém podem limitar ou confinar a Deus, pois Sua infinitude não significa somente que Ele é ilimitado, mas também que Ele é ilimitável. A doutrina da infinitude de Deus desmorona a implicação do argumento dos desigrejados que deduz que agora Deus habita em nós e não num templo feito por mãos de homens. A citação de Estevão quer dizer exatamente que nada, inclusive nosso corpo, pode confinar a Deus. Então, as palavras de Estevão em Atos 7.48-50 não querem dizer que os templos físicos fossem descartados, mas sim que Deus, por causa de Sua infinitude, não está sujeito a limitações de espaço. Nada e ninguém podem conter ou confinar a Deus a um espaço. Os teólogos medievais já pontuavam: Finitus non capax infinitus! O ponto não é que o templo fosse ruim, mas que não era essencial.
Deus disse por meio de Isaías: “O céu é o Meu Trono, a terra o estrado dos Meus pés; que casa Me edificareis vós? E qual é o lugar do Meu repouso?” (66.1). Esse texto de Isaías citado por Estevão (At 7.49) não está proibindo os templos locais, mas a ideia de pretender confinar o Ser de Deus neste espaço limitado. Isso seria pura tolice!
A questão pontuada também pelo profeta Isaías era que certos adoradores pretendiam limitar e até manipular a Deus por meio dos sacrifícios e usando o templo. A resposta divina é que nada neste mundo pode contê-lo (“repouso”) ou manipulá-lo (“casa”), pois Sua Mão “fez todas as coisas, e todas vieram a existir, diz o SENHOR” (v.2a). Então, nenhuma coisa (casa, templo e etc.,) ou pessoa (“todas vieram a existir”) podem ser usadas para manipular a Deus ou conter o Seu Ser infinito. No entanto, o que Deus deseja não são sacrifícios manipulativos (isso me lembrar das campanhas mirabolantes!) (v.3) e, sim, pessoas que reconheçam seus pecados e “treme da Minha Palavra” (v.2b).
É interessante elencar que o próprio juízo de Deus sobre os ímpios e pecadores virá do templo (“voz do templo”, v.6), pontuando a importância do templo do SENHOR. O SENHOR do templo julgará os hipócritas e pecadores obstinados que tentam se mascará ao oferecer sacrifícios no templo enquanto estavam vivendo pecaminosamente (v.3). Veja que Deus não destruiu o templo, mas, sim, o mau do templo. Então, nós não devemos combater a instituição ou os templos em si, mas os pecados, as injustiças, as deslealdades, as corrupções e etc., praticados no templo. Tal como o profeta, nossa voz deve vir de dentro do templo contra as corrupções e não de fora do templo contra o templo (v.6: “Voz [virá] do templo, voz do SENHOR, que dá o pago aos Seus inimigos”).
Nós devemos lutar a favor do templo, combatendo as corrupções do templo, dentro do templo e não fora do templo! Jeremias também fez isso (cf. Jr 7: o povo tem que consertar é a vida e não abandonar o templo!). Jeremias combateu a corrupção do templo de dentro do templo para a restauração do verdadeiro culto no templo. Ele não saiu covardemente como muitos!

Templos locais: benção para nós!
Uma Casa de oração, uma igreja local ou um templo, é um benefício para nós e não para Deus. Deus não está limitado a um local. Ele está disponível a nós não importa onde estejamos. É bom reunimo-nos com outros crentes em um lugar regular de adoração, mas Deus não estará impedido de se encontrar conosco se não conseguirmos ir a esse lugar especial. O templo é uma necessidade para nós, não para Deus! Nós precisamos do templo para fazer orações, ouvir o ensinamento da Palavra de Deus, observarmos os sacramentos, estarmos sob uma liderança biblicamente constituída e et., Mas Deus não pode ser confinado. Deus não é confinado e nem o templo é descartável. Essas duas verdades coexistem numa teologia bíblica.
Tendo estas verdades sobre Deus em mente, e acredito que o ponto de Estevão era mostrar que Deus não pode ser contido ou confinado por obras humanas, afirmamos que “o templo era uma acomodação para a necessidade humana, [e que] Deus deseja adoração pura, não simplesmente um lugar ou instituição”[11]. Essas duas verdades não são mutuamente excludentes, mas complementares. Deus não quer simplesmente instituições ou lugares sagrados, mas verdadeiros adoradores que o adorem em espírito e em verdade. E para tal serviço sagrado não é errado ter templos para as necessidades de seres humanos limitados. Deus não se limita ou não precisa de templos, mas nós precisamos!

Estevão falou que Deus ordenou a Moisés construir o Tabernáculo do Testemunho e permitiu Salomão construir o Templo!
Interessante que Estevão faz um claro contraste entre um tabernáculo erigido para “Moloque” (v.43) e um tabernáculo levantado para Deus (v.44). Estevão esclarece que esse tabernáculo foi determinado por Deus e deveria ser feito “segundo o modelo que tinha visto” (v.44; cf. Ex 25.8). O primeiro tabernáculo era pagão, mas o segundo era conforme o modelo revelado por Deus.
Notamos que Estevão faz menção ao tabernáculo do testemunho (At 7.44) e ao templo edificado por Salomão (v.47), sinalizando que não deprecia nenhum dos dois. “Porque ambos foram levantados de conformidade com a vontade de Deus”[12]. Pode-se perguntar:
Isso, porém, não contradiz a tese de Estêvão? Não, Estêvão não estava querendo provar que tinha sido um erro construir o tabernáculo ou o templo, mas que eles nunca deveriam ser considerados a casa do Senhor, em algum sentido literal. Porque não habita o Altíssimo em casas feitas por mãos humanas (v. 48). Paulo iria ressaltar esse mesmo ponto diante dos filósofos de Atenas (17.24). E, apesar de essa noção não ter sido expressa no Antigo Testamento de forma direta, o próprio Salomão a entendeu. Após o término da construção do templo, ele orou: “Mas, de fato habitaria Deus na terra? Eis que os céus, e até o céu dos céus, não Te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei!” (1Rs 8.27). Contudo, em vez de citar isso, Estêvão cita Isaías 66:1-2, onde Deus diz: O céu é o meu trono, e a terra o estrado dos meus pés. Portanto, que casa ou lugar de repouso poderia ser edificado para Ele? Ele mesmo é o Criador; como o Autor de tudo pode ser confinado em estruturas feitas por homens? (vs. 49-50)[13].

A tese de Estevão é que o Deus de Israel é um Deus peregrino, que não se limita a nenhum lugar em particular. É evidente pelas Escrituras que a presença de Deus não pode estar localizada ou confinada a um mero templo ou casa, e que nenhum edifício pode apreendê-Lo ou inibir Sua atividade. Ele é o Senhor dos céus e da terra, e nem o céu dos céus podem contê-Lo.

Soli Deo Gloria!



[1] PACKER, James I. Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, p.30. São Paulo, SP, Brasil: Editora Fiel, 1996.
[2] PACKER, 1996, p.30.
[3] Sociedade Bíblica do Brasil. (1999). Bíblia de Estudo Almeida Revista e Atualizada (At 7.45–50). Sociedade Bíblica do Brasil.
[4] KEENER, C. S. (2012–2013). Acts: An Exegetical Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol.1, p.1415). Grand Rapids, MI: Baker Academic.
[5] RADMACHER, Earl D. ALLEN, Ronald B. & HOUSE, Wayne (editores generales). Neuvo comentario ilustrado de la biblia. (2003). (p.1348). Nashville: Editorial Caribe.
[6] HAYFORD, Jack W. (editor general). Biblia plenitud: La Biblia de estudio que le ayudara a comprender a aplicar la Plenitud del Espiritu Santo en su diario vivir. (2000). (electronic ed., At 7.47–48). Nashville: Editorial Caribe.
[7] KEENER, C. S. (2012–2013). Acts: An Exegetical Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol.1, p.1416). Grand Rapids, MI: Baker Academic.
[8] GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática, p.116. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 1999.
[9] MACARTHUR, John & MAYHUE, Richard (editors geral). Doutrina Bíblica: Um Resumo Sistemático da Verdade Bíblica, p.141. Wheaton, Illinois 60187: Crossway, 2017.
[10] ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática, p.259. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 2015.
[11] KEENER, C. S. (2012–2013). Acts: An Exegetical Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol. 1, p. 1412). Grand Rapids, MI: Baker Academic.
[12] STOTT, J. (2010). El mensaje de Hechos. (D. Powell, Trad., A. Powell, Org.) (1a. ed., p.159). Barcelona;Buenos Aires;La Paz: Ediciones Certeza Unida.
[13] STOTT, John. A Mensagem de Atos: Até os confins da terra, p.153-154. São Paulo, SP, Brasil: ABU, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário