sexta-feira, 23 de março de 2018

AS DUAS ESPADAS DE DEUS!



A Igreja e O Governo

Deus estabeleceu tanto a igreja quanto o governo para refrear o mal.
Afirmar que a igreja ou os cristãos não devem se envolver na política está errada porque ignora o fato de que Deus deu tanto a igreja quanto o governo para restringir o mal nesta era.
Como cristãos todos nós devemos concordar que uma maneira significativa pela qual Deus restringe o mal no mundo é através da mudança do coração das pessoas quando elas confiam em Cristo como seu Salvador (ver 2Co 5.17). Mas nós não devemos transformar este caminho na única maneira que Deus restringe o mal nesta era. Deus também usa o governo civil para restringir o mal, e há muito mal que só pode ser contido pelo poder do governo civil, pois sempre haverá muitos que não confiam em Cristo como seu Salvador e muitos que não o obedecem totalmente.
Por exemplo, por que precisamos de leis contra dirigir embriagado? Alguém poderia dizer: “Nós realmente não precisamos de leis contra dirigir embriagado. A influência do Evangelho deve ser suficiente para mudar a sociedade. Se os cristãos estivessem realmente fazendo seu trabalho de testemunhar aos outros, e se os cristãos estivessem realmente sendo um bom exemplo de direção sóbria, isso seria suficiente para eliminar todos os alcoólatras do nosso país”.
Claro, essa é uma posição tola. Nós reconhecemos que nesta era atual há muitas pessoas que não aceitam o Evangelho. (E infelizmente, até mesmo alguns daqueles que confiam em Cristo continuam a fazer coisas tão tolas). Até que Cristo volte, sempre haverá condutores embriagados que não serão persuadidos pelo Evangelho Cristão ou por sua consciência ou pelo exemplo de outros ou pelo senso comum. Eles ainda se embebedarão e então dirigirão em nossas ruas a menos que haja algum outro meio de restringir este mal do que apenas pregar o Evangelho.
A maneira que Deus estabeleceu para parar os motoristas bêbados nesta era é o poder do governo civil. O governo foi “instituído por Deus” para que “não fosse um terror para a boa conduta, mas para o mal” (Rm 13.1,3). O principal meio que Deus usa para parar os que dirigem embriagados hoje é o governo civil tirar a liberdade de dirigir desses motoristas bêbados. Se persistirem em dirigir de qualquer maneira, irão para a cadeia. Deus os restringe dirigir embriagados não apenas quando a igreja pregar o Evangelho, mas também pelo poder do governo civil. O governo é enviado “para punir os que praticam o mal e louvar os que praticam o bem” (1Pedro 2.14).
Para dar outro exemplo, quando as pessoas em certos países pararam de possuir escravos? Não foi quando o Evangelho foi pregado em todo o lugar, mas depois que o governo tornou ilegal tal prática. Isso aconteceu quando muitos abolicionistas cristãos (e outros) influenciaram o governo a mudar suas leis.
Deus usa a igreja e também o governo para refrear o mal na sociedade. Ambos são instrumentos de Deus em âmbitos diferentes, mas que se sobrepõem.

O REINO DE DEUS E O GOVERNO CIVIL, EMBORA DISTINTOS EM NATUREZA E FUNÇÃO, NÃO SE EXCLUEM MUTUAMENTE, NEM SÃO INCOMPATÍVEIS ENTRE SI.

Capítulo XVI - Sobre o Governo Civil - Institutas (E) Vol 4.
Sobre o Governo Civil
1. Transição do governo eclesiástico para o governo civil. Distinção
[1536] Sendo, pois, que foram constituídos para o homem dois regimes e que já falamos suficientemente sobre o primeiro, que reside na alam, ou no homem interior, e que concerne à vida eterna, aqui se requer que também exponhamos claramente o segundo, que visa a unicamente estabelecer uma justiça civil e aperfeiçoar os costumes exteriores.
Primeiro, antes de avançar no assunto, devemos recordar a distinção anteriormente exposta para não suceder o que comumente sucede com muitos, o erro de confundir inconsideradamente as duas coisas, as quais são totalmente diferentes. Porque eles, quando ouvem no evangelho a promessa de uma liberdade que não reconhece rei nem senhor entre os homens, mas se atém unicamente a Cristo, acham que não gozarão nenhum fruto essa liberdade enquanto virem algum poder acima deles. E pensam que nada irá bem, a não ser que todo o mundo se converta a uma nova forma, na qual não haja nem julgamentos, nem leis, nem magistrados nem coisa alguma semelhante pela qual considerem que a sua liberdade está sendo impedida. Mas quem souber discernir entre corpo e alma, entre esta presente vida transitória e a vida por vir, que é eterna, entenderá igualmente muito bem que o reino espiritual de Cristo e a ordem civil são coisas muito diferentes.

Visto, pois, que é uma loucura judaica cercar e encerrar o reino de Cristo sob os elementos deste mundo, e nós, antes, pensamos (como a Escritura nos ensina amplamente) [Gl 5; 2Co 7.21] que o fruto que nos cabe receber da graça de Cristo é espiritual, cuidemos zelosamente de manter dentro dos seus limites esta liberdade, a qual nos é prometida e oferecida em Cristo. Pois, por que é que o próprio apóstolo que nos ordena que não ordena que não nos submetamos de novo “a jugo de escravidão”, noutra passagem ensina que os servos não devem preocupar-se com o estado no qual estejam, sendo que a liberdade espiritual pode muito bem subsistir na servidão civil? Nesse sentido também devem ser entendidas outras declarações que ele faz, quais sejam: que no reino de Deus “não pode haver judeu nem grego; nem escravo num liberto; nem homem nem mulher” [Gl 3.28]. E igualmente: “não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos” [CL 3.11]. Com essas sentenças Paulo quer dizer que é indiferente a condição a que pertencemos entre os homens, ou qual a nação a cujas leis devemos obediência, visto que o reino de Cristo não se localiza nestas coisas.

2. A distinção feita não autoriza a negligência quanto aos deveres civis e cívicos
Todavia, esta distinção não tem como finalidade levar-nos a considerar que as determinações legais relacionadas com práticas manchadas pelo mal não dizem respeito aos cristãos. É a pura verdade que alguns amantes de utopias hoje em dia falam dessa maneira, isto é, afirmam que, como fomos mortos por Cristo para os elementos deste mundo e fomos transferidos para o reino de Deus, para as realidades celestes, devemos considerar como coisa vil e indigna da nossa excelência ocupar-nos dessas solicitudes imundas e profanas concernentes aos negócios deste mundo, dos quais os cristãos devem ficar longe e totalmente afastados. “Para que servem as leis”, dizem eles, “não havendo litigantes nem julgamentos? E que é que têm que ver os litigantes com o homem cristão? E mesmo considerando a proibição de matar, com que propósito nós haveríamos de ter leis e julgamentos?” Mas, como pouco acima advertimos que essa espécie de regime é diferente do reino espiritual e interior de Cristo, também nos é necessário saber, por outro lado, que de forma alguma o repugna.

3. O cristão neste mundo aspirar à eternidade
Dizemos o que acima foi dito porque o reino espiritual já na terra nos faz sentir certo gosto do reino celestes, e nesta vida mortal e transitória certo gosto da bem-aventurança imoral e incorruptível. Mas o objetivo do reino temporal é fazer que possamos adaptar-nos à companhia dos homens durante o tempo que nos cabe viver entre eles, estabelecer os nossos costumes em termo de uma justiça civil, viver em harmonia uns com os outros, e promover e manter paz e tranquilidade comum. Reconheço que todas estas coisas seriam supérfluas, se o reino de Deus, que ora se matem em nós, anulasse a presente existência. Mas se é da vontade de Deus que caminhemos na terra enquanto aspiramos à nossa verdadeira pátria, a se, ademais, tais acessórios são necessários nessa viagem para lá, os que querem separá-los do homem vão contra a sua natureza humana.

Porque, no tocante ao que os tais sonhadores alegam, que deve existir na igreja uma perfeição tal que seja suficiente para cobrir todas as leis, ou que as torne dispensáveis, é pura imaginação deles tal perfeição; jamais se poderá encontrar na comunidade dos homens. Pois, se a insolência dos maus é tão grande e a maldade tão rebelde que a duras penas se pode manter a ordem pelo rigor das leis, que se poderá esperar deles, se descobrirem que gozam de desenfreada liberdade para a prática do mal? Pois é preciso um esforço enorme para à força contê-los e impedi-los de praticar o mal!

4. Alguns benefícios do governo civil
Haverá, porém, logo adiante, um espaço mais oportuno para se falar da utilidade do governo civil. No presente, queremos tão-somente dar a entender que, querer rejeitá-lo é uma barbárie desumana, pois que a sua necessidade entre os homens não é menor que a de pão, água, sol e ar, e a sua dignidade é muito maior ainda. Porque não se relaciona apenas com o que os homens comem, bebem e buscam para o seu sustento (se bem que abrange todas estas coisas, tornando possível aos homens viverem juntos). Contudo, não se limita a isso, mas também visa a benefícios como os seguintes: impedir que a idolatria, as blasfêmias contra o nome de Deus e contra a sua verdade, e outros escândalos relacionados com a religião sejam publicamente fomentados e semeados entre o povo; velar para que a tranquilidade pública não seja perturbada; proteger a propriedade de cada um; vigiar para que os homens façam seus negócios sem fraude nem prejuízo; em suma, que possa expressar-se uma forma pública da religião entre os cristãos, e que a humanidade subsista entre os seres humanos.

Bibliografia
GRUDEM, W. A. (2010). Politics according to the Bible: A Comprehensive Resource for Understanding Modern Political Issues in Light of Scripture (p.48–49). Grand Rapids, MI: Zondervan.
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã, p.144-148. Edição Clássica (LIVRO IV - Cap. XX), Editora Cultura Cristã.
CALVIN, J., & BEVERIDGE, H. (1845). Institutes of the Christian religion (Vol.3, p.518–521). Edinburgh: The Calvin Translation Society.

Ivan Teixeira

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