Ministério de “bastidores” do Espírito?
O pastor Augustus Nicodemus num livreto tem postulado e popularizado
que Calvino é considerado “o teólogo do Espírito Santo”. Ele diz que “esse
título não foi dado a Calvino pelos seus contemporâneos, mas sim pelos
estudiosos modernos”.
Particularmente, apesar do meu apreço ao grande reformador por alguns
dos seus escritos, preciso discordar altissonante desta afirmação dos
estudiosos modernos. Isso é forçar demais a barra. O próprio Nicodemus afirmou que Calvino “nunca
escreveu uma obra específica sobre o assunto, como, por exemplo, John Owen e Abraham Kuyper, cujos livros sobre o tema são fundamentais para a
Igreja contemporânea[1].
Embora em suas Institutas de Religião
Cristã João Calvino trate frequentemente da pessoa e obra do Espírito
Santo, não dedicou ao assunto um capítulo exclusivo[2].
Ministério
de holofote?
Augustus Nicodemus em sua
tentativa para manter o epíteto sobre Calvino como teólogo do Espírito Santo afirma
que o mesmo “tinha a visão bíblica-neotestamentário de que o Espírito Santo
geralmente agia nos bastidores, como o agente da Trindade”.
O teólogo anglicano J. I.
Packer, no seu livro Na Dinâmica do
Espírito, falou que o Espírito Santo tem o ministério do holofote. Disse
ele:
O Espírito age como um holofote oculto
que focaliza a sua luz no Salvador, fazendo-o resplandecer. A mensagem do Espírito
para nós nunca é: olhe para mim; escute-me; venha a mim; conheça-me; mas sempre
é: olhe para Jesus e veja a Sua glória; ouça-o e escute as Suas palavras; vá a
Ele e tenha vida. Conheça-o e prove o Seu dom de alegria e paz.
Tal ideia, devo afirmar, não é de todo bíblica. O ministério do
Espírito Santo não pode ser definido como um ministério de “holofote” ou como o
agente da Trindade que age nos “bastidores” do plano da Redenção. Lendo as
Escrituras vemos um ministério claro, ativo e bem presente na vida dos cristãos
e das congregações locais.
Devo descartar tanto a assertiva do Dr. Nicodemus de que a visão de Calvino é “bíblica-neotestamentário”
quando descreve a atividade do Espírito Santo nos “bastidores” bem como rejeito
as postulações do Dr. Packer quando
explica o “ministério de holofote” do Espírito: “A mensagem do Espírito para
nós nunca é: olhe para mim; escute-me; venha a mim; conheça-me”. No primeiro
caso, não há base neotestamentária para um ministério de bastidores do
Espírito. Uma simples leitura do livro de Atos desmonta isso! Já no segundo
caso, o Cristo glorificado afirmou altissonante: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”. Isso ressoa
pelo menos por sete vezes no livro de Apocalipse. É o Espírito Santo dizendo: “olha
para mim; escute-me; venha a mim; conheça-me”, pois tenho muita coisa a te
ensinar sobre o Cristo crucificado e exaltado (dos Evangelhos e das Cartas),
bem como sobre o Cristo glorificado e entronizado (do livro de Apocalipse).
Tenho que descartar peremptoriamente as postulações destes dois estudiosos! Se
tem uma coisa certa é que o Espírito Santo atua presente e palpavelmente na
Igreja e nos Seus. Se porventura vemo-lo nos bastidores de algumas igrejas, a
responsabilidade é dos que apagam o
fogo dos Seus carismas e O entristecem
com seus pecados. Isso sem falar daqueles que ultrajam o Espírito da graça que revela o gracioso Salvador, Jesus Cristo!
O Livro de Atos dos apóstolos e os escritos de Paulo e de outros no
Novo Testamento pontuam de forma extraordinário o ministério bem presente e
pungente do Espírito Santo. Esse ministério presente, atuante e movente do
Espírito Santo claramente se centraliza na obra e pessoa de Jesus Cristo no convencimento
dos pecadores e na edificação dos santos. Mas, Ele não pode ser descrito como
um ministério de bastidores.
Uma pequena amostra para você sentir o peso da presença movente do
Espírito Santo no livro de Atos. Agora, se isso pode ser chamado de ministério
de “holofote” e de “bastidores”, nós precisamos urgentemente ressignificar
muita coisa nas Escritura, na Teologia e, é claro, na gramática.
1) Capítulo 1 — A promessa
do Espírito Santo (vv.4,5).
2) Capítulo 2 — O
derramamento do Espírito Santo (vv.1-4).
3) Capítulo 3 — milagres
pelo Espírito Santo (vv.8-10).
4) Capítulo 4 — ousadia
pelo Espírito Santo (vv.29-31).
5) Capítulo 5 — a deidade
do Espírito Santo (vv.3,4).
6) Capítulo 6 — trabalho no
poder do Espírito Santo (vv.2-5).
7) Capítulo 7 — pregação
inspirada pelo Espírito Santo (vv.51,55).
8) Capítulo 8 — expansão da
igreja pelo Espírito Santo (vv.1-8,15-17,39).
9) Capítulo 9 — conversão
pelo Espírito Santo (vv.1-6,31).
10) Capítulo 10 — Céu
aberto para salvar pelo Espírito Santo (vv.19,20,44).
11) Capítulo 11 — salvação
para todos pelo Espírito Santo (vv.11-14).
12) Capítulo 12 —
livramento pelo Espírito Santo (vv.5-11).
13) Capítulo 13 — obra
missionária dirigida pelo Espírito Santo (vv.2-9,52).
14) Capítulo 14 —
confirmação da obra pelo Espírito Santo (vv.21-27).
15) Capítulo 15 —
assembleia de líderes sob o Espírito Santo (vv.8,28).
16) Capítulo 16 — prisão
desfeita pelo Espírito Santo (vv.23-34).
17) Capítulo 17 — avanço
incessante da igreja pelo Espírito Santo (w.22-30).
18) Capítulo 18 — liderança
da igreja através do Espírito Santo (w.9-11,21-23).
19) Capítulo 19 —
demonstração de poder pelo Espírito Santo (w.2,11-20).
20) Capítulo 20 — revelação
concedida pelo Espírito Santo (vv.22-31).
21) Capítulo 21 — previsão
de fatos pelo Espírito Santo (vv.4,11).
22) Capítulo 22 — presença
constante do Espírito Santo (vv.6-30).
23) Capítulo 23 — proteção
contínua do Espírito Santo (vv. 10-24,35).
24) Capítulo 24 — coragem
contínua pelo Espírito Santo (vv.10-I6).
25) Capítulo 25 — convicção
total pelo Espírito Santo (vv.6-12,23-26).
26) Capítulo 26 — heroísmo
pelo Espírito Santo (todo o capítulo).
27) Capítulo 27 —
consolação pelo Espírito Santo (vv.9,10,21-25,35).
28) Capítulo 28 —
progressão da igreja pelo Espírito Santo (vv.23-3I)[3].
Parece-me impossível detectar qualquer cristão, ministério e igrejas
locais do Primeiro século, pelo livro de Atos,
que não tenha sido regenerado, renovado, revestido e impactado pela Pessoa e
obra de Deus Espírito Santo. Algumas referências são impressionantes: Atos 13.52: “Os discípulos, porém,
transbordavam de alegria e do Espírito Santo”. Atos 9.31: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judeia,
Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor e, no
conforto do Espírito Santo, crescia em número”.
Poderíamos dizer que nenhuma atividade, ministério ou reunião era
feita sem a Pessoa e a Obra do Espírito Santo. Ele falava, separa, revestia,
ajudava e fazia muito mais para a glória de Deus Pai na proclamação do
evangelho de Jesus Cristo.
Soli Deo Gloria!
[1] Jown
Owen, The Holy Spirit: His Gifts and
Power (Grand Rapids: Kruegel, 1960); Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit (Grand Rapids: Eerdmans, 1946). Outros autores poderiam ser acrescentados,
como o Puritano inglês Thomas Goodwin, e mais recentemente, Benjamim B.
Warfield e George Smeaton.
[2] Cf. João Calvino, As Institutas, ou Tratado da Religião Cristã, 4 vols., trad. Waldyr
C. Luz (São Paulo: CEP e Luz para o Caminho, 1989). Calvino trata da divindade
do Espírito em I.13.14-14, e da sua obra redentora (aplicando a salvação) no
livro III, especialmente nos capítulos 1-2.
[3] GILBERTO,
Antônio. Teologia Sistemática
Pentecostal, p.178. Bangu, RJ, Brasil: CPAD, 2ª Edição: 2008.
Prezado, seu escrito dá a entender que há uma disputa entre os membros da Trindade sobre quem mais opera e deve ser glorificado. Com todas as vênias, mas o que os autores que vc citou querem dizer é apenas que cada membro da Trindade tem suas funções no plano da salvação. É incontestável que o Espírito Santo veio para implementar a salvação por meio da pregação do Evangelho e que esta salvação é fruto da obra vicária de Cristo. Os referidos autores, principalmente o Nicodemus, não querem dizer que a função do Espírito Santo é de somenos importância. Isso é conclusão sua. Ademais, o próprio Cristo disse que o Espírito viria para testificar de Cristo. Por fim, o fato dos autores reformados não crerem que o Batismo no Espírito Santo não é o falar em línguas, não significa que "apagam o fogo dos seus carismas".
ResponderExcluirMeu nobre, grato pela sua escrita. De forma alguma propus "disputa" entre os membros da Trindade, sabendo da "economia" dos membros da mesma. Essa conclusão equivocada foi do nobre sobre minha proposta preponderante no artigo que é demonstrar que os teólogos "moderno" e não contemporâneos da época de Calvino EXAGERAM ou forçam a barra quando afirmam, com Nicodemus, que Calvino pode ser considerado como "teólogo do Espírito". Ele pode ser sim, considerado o teólogo da doutrina da "eleição", "predestinação", "soberania" e etc., mas do "Espírito" é muita incoerência do dr. Augustus e cia reformada (entenda: calvinista). Outrossim, note que seu entendimento soteriológico da obra do Espírito carece de precisão, pelo menos no escrito acima, pois o Espírito Santo não veio simplesmente para "implementar a salvação por meio da pregação do evangelho", Ele veio para salvar por meio da obra de Cristo: convencimento, regeneração, renovação, justificação, santificação e glorificação - essas são obras soteriológicas do Espírito Santo. Claro que os postulados calvinistas negligenciam a obra de justificação do pecador pelo Espírito em nome de Jesus para a glória de Deus (negligência ENORME de muitas Sistemáticas). A salvação é fruto da obra OBJETIVA de Cristo e da obra SUBJETIVA do Espírito na vida do Pecador. Jesus é o Salvador, mas é o Espírito é quem opera essa salvação na vida do pecador. Ah, e o meu ponto no artigo foi exatamente contra essa negligencia da obra soteriológica do Espírito Santo. Ele não está nos "bastidores" (como já expliquei) e muito menos tem um ministério de holofote. Ele está BEM PRESENTE E SUA OBRA É CLARA E BEM VISÍVEL como demonstrei acima.
ExcluirAgora, se o nobre quiser discutir a incoerência dos reformados, mormente certos calvinistas sobre o batismo no Espírito com a evidência glossolálica, veja outros artigos meus e elenque seus contra pontos, pois até calvinistas como Sam Storms acredita no falar em línguas como bênção atual no seu mais recente lançamento: The Language of Haven: Crucial Questions About Speaking in Tongues.
Outrossim, o contexto de 1Ts 5.19,20 é claramente uma exortação paulina sobre aqueles que desprezar os dons do Espírito. Se certos cessacionismo com seus proponentes (como Granconato) não fazem isso devemos ressignificar as palavras!