Papias (grego: Παπίας) viveu, aproximadamente, entre os anos 70 a 140 d.C. Segundo os testemunhos que se têm, era bispo de Hierápolis, na Frígia, atual Pambukcallesi turca. Foi contemporâneo e amigo de Inácio de Antioquia e de Policarpo de Esmirna. Segundo Ireneu de Lião, teria sido ouvinte de João e companheiro de Policarpo. Jerônimo, no De viris Illustribus 18, diz que “Pápias foi bispo de Hierápolis, na Ásia, e discípulo de João.
Papias e o milenarismo
Papias tem sido considerado uma importante fonte do ensino “oral dos discípulos dos apóstolos”, já que ele viveu, aproximadamente, entre os anos 70 a 140 d.C. Pápias foi o primeiro a aplicar a palavra clássica exegese (ecsegéseis), que já há muito tempo significava interpretação ou comentário. Seus cinco livros foram intitulados Exegeses das Palavras do Senhor (grego: Λογίων Κυριακῶν Ἐξήγησις) (H.E, 39.1).
Papias traz as mais antigas
informações sobre a composição dos evangelhos de Mateus e Marcos, e seus textos
sempre são procurados por quantos se ocupam da questão das origens e
autenticidade dos evangelhos. Seu nome torna-se obrigatório em toda introdução
ao Novo Testamento. Segundo Papias,
coisa que eu creio, Mateus compôs seu evangelho no “dialeto hebraico”. O
evangelho de Marcos não é outra coisa que a interpretação da pregação de Pedro
adaptada às várias circunstâncias. Papias estava preocupado, em sua época, não
com aquilo que outras pessoas escreviam nos livros ou pensavam sobre certos
assuntos, mas queria saber o que os próprios apóstolos do Senhor haviam dito.
Ele escreveu: “Se acontecia, por acaso, vir algum dos que tinham seguido os
presbíteros, eu me informava a respeito da palavra dos presbíteros [apóstolos,
como vemos hoje!]: o que haviam dito André, Pedro, Filipe, Tomé, Tiago, João,
Mateus, ou qualquer outro dos discípulos do Senhor” (H. E. III, 39.4).
Papias ensinava, para nosso
proveito neste momento, sobre o Reino de Mil anos de Jesus Cristo, depois que a
criação for renovada e libertada. Ele era um homem que não apreciava os que
falavam muito, e sim os que ensinavam a verdade, e que “junto dos que comemoram
os mandamentos do Senhor impostos aos fiéis e nascidos da própria verdade” (H.E.
III, 39,3) transmite as verdades ditas pelos presbitérios/apóstolos do Senhor.
Ele valorizava como “uma palavra viva e permanente” os ditos provenientes dos
presbíteros (apóstolos) e “[...]; o que dizem Aristion e o presbitério João,
discípulos do Senhor”, mas dos que “livros” (H.E. III, 29,4).
Eusébio de Cesaréia
escreveu que Papias entendeu erroneamente as narrações dos apóstolos sobre o
milênio, pois o mesmo afirmava “que haverá mil anos após a ressurreição dos
mortos e que o reino de Cristo se realizará materialmente aqui na terra”. O
historiador Eusébio confirma que
muitos, inclusive Ireneu, que sucederam Pápias seguiram-no nesta visão
interpretativa de um reino literal de mil anos quando o Senhor Jesus voltar. Segundo
Eusébio (“penso que”) o que os apóstolos
narraram sobre o milênio deve ser entendido “figurada e simbolicamente” (HE,
III, 29,12).
Deve-se notar que Eusébio
(263–339), seguindo a escola alegorizante de Alexandria e também a Agostinho (354–430) e Jerônimo (345–420) cria que a Era áurea
de Apocalipse 20, o Milênio, já teria sido estabelecida com a derrota da Roma
pagã pela Igreja e pela ascensão do Cristianismo a uma posição de domínio
virtual no Império. Neste ponto, as sementes do preterismo, do historicismo e
do idealismo lançaram a base da interpretação alegórica e substituíram a
interpretação literal da profecia[1]
que entendia, conforme Papias e
outros Pais como Ireneu (Adv. Haer. V.32.1,2; 33.1,2,3)[2]
e Justino Martin, o reinado de Cristo literalmente na
Terra por mil anos.
Podemos dizer, sem medo de errar, que o amilenismo e o pós-milenismo
começou a ser ensinado por uma Igreja politizada depois de Constantino que não
mais estimava a volta iminente de Cristo Jesus e nem o Seu reino literal de mil
anos na Terra. Foi necessário, é claro, como tem sido hoje, a rejeição da
intepretação literal das profecias e abraçar, via escola alexandrina,
interpretações simbólicas, alegóricas e espiritualizantes das profecias. “Uma
vez que o futurismo é o produto da aplicação mais coerente de uma interpretação
literal ao texto das Escrituras, começou a decrescer à medida que a
interpretação alegórica ganhou proeminência na passagem do quarto para o quinto
século. Por causa da fusão entre a Igreja e o Estado no tempo de Constantino,
muitos líderes da Igreja quiseram suprimir a interpretação literal do
pré-milenismo, que colocava o Império Romano no papel de vilão”[3].
Como disse Larry V. Crutchfield:
“Não fosse a seca de exegese sadia provocada pelo alegorismo alexandrino e,
mais tarde, por Agostinho, quem sabe
que tipo de colheita”[4]
de uma visão literal das profecias poderia ter produzido – bem antes de John Nelson Darby e do século dezenove!
Não nos assusta certo historiador ter pontuado que a igreja começou
nos primeiros séculos como uma noiva indo ao encontro do seu Noivo, mas
enamorada com o mundo se tornou uma prostituta satisfeita com os amores e
prestígios terrenos[5].
Agora, assentada comodamente no seu trono mundano, desfrutava das riquezas
terrenais. O fervor evangelístico diminuiu e a expectativa da Vinda do Senhor foi
perdida ou obscurecida. Neste ponto, aproveito para destacar que por ocasião do
Movimento Pentecostal (séc. XIX) o entendimento literal das profecias foi
abraçado e a igreja se tornou zelosa na evangelização e vigilante em santidade
porque acreditava que Jesus poderia vir a qualquer momento.
O pré-milenismo
dos Pais da Igreja
Claramente os primeiros Pais eram pré-milenistas conforme declara estudiosos
como George Eldon Ladd e Robert H. Gundry[6].
Apesar de que devemos ter o cuidado de encaixar qualquer dos Pais da Igreja em
sistemas teológicos desenvolvidos como temos hoje, não podemos negar que os
primeiros Pais tinham uma forte crença pré-milenar, e que a “Igreja Primitiva”,
como pontua Ladd, “vivia na
expectativa da volta de Cristo”[7].
Ou seja, criam numa “volta iminente” ou a “qualquer momento” do Senhor Jesus
para arrebatar Sua Igreja. A crença coerente dos primeiros Pais na volta
iminente de Cristo é um ingrediente-chave das postulações pré-tribulacionistas
atuais. O Dr. John Walvoord
escreveu: “O fato histórico é que a visão que os primeiros Pais da Igreja
tinham da profecia não correspondia àquela que é defendida pelos
pré-tribulacionistas hoje em dia [como um Sistema Teológico], exceto pelo ponto
importante de que ambos os grupos sustentam a iminência do Arrebatamento”[8],
uma doutrina chave para a formulação sistemática do pré-tribulacionismo
dispensacional.
Doutrina
da iminência e as sementes do pré-tribulacionismo!
A posição dos primeiros Pais quanto à iminência e, em alguns casos,
referências a um escape à Tribulação (cf. Ireneu, Adv. Haer. V.35) constituem o que pode ser chamado, para citar o
Dr. Erickson, “as sementes das quais
a doutrina do Arrebatamento pré-tribulacional pôde ser desenvolvida [...]”[9].
Então, afirmar, como alguns, que a doutrina do Arrebatamento pré-tribulacional
é invenção da jovem MacDonald e que o Dr. Darby aprendeu dela não se sustenta.
Não apenas temos o testemunho e o entendimento dos Pais sobre a
doutrina do Arrebatamento iminente ou vinda pré-milenar, mas também temos uma
forte base escriturística tanto para o pré-milenarismo quanto para o
pré-tribulacionismo. Por exemplo, várias passagens da Bíblia pontuam que Jesus
virá primeiro para os Seus e depois com os Seus (João 14.1-3; 1Tessalonicenses
4.13-18; 2Tessalonicenses 2.1; compare 1Tessalonicenses 3.13; Judas 14;
Apocalipse 19.14). O Arrebatamento é caracterizado no Novo Testamento como uma “Vinda
para traslado”, na qual Cristo vem para Sua Igreja, levando-a para a Casa de
Seu Pai (João 14.3; 1Tessalonicenses 4.15-17; 1Coríntios 15.51-52). Um ponto forte
é o fato de que as Bodas ocorrem no céu (Apocalipse 19.7-9), antes da Volta
triunfal de Cristo à Terra, acompanhado de Sua Igreja redimida e triunfante
(Apocalipse 19.11-16). Isso exige um Arrebatamento pré-tribulacional para que
as Bodas e o Tribunal de Cristo tenham lugar.
O Dr. Erickson, que é
pós-tribulacionista, reconhece: “Com certeza, o pré-milenismo dos primeiros
séculos da Igreja pode ter incluído uma crença num Arrebatamento
pré-tribulacional da Igreja [...]”[10].
Isto é, em essência, o que devemos afirmar, pois não destacamos que os
primeiros Pais fossem pré-tribulacionistas no sentido moderno e dispensacional
do termo, mas apenas que as sementes já se achavam ali, embora, tristemente,
foram esmagadas pelas botas do alegorismo e da Igreja Estatal antes que
pudessem brotar e dar fruto.
No meu entendimento, sob a visão dos Pais da Igreja que era claramente
pré-milenar, nós devemos rejeitar tanto o pós-milenarismo quanto o amilenarismo
como postulações de uma igreja politizada e estatal que seguiu interpretações
alegóricas de textos proféticos que devem ser entendidos no sentido usual e
comum.
Ireneu
cita Pápias e fala sobre o Reino literal do Milênio
Retornando a Papias (creio
que foram necessárias as observações acima) pode-se dizer, junto com o bispo Ireneu, quando se fala das bênçãos e da
abundância dos frutos (Adv. Haer.
V.33.3)[11]
que os santos desfrutarão no Reino milenar que “Tudo isto é crível para os que
têm fé. A Judas, o traidor que não acreditava e que perguntava: Como o Senhor
poderia criar tais frutos?, o Senhor respondeu: Vê-los-ão os que viverão
naquele tempo” ou seja, no tempo do Reino milenar. Após essa descrição Santo Ireneu cita a importante passagem de Isaías que profetizou sobre os
gloriosos tempos do Reino Milenar (11.6-9; 65.25), onde “todos os animais se
servirão deste alimento, que receberão da Terra, viverão em paz e harmonia
entre si e estarão completamente submetidos aos homens” (Adv. Haer. 32.3,4). Ireneu
até rejeita aqueles que “se esforçam por aplicar estes textos [Isaías 11.6-9;
65.25) de maneira metafórica àqueles homens selvagens, [...] [que] abraçam a fé
e vivem de acordo com os justos”. Em seu argumento o bispo de Lyon afirma que
Deus realizará estas coisas “na ressurreição dos justos”, ou seja, no reino
milenar. Depois de citar vários textos de Isaías, Jeremias, Ezequiel e de Apocalipse,
falando das bênçãos e realidades do reino, Ireneu
conclui: “Essas promessas, portanto, significam com toda evidência o festim que
esta criação, que recebeu a promessa de Deus, dará aos justos no reino” (Adv. Haer. V. 34,3). Ou seja, a criação
que agora geme e está juntamente com dores de parto será libertada da servidão
da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus na ressurreição dos
justos no reino milenar. Como diz C. I.
Scofield: “Até mesmo a criação animal e material, sob maldição por causa do
homem (Gênesis 3.17), será libertada por Cristo (Romanos 8.19-22; comp. Isaías
11.6-9)”[12].
Ireneu rejeitava claramente
a intepretação alegórica das profecias sobre o Reino terrestre do “Rei Justo” (Adv. Haer V.34.4). Ele escreveu:
Se alguns quiserem interpretar estas
profecias em sentido alegórico não chegarão a acordo entre si sobre todos os
pontos e serão refutados pelas próprias palavras sobre as quais discutem e
dizem: “Quando as cidades das gentes estarão despovoadas por falta de
habitantes e as casas por falta de homens e a terra ficará deserta”. “Eis,
pois, diz Isaías, o dia do Senhor terrível, cheio de furor e de ira. Ele vem
para tornar deserta a terra e exterminar os pecadores”. Ele diz ainda: “Será
eliminada, para que não veja a glória do Senhor”. E depois que isso tiver
acontecido, diz: “O Senhor afastará os homens e os que ficarem se multiplicarão
sobre a terra”. “Construirão casas que eles mesmos habitarão e plantarão vinhas
cujos frutos eles mesmos comerão” (Isaías 6.11; 13.9; 26.10; 6.12; 65.21).
Todas estas profecias se referem, sem contestação, à ressurreição dos justos,
que se realizará depois do advento do Anticristo e da eliminação de todas as
nações submetidas à sua autoridade, quando os justos reinarão sobre a terra,
aumentarão pela aparição do Senhor e se acostumarão, por ele, a participar da
glória do Pai e, com os santos anjos, participarão da vida, da comunhão e da
unidade espirituais, neste reino. Os que o Senhor encontrar na carne,
esperando-o vindo dos céus, depois de ter suportado a tribulação e escapado das
mãos do ímpio, são aqueles dos quais fala o profeta: “Os abandonados sobre a
terra se multiplicarão”, e também todos os que, dentre os pagãos, o Senhor
tiver preparado, para que, após ser deixados, se multipliquem sobre a terra,
sejam governados pelos santos e sirvam a Jerusalém.
O profeta Jeremias falou mais claramente
ainda sobre Jerusalém e o reino que será estabelecido nela, dizendo: “Dirige o
teu olhar para o oriente, Jerusalém, e vê a alegria que te vem da parte de
Deus! Olha, estão chegando teus filhos a quem vistes partir; eles vêm, reunidos
do nascente ao poente pela palavra do Santo, jubilando com a glória de Deus.
Despe, Jerusalém, a veste da tua tristeza e desgraça e reveste para sempre a
beleza da glória que vem do teu Deus. Cobre-te com o manto da justiça e cinge a
cabeça com o diadema da glória eterna. Pois Deus mostrará o teu esplendor a
toda a terra que está debaixo do céu e te chamará com o nome que vem de Deus
para sempre: Paz-da-justiça e Glória-da-piedade. Levanta, Jerusalém, coloca-te sobre
o alto e olha na direção do oriente: vê teus filhos, reunidos desde o pôr do sol
até o nascente à ordem do Santo, alegres por Deus ter-se lembrado deles. Eles saíram
de ti a pé, arrastados por inimigos, mas Deus os reconduziu a ti, carregados de
glória, como por um trono real. Pois Deus ordenou que sejam abaixadas toda alta
montanha e as colinas eternas, e se encham os vales para aplainar a terra, a
fim de que Israel possa acorrer com segurança, à glória de Deus. Também as
florestas e todas as árvores aromáticas darão sombra a Israel, por ordem de
Deus. Pois Deus conduzirá Israel com alegria, à luz da sua glória, com a
misericórdia e a justiça que dele procedem” (Adv. Haer. V. 35.1).
Podemos continuar citando mais textos de Ireneu que demonstram claramente sua crença no cumprimento literal
das profecias acerca do Reino do Justo. Ele claramente entende que “a terra
será renovada por Cristo e Jerusalém será reconstruída conforme o modelo da
Jerusalém do alto” (Adv. Haer. V.
35.2). O entendimento dos pré-milenistas sobre um reino terrestre de mil anos
aqui na Terra depois da Volta em glória do Senhor (Apocalipse 19) para cumprir
as profecias de Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel e Apocalipse (cap.20) está
de acordo com o de Ireneu, esse grande Pai da Igreja, bem como de Pápias.
Pápias e Ireneu, ambos considerados de grande importância no
entendimento das verdades bíblicas, se unem com vários outros Pais, na crença
de um reino milenar de Cristo Jesus numa terra restaurada após o período da Ira
de Deus sobre os pecadores. Afirmar, como alguns, que a crença pré-milenar, e
até mesmo pré-tribulacional, são crenças do dispensacionalismo do século XIX
não se sustenta e deve ser rejeitada com honestidade.
Ivan Teixeira
[1] ICE,
Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). Back to
the Future: Keeping the Future in the Future, The Return: Understanding Christ’s Second
Coming and the End Times, p.13. Grand
Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.
[2] Contra
as Heresias: Denúncia e refutação da falsa gnose (2ª edição, Paulus, 1994).
[3] ICE,
Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). Back to
the Future: Keeping the Future in the Future, The Return: Understanding Christ’s Second
Coming and the End Times, p.13. Grand Rapids, MI 49501, USA. Kregel
Publications, 1999.
[4] ICE,
Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). The Blessed Hope and the Tribulation in the Apostolic Fathers, The Return: Understanding Christ’s Second
Coming and the End Times, p.13. Grand
Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.
[5] Não me lembro ipsis litteris das palavras e do escritor, mas a essência do que
ele escreveu está nas palavras acima.
[6] GUNDRY,
Robert H. The Church and the Tribulation,
p.173. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1973.
[7] LADD,
George Eldon. The Blessed Hope,
p.19. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publ. Co., 1956.
[8]
WALVOORD, John F. The Blessed Hope and the Tribulation,
p.25. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1955.
[9]
ERICKSON, Millard J. Contemporary
Options in Eschatology, p.131. Grand Rapids: Baker Book House, 1977.
[10]
ERICKSON, Millard J. Contemporary
Options in Eschatology, p.112. Grand
Rapids: Baker Book House, 1977.
[11] Contra
as Heresias: Denúncia e refutação da falsa gnose (2ª edição, Paulus, 1994).
[12] SCOFIELD, C. I. Bíblia de Estudo Scofield, p.1044.
(Holy Bible, 2009, copyright por Oxford University Press, Inc.).
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