quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

PERSPETIVA DE LUCAS EM SEUS ESCRITOS!

A independência teológica de Lucas.
É crença geral entre os estudiosos que Paulo se tornou o principal teólogo e intérprete do Novo Testamento. Como resultado, os escritos de Lucas sobre o Espírito Santo são interpretados pela ótica de Paulo e não do próprio Lucas. Isso é o que James Barr chamou de “transferência ilegítima de identidade”.
Os estudiosos geralmente definem a característica frase de Lucas “batizado no Espírito Santo” de acordo com o significado de Paulo. Esses estudiosos da teologia paulina entendem que o “batismo no Espírito Santo” descrito por Lucas é idêntico ao “batismo em um só corpo” descrito por Paulo.
Essa metodologia interpretativa que lê Lucas como se fosse Paulo é totalmente absurda.
“Batizado no Espírito” = Lucas 3x e Paulo 1x;
“Cheio do Espírito Santo” = Lucas 11x e Paulo 1x.

Para Lucas, o Espírito Santo não se relaciona à salvação nem à santificação, como é comumente afirmado, mas exclusivamente a uma terceira dimensão do serviço de vida cristão, revestimento de poder para pregar e ser testemunha ousada do Cristo ressurreto. Paulo está proeminentemente preocupado com a incorporação em Cristo, pelo qual os crentes se tornam membros do Corpo de Cristo e um do outro (1Co 12.13).
As Escrituras nos ensinam a total compreensão das relações doutrinárias do Espírito Santo: Ele está relacionado à salvação (início da vida cristã); a santificação (crescimento da vida cristã) e ao serviço (capacitação para o trabalho missional).
A teologia de Lucas do Batismo no Espírito tem certo enfoque “carismático” e missiológico (empoderamento para o serviço bem-dotado). Lucas está preocupado com o poder para o testemunho (At 1.8)[1].
A doutrina do batismo do Espírito de Lucas é “carismática”, tendo a ver com o fortalecimento divino da igreja como uma testemunha viva, enquanto a de Paulo é primariamente soteriológica, tendo fundamentalmente a ver com estar em Cristo.
Também vale a pena destacar a diferença teológica do tratamento que Paulo e Lucas se valem, ou seja, os propósitos para os quais Lucas e Paulo empregam o tratamento do falar em línguas. O interesse de Paulo (1Co 12 e 14) está na função prática do dom na adoração pessoal e especialmente na assembleia; o interesse de Lucas é o significado teológico das línguas como evidência do batismo com o Espírito Santo, o recebimento do dom, o cumprimento da promessa do Pai e o revestimento de poder para testemunhar de Jesus Cristo (At 1.5,8,33,38; 10.46; 11.16-17; 19.6).
Paulo e Lucas não estão em desacordo, mas se completam no tratamento do mesmo dom (línguas). Cremos que ambos tinham em vista as mesmas comunidades. Lucas era companheiro e médico amado de Paulo.
Craig S. Keener faz a seguinte observação:
A ênfase de Lucas controla a maioria das diferenças teológicas [entre Paulo e Lucas]: porque as línguas funcionam como um sinal de poder para testemunhar às nações (1.8), elas são particularmente úteis para Lucas, que as enfatiza especialmente como uma atividade inaugural e em um ambiente multicultural. As Línguas faladas serve a uma função narrativa mais exaltada para Lucas, como prova simbólica do fortalecimento da igreja para proclamar Cristo através das culturas[2].

Então, deve-se notar que cada escritor bíblico teve suas intenções, propósito ou propósitos e ênfases distintas quando escreveram sobre a Pessoa e a Obra do Espírito Santo. Tais teologias não se digladiam no campo bíblico, mas se completam e se harmonizam como uma grande orquestra composta de muitos instrumentos.
Lucas, por exemplo, geralmente enfatiza a dimensão mais associada à inspiração ou poder profético (incluindo milagres e inspiração para o culto). João inclui tanto a dimensão profética (especialmente no material de Paracleto) quanto a ênfase na purificação espiritual (dominante principalmente nos capítulos anteriores ao material de Paracleto). Marcos parece destacar o Espírito muito menos no geral, mas o posicionamento de metade de suas menções ao Espírito na sua introdução indica o significado da pneumatologia para Marcos também[3].

Respeite Lucas Como Um Teólogo Legítimo E Competente!
Certamente você como eu já falamos esta frase: “Você não me entendeu!”, ou “Você distorceu o que eu disse!”, e ainda: “Esse não foi o significado que quis transmitir ao usar esta palavra ou frase!”, também: “Você tirou minha frase ou palavra do contexto de minha fala ou escrita!”. Lucas foi vítima disso, pois muitos teólogos paulino desconsideraram o contexto das palavras ou frases de Lucas e ignoraram sua perspectiva teológica, principalmente o da expressão que lhe é peculiar: “batismo com o Espírito Santo” (cf. Lc 3.16; At 1.5; 11.16).
É notório que a teologia protestante ou reformada, sob a influência de Lutero e Calvino, havia sido reduzida à teologia paulina. A riqueza desses maravilhosos insights paulinos não deve ser minimizada. No entanto, o cânon do Novo Testamento é um pouco maior que as epístolas de Paulo. Por meio de sua abordagem narrativa simples ao livro de Atos, os pentecostais puderam integrar os insights significativos de Lucas com os de Paulo, João e outros escritores inspirados do Novo Testamento. O resultado foi uma leitura mais completa e holística do Novo Testamento[4].
Essa metodologia interpretativa que lê Lucas como se fosse Paulo é totalmente absurda.
A situação complica quando você se familiariza com este material paulino e acaba ficando condicionado a esta visão que não enxerga as diferentes perspectivas teológicas de cada escritor bíblico. Posso acrescentar que ao ler certos teólogos do Novo Testamento ou comentaristas que negligencia a teologia carismática de Lucas enfatizando ou elencando apenas certos temas preferidos você acaba condicionado a este tipo de tratamento que mesmo lendo o Evangelho de Lucas ou Atos dos Apóstolos você acaba não dando importância a visão pneumatológica de Lucas. Isso é trágico, pois a teologia do Espírito Santo descrito por Lucas é grandiosa e distinta para a teologia do Novo Testamento.
Entretanto, graças a Deus que Ele tem capacitado estudiosos competentes para perceber a individualidade e perspectiva da teologia de Lucas nos seus dois preciosos livros, Lucas-Atos. Desde a compreensão de que Lucas não é simplesmente um historiador competente, mas também um teólogo competente pelo estudioso do Novo Testamento I. Howard Marshall, a teologia carismática de Lucas tem sido legitimada, por assim dizer. Ou seja, antes os estudiosos de Paulo viam as referências lucanas ao Espírito Santo pela perspectiva teológica de Paulo como que se referindo a obra do Espírito Santo na vida cristã, um batismo para incorporação do regenerado no Corpo de Cristo (cf. 1Co 12.13). Daí nós podemos ver a razão que muitos compreendem a expressão “batismo com o Espírito Santo” somente pela ótica paulina, negligenciando assim a perspectiva de Lucas de que o “batismo com o Espírito Santo” é um revestimento de poder para testemunhar ousadamente de Jesus Cristo como Salvador e Senhor exaltado. No lugar de se entender cada escritor bíblico no seu contexto, entende-o na perspectiva e contexto doutro escrito bíblico sobrepondo assim as teologias de cada um deles. É sábio entender cada escritor no seu próprio contexto entendendo suas perspectivas e significados dos termos que lhes são peculiares. Um exemplo famoso de sobreposição de teologias é o de Lutero com relação a belíssima Epístola de Tiago que ele chamou de “Epístola de palha”. Pensando que Tiago usava a expressão “justificação pelas obras” no mesmo sentido de Paulo nas Epístolas de Romanos e Gálatas, Lutero, por assim dizer, descartou Tiago E é claro que para muitos teólogos Paulo sempre terá a primazia na teologia. Isso é um grande erro!
Agora, depois do Movimento Pentecostal e etc., muitos estudiosos de Paulo transferem seu entendimento do “batismo em um só corpo”, que deve ser entendido no seu contexto de regeneração (Rm 6.3; 1Co 12.13; Gl 3.27; Ef 4.5), para a perspectiva de Lucas do “batismo com o Espírito Santo”. Isso é claramente um erro! Cada escritor bíblico deve ser entendido em suas respectivas teologias para que possamos no final, por assim dizer, ouvir essa grande orquestra, com diversos instrumentos (perspectivas teológicas), tocar harmoniosamente as grandes verdades teologais. Isso é maravilhoso, pois as teologias de cada escritor bíblico são unidas e harmonizadas no todo da revelação de Deus. Temos diversos autores humanos enfatizando aspectos importantes da verdade, mas um Único Autor Divino regendo esses grandes músicos teológicos do cânon sagrado.
Na teologia de Lucas o “batismo com o Espírito Santo” (Lc 3.16At 1.5; 11.16) é visto como o cumprimento da “promessa do Pai” (At 1.4-5; cf. Lc 24.49), “receber poder ao descer o Espírito” (At 1.8), “revestimento de poder do Alto” (Lc 24.49), “cheios/cheio do Espírito Santo” (At 2.4; 4.8,31), “derramamento do Espírito Santo” (At 2.17-18), “a promessa do Espírito Santo” (At 2.33), “o dom do Espírito Santo” (At 2.38), “a promessa para todos quantos o Senhor nosso Deus chamar” (At 2.39), “cair o Espírito Santo sobre” (At 10.44) e etc., Para Lucas o Espírito Santo age poderosamente sobre os crentes a fim de capacitá-los para pregação do Evangelho e para uma vida de poder em meio aos desafios e dificuldades atraídas pela confissão de Jesus Cristo.
Lucas usa vários termos ou expressões para descrever essa poderosa e necessária obra do Espírito Santo. Certo teólogo acertadamente comenta:
Não parece importar muito como se expressa isso. Pedro diz que o Espírito “caiu” sobre Cornélio e sobre os que estavam com ele “como também sobre nós, no princípio” (At 11.15), apesar de o mesmo verbo não ser usado em Atos 2. Sejam quais forem as palavras, a grande verdade é que Deus, em Cristo, concedeu o Espírito aos que depositam sua fé n’Ele, e essa dádiva do Espírito Santo é a capacitação necessária para o serviço cristão. Desse ponto em diante, Atos está cheio de relatos do que as pessoas fizeram quando o Espírito Santo estava agindo nelas e por meio delas[5].

Pelos relatos de Lucas entendemos que o batismo com o Espírito Santo, o derramamento do Espírito Santo, ser cheio do Espírito, não era meramente uma menção a regeneração ou batismo num só corpo, como na visão de Paulo, mas sim um revestimento de poder para testemunhar ousadamente de Jesus Cristo como Salvador e Senhor exaltado, que muitas vezes é evidenciado pelo falar em línguas (cf. At 2.4; 10.36; 19.6). Também creio que o batismo do Espírito Santo pode ser evidenciado por outros dons do Espírito Santo conforme descrito por Paulo em 1ª Coríntios 12. Ampliando mais o nosso entendimento, também creio que o batismo com o Espírito Santo pode ser evidenciado por uma ousadia incomum de pregar o evangelho como aconteceu com Pedro; esse batismo pode ser evidenciado por uma experiência sobrenatural de santificação (como descrito na tradição wesleyana) e por outras experiências oriundas do Espírito Santo. As línguas são apenas uma evidência inicial e não única do batismo com o Espírito Santo. Há muito mais neste precioso e necessário batismo!
Concordo com o grande pregador Lloyd-Jones quando escreve:
O perigo, porém, está em pensar no batismo do Espírito Santo só em termos de dons, e não em termos de algo muito mais importante, ou seja, afinal de contas, o sinal ou prova de que já recebemos ou não o Espírito consiste, seguramente, em algo que ocorre na esfera de nossa experiência espiritual. Vocês não podem ler os relatos do Novo Testamento sobre pessoas a quem o Espírito vinha, as pessoas sobre quem Ele descia, ou que O recebiam como os cristãos gálatas e todos esses outros, sem compreender que o resultado era que todo o seu espírito era inflamado totalmente. O Senhor Jesus Cristo Se lhes tornava real de uma forma que jamais haviam experimentado antes. O Senhor Jesus Cristo Se lhes manifestava espiritualmente, e o resultado era a explosão de um grande amor por Cristo, profusamente derramado em seus corações pelo Espírito Santo.

Isso também é resultado do batismo ou derramamento do Espírito Santo sobre todos aqueles que creem. Nós não podemos limitar o Espírito Santo pelo nossa teologia finita ou pela nossa experiência limitada. O Senhor Jesus Cristo disse: “O vento sopra onde quer!” (Jo 3.8). Você e eu não podemos limitar as ações do Espírito Santo! Mas, nunca devemos atribuir ao Espírito Santo certas loucuras da contemporaneidade.

Parece que Lucas sempre é rejeitado quando se requer a prioridade no entendimento pneumatológico.
Por exemplo, certo teólogo comentando sobre João 20.22, conhecido como o Pentecostes Joanino, afirma que entre os estudiosos há o problema de entendimento sobre que “relação há entre o sopro do Espírito Santo com o derramamento do Espírito Santo em Pentecostes”. Ele escreve que uma das sugestões é afirmar que “o relato de João é irreconciliável com o de Lucas, e este deve ser, portanto, considerado como uma invenção”[6]. Mesmo que particularmente creio que ambos os relatos são textos inspirados (soprados por Deus), atrevo-me a fazer a pergunta: “Por que não rejeitar o de João?”. “Por que não darmos um pouquinho de crédito a Lucas para falar sobre sua perspectiva carismática em teologia?”.  Parece que as pessoas têm medo do poder e dos carismas do Espírito Santo manifestos nas igrejas! Concordo com afirmação de Donald Guthrie: “No entanto, o relato de João não pode suplantar o derramamento histórico em Pentecostes”[7], registrado por Lucas.
Louvamos a Deus porque Ele tem levantado estudiosos capazes para descrever e argumentar proficuamente sobre a importância da identidade teológica de Lucas na pneumatologia. Nós pentecostais não rejeitamos as perspectivas pneumatológicas de João, Paulo e etc., mas entendemos a importância de se convidar Lucas para a cátedra pneumatológica das Escrituras e ouvi-lo em seus distintivos doutrinários.

IVAN TEIXEIRA




[1] MACCHIA, Frank D. Baptized in the Spirit: A global pentecostal theology, p.18. Grand Rapids, Michigan 49530: Zondervan, 2006.
[2] KEENER, C. S. (2012–2013). Acts: An Exegetical Commentary & 2: Introduction and 1:1–14:28 (Vol. 1, p. 815–816). Grand Rapids, MI: Baker Academic.
[3] KEENER, C. S. (2010). The Spirit in the Gospels and Acts: Divine Purity and Power (p. xi). Grand Rapids, MI: Baker Academic.
[4] MENZIES, Robert P. Speaking in Tongues: Jesus and the Apostolic Church as Models for the Church Today, p.28. Cleveland, Tennessee: USA,
[5] MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento, p.233. São Paulo, SP, Brasil: Edições Vida Nova, 2003.
[6] GUTHRIE, Donald. Teologia do Novo Testamento, p.538. São Paulo, SP, Brasil: Cultura Cristã, 2011.
[7] GUTHRIE, Donald. Teologia do Novo Testamento, p.538. São Paulo, SP, Brasil: Cultura Cristã, 2011.

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