A Igreja e O Governo
Deus estabeleceu tanto a igreja quanto o governo para refrear o
mal.
Afirmar que
a igreja ou os cristãos não devem se envolver na política está errada porque ignora
o fato de que Deus deu tanto a igreja quanto o governo para restringir o mal
nesta era.
Como
cristãos todos nós devemos concordar que uma maneira significativa pela qual
Deus restringe o mal no mundo é através da mudança do coração das pessoas
quando elas confiam em Cristo como seu Salvador (ver 2Co 5.17). Mas nós não
devemos transformar este caminho na única maneira que Deus restringe o mal
nesta era. Deus também usa o governo civil para restringir o mal, e há muito
mal que só pode ser contido pelo poder do governo civil, pois sempre haverá
muitos que não confiam em Cristo como seu Salvador e muitos que não o obedecem
totalmente.
Por exemplo,
por que precisamos de leis contra dirigir embriagado? Alguém poderia dizer:
“Nós realmente não precisamos de leis contra dirigir embriagado. A influência
do Evangelho deve ser suficiente para mudar a sociedade. Se os cristãos
estivessem realmente fazendo seu trabalho de testemunhar aos outros, e se os
cristãos estivessem realmente sendo um bom exemplo de direção sóbria, isso
seria suficiente para eliminar todos os alcoólatras do nosso país”.
Claro, essa
é uma posição tola. Nós reconhecemos que nesta era atual há muitas pessoas que
não aceitam o Evangelho. (E infelizmente, até mesmo alguns daqueles que confiam
em Cristo continuam a fazer coisas tão tolas). Até que Cristo volte, sempre
haverá condutores embriagados que não serão persuadidos pelo Evangelho Cristão
ou por sua consciência ou pelo exemplo de outros ou pelo senso comum. Eles
ainda se embebedarão e então dirigirão em nossas ruas a menos que haja algum
outro meio de restringir este mal do que apenas pregar o Evangelho.
A maneira
que Deus estabeleceu para parar os motoristas bêbados nesta era é o poder do
governo civil. O governo foi “instituído por Deus” para que “não fosse um
terror para a boa conduta, mas para o mal” (Rm 13.1,3). O principal meio que
Deus usa para parar os que dirigem embriagados hoje é o governo civil tirar a
liberdade de dirigir desses motoristas bêbados. Se persistirem em dirigir de
qualquer maneira, irão para a cadeia. Deus os restringe dirigir embriagados não
apenas quando a igreja pregar o Evangelho, mas também pelo poder do governo
civil. O governo é enviado “para punir os que praticam o mal e louvar os que
praticam o bem” (1Pedro 2.14).
Para dar
outro exemplo, quando as pessoas em certos países pararam de possuir escravos?
Não foi quando o Evangelho foi pregado em todo o lugar, mas depois que o
governo tornou ilegal tal prática. Isso aconteceu quando muitos abolicionistas
cristãos (e outros) influenciaram o governo a mudar suas leis.
Deus usa a
igreja e também o governo para refrear o mal na sociedade. Ambos são
instrumentos de Deus em âmbitos diferentes, mas que se sobrepõem.
O REINO DE DEUS E O GOVERNO CIVIL, EMBORA DISTINTOS EM NATUREZA E
FUNÇÃO, NÃO SE EXCLUEM MUTUAMENTE, NEM SÃO INCOMPATÍVEIS ENTRE SI.
Capítulo XVI - Sobre o Governo Civil - Institutas (E) Vol 4.
Sobre o Governo Civil
1. Transição do governo eclesiástico para o governo civil.
Distinção
[1536]
Sendo, pois, que foram constituídos para o homem dois regimes e que já falamos
suficientemente sobre o primeiro, que reside na alam, ou no homem interior, e
que concerne à vida eterna, aqui se requer que também exponhamos claramente o
segundo, que visa a unicamente estabelecer uma justiça civil e aperfeiçoar os
costumes exteriores.
Primeiro,
antes de avançar no assunto, devemos recordar a distinção anteriormente exposta
para não suceder o que comumente sucede com muitos, o erro de confundir
inconsideradamente as duas coisas, as quais são totalmente diferentes. Porque
eles, quando ouvem no evangelho a promessa de uma liberdade que não reconhece
rei nem senhor entre os homens, mas se atém unicamente a Cristo, acham que não
gozarão nenhum fruto essa liberdade enquanto virem algum poder acima deles. E
pensam que nada irá bem, a não ser que todo o mundo se converta a uma nova
forma, na qual não haja nem julgamentos, nem leis, nem magistrados nem coisa
alguma semelhante pela qual considerem que a sua liberdade está sendo impedida.
Mas quem souber discernir entre corpo e alma, entre esta presente vida
transitória e a vida por vir, que é eterna, entenderá igualmente muito bem que
o reino espiritual de Cristo e a ordem civil são coisas muito diferentes.
Visto, pois,
que é uma loucura judaica cercar e encerrar o reino de Cristo sob os elementos
deste mundo, e nós, antes, pensamos (como a Escritura nos ensina amplamente)
[Gl 5; 2Co 7.21] que o fruto que nos cabe receber da graça de Cristo é
espiritual, cuidemos zelosamente de manter dentro dos seus limites esta
liberdade, a qual nos é prometida e oferecida em Cristo. Pois, por que é que o
próprio apóstolo que nos ordena que não ordena que não nos submetamos de novo
“a jugo de escravidão”, noutra passagem ensina que os servos não devem
preocupar-se com o estado no qual estejam, sendo que a liberdade espiritual
pode muito bem subsistir na servidão civil? Nesse sentido também devem ser
entendidas outras declarações que ele faz, quais sejam: que no reino de Deus
“não pode haver judeu nem grego; nem escravo num liberto; nem homem nem mulher”
[Gl 3.28]. E igualmente: “não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem
incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos” [CL
3.11]. Com essas sentenças Paulo quer dizer que é indiferente a condição a que
pertencemos entre os homens, ou qual a nação a cujas leis devemos obediência,
visto que o reino de Cristo não se localiza nestas coisas.
2. A distinção feita não autoriza a negligência quanto aos deveres
civis e cívicos
Todavia,
esta distinção não tem como finalidade levar-nos a considerar que as
determinações legais relacionadas com práticas manchadas pelo mal não dizem
respeito aos cristãos. É a pura verdade que alguns amantes de utopias hoje em
dia falam dessa maneira, isto é, afirmam que, como fomos mortos por Cristo para
os elementos deste mundo e fomos transferidos para o reino de Deus, para as
realidades celestes, devemos considerar como coisa vil e indigna da nossa
excelência ocupar-nos dessas solicitudes imundas e profanas concernentes aos
negócios deste mundo, dos quais os cristãos devem ficar longe e totalmente
afastados. “Para que servem as leis”, dizem eles, “não havendo litigantes nem
julgamentos? E que é que têm que ver os litigantes com o homem cristão? E mesmo
considerando a proibição de matar, com que propósito nós haveríamos de ter leis
e julgamentos?” Mas, como pouco acima advertimos que essa espécie de regime é
diferente do reino espiritual e interior de Cristo, também nos é necessário
saber, por outro lado, que de forma alguma o repugna.
3. O cristão neste mundo aspirar à eternidade
Dizemos o
que acima foi dito porque o reino espiritual já na terra nos faz sentir certo
gosto do reino celestes, e nesta vida mortal e transitória certo gosto da
bem-aventurança imoral e incorruptível. Mas o objetivo do reino temporal é
fazer que possamos adaptar-nos à companhia dos homens durante o tempo que nos
cabe viver entre eles, estabelecer os nossos costumes em termo de uma justiça
civil, viver em harmonia uns com os outros, e promover e manter paz e tranquilidade
comum. Reconheço que todas estas coisas seriam supérfluas, se o reino de Deus,
que ora se matem em nós, anulasse a presente existência. Mas se é da vontade de
Deus que caminhemos na terra enquanto aspiramos à nossa verdadeira pátria, a
se, ademais, tais acessórios são necessários nessa viagem para lá, os que
querem separá-los do homem vão contra a sua natureza humana.
Porque, no
tocante ao que os tais sonhadores alegam, que deve existir na igreja uma
perfeição tal que seja suficiente para cobrir todas as leis, ou que as torne dispensáveis,
é pura imaginação deles tal perfeição; jamais se poderá encontrar na comunidade
dos homens. Pois, se a insolência dos maus é tão grande e a maldade tão rebelde
que a duras penas se pode manter a ordem pelo rigor das leis, que se poderá
esperar deles, se descobrirem que gozam de desenfreada liberdade para a prática
do mal? Pois é preciso um esforço enorme para à força contê-los e impedi-los de
praticar o mal!
4. Alguns benefícios do governo civil
Haverá,
porém, logo adiante, um espaço mais oportuno para se falar da utilidade do
governo civil. No presente, queremos tão-somente dar a entender que, querer
rejeitá-lo é uma barbárie desumana, pois que a sua necessidade entre os homens
não é menor que a de pão, água, sol e ar, e a sua dignidade é muito maior
ainda. Porque não se relaciona apenas com o que os homens comem, bebem e buscam
para o seu sustento (se bem que abrange todas estas coisas, tornando possível
aos homens viverem juntos). Contudo, não se limita a isso, mas também visa a benefícios
como os seguintes: impedir que a idolatria, as blasfêmias contra o nome de Deus
e contra a sua verdade, e outros escândalos relacionados com a religião sejam
publicamente fomentados e semeados entre o povo; velar para que a tranquilidade
pública não seja perturbada; proteger a propriedade de cada um; vigiar para que
os homens façam seus negócios sem fraude nem prejuízo; em suma, que possa
expressar-se uma forma pública da religião entre os cristãos, e que a
humanidade subsista entre os seres humanos.
Bibliografia
GRUDEM, W. A. (2010). Politics
according to the Bible: A Comprehensive Resource for Understanding Modern
Political Issues in Light of Scripture (p.48–49). Grand
Rapids, MI: Zondervan.
CALVINO, João.
As Institutas da Religião Cristã,
p.144-148. Edição Clássica (LIVRO IV - Cap. XX), Editora Cultura Cristã.
CALVIN, J., & BEVERIDGE, H. (1845). Institutes of the Christian religion (Vol.3, p.518–521). Edinburgh:
The Calvin Translation Society.
Ivan Teixeira
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