PENTECOSTE É UMA HERMENÊUTICA
Um Chamado à Hermenêutica Pentecostal
Restrita!
Primeiros Passos
Há, sem dúvidas, algo de maravilhoso e
extraordinário (e, é claro, ordinário) na interpretação das Escrituras
Sagradas. A tarefa do intérprete é árdua, no entanto deliciosa/prazerosa quando
sob os auspícios do Espírito Santo o intérprete se esforça gramatical,
histórica e culturalmente para entender a revelação bíblica. É indescritível
aquele momento quando você entende o que o “Espírito diz às igrejas”!
No entanto, ao longo da minha vida e
ministério, tenho me preocupado cada vez mais com algumas das tendências que
ocorrem no pentecostalismo (principalmente no movimento da “Terceira Onda” ou
neopentecostalismo). Minha maior preocupação é na área da interpretação
bíblica (visto que daqui deriva todo o restante!), conforme evidenciado na
pregação praticada por muitos pastores. Tem
havido uma tendência para a imaginação irrestrita sendo passada como
revelação do Espírito Santo. Essa prática é especialmente problemática
no contexto brasileiro, e até em igrejas brasileiras ou pastoreadas por
brasileiros na Europa. Sem falar das igrejas pentecostais na África.
No Brasil, quanto mais inovadora for a interpretação e “carismática” a entrega,
maior a audiência que um pregador pode esperar. Essa realidade leva a uma
tendência para uma interpretação imaginativa IRRESTRITA (esse é meu medo!),
apresentada sob a forma de conhecimento da revelação (palavra rhema e etc.,) e
da unção do Espírito Santo. Embora a apresentação tenda a ser mais
sofisticada na América do Norte, a tendência não é menos
real ou perigosa no Brasil e no contexto africano.
A alegorização ou espiritualização
é um método interpretativo popular, talvez preferido, tanto no Brasil quanto na
África (mas também praticado na América do Norte), e presta-se perfeitamente à
interpretação imaginativa e pode facilmente escapar ao escrutínio,
alegando o conhecimento da revelação como sua fonte. Por exemplo, as cinco
pedras na batalha de Davi com Golias (1Sm 17:40)
foram reivindicadas para representar “as cinco chagas de Jesus”, “as cinco
letras no nome JESUS”, “os cinco dons para a igreja” (Ef 4:11)
e o “Pentateuco” entre outras coisas. A eficácia desse método para
atrair multidões e estabelecer uma reputação para o pregador contribui para sua
popularidade. O potencial para interpretação herética é
óbvio; portanto, um corretivo apropriado para o abuso
de alegorização entre os pentecostais deve ser encontrado. À
medida que a influência dos pentecostais brasileiros e global aumenta
(soma-se mais de 500 milhões de pentecostais no mundo, sendo considerado a
terceira força da Cristandade) essa necessidade aumentará, mas uma
hermenêutica pentecostal do século XXI distinta atenderá a essa necessidade
crítica.
Lamentavelmente existem muitas
interpretações esdrúxulas, engraçadas, nojentas e abusivas no meio pentecostal,
principalmente entre os pregadores e igrejas neopentecostais. Tais
interpretações precisa ser rejeitas, corrigidas e até reorientada por uma
hermenêutica saudável.
Na obra A DISTINCT TWENTY-FIRST CENTERY
PENTECOSTAL HERMENEUTIC (Uma Distinta Hermenêutica Pentecostal do século XXI) o pastor e
teólogo pentecostal Harly Graydon Purdy[1] conta sobre “Uma
interpretação imaginativa oferecido por um pastor Pentecostal Africano baseada
em Gênesis 6.1-8. Ligando esse texto à Escritura que nos diz que podemos hospedar/acolher
anjos de surpresa/sem saber (Hb 13:2), o pastor afirmou que os anjos (os filhos
de Deus) continuam a se casar com as filhas dos homens [as crentes fiéis].
Esses casamentos no cenário contemporâneo, de acordo com esse pastor,
“casamentos celestiais”, devem ser altamente desejados. Os filhos desses
casamentos em Gênesis produziram descendentes que eram homens de renome e foi
interpretado como significando que os filhos desses "casamentos
celestes" eram indivíduos espirituais especialmente dotados que serviriam
como poderosas vozes proféticas e apostólicas na igreja. Este pastor então
encorajou as mulheres da congregação a orar para que elas pudessem ser tão
honradas e escolhidas para um casamento celestial. Essa é uma das
interpretações inovadoras que ouvi ou relatei aos meus alunos na sala de aula”.
O grande perigo que vejo é que as
interpretações desenfreadas e imaginativas (e alegorizadas) levarão o
pentecostalismo para a heresia (pode-se citar vários exemplos!). Vários
pastores e pregadores do Brasil e doutros países já mergulharam nesse penhasco,
pelo menos em parte devido à interpretação imaginativa IRRESTRITA. Eu acredito
que há uma grande necessidade de uma hermenêutica que abraça o caráter
distintivo do pentecostalismo, escapa à restrição da intenção autoral, ao
significado estático e à autonomia do método histórico-gramatical ao mesmo
tempo que estabelece limites apropriados em torno da interpretação criativa.
Por isso, tenho advogado uma “Hermenêutica
Pentecostal” saudável que respeita a intenção autoral, o método
histórico-gramatical (realçado pelos reformadores) e ao mesmo tempo faz uma
leitura “dinâmica e experiencial das Escrituras”[2]. Neste ponto somos
enriquecidos não somente pelas tradições teológicas (ou confessionais)
herdadas, mas também pelas experiências existenciais sob o impacto dinâmico do
trabalho contínuo do Espírito Santo no mundo.
O pentecostalismo, mais do que uma
forma “confessional” de cristianismo, é uma espiritualidade, um éthos e um conjunto de sensibilidades, e
essa combinação tem o potencial de despertar o leitor e estudioso das
Escrituras para o que chamamos de “hermenêutica pentecostal”. Igualmente, tenho
observado que a hermenêutica pentecostal é cristocêntrica (isso contra os aqueles
que dizem o contrário!). Nós acreditamos, no que ficou conhecido como o “Quadrilátero
Pentecostal”: Jesus salva, Jesus cura, Jesus batiza com o Espírito Santo e
Jesus voltará. Nesse sentido, a “Hermenêutica Pentecostal” pretende recuperar e
se apropriar novamente da mensagem apostólica (tal como a hermenêutica dos
reformadores!) de um modo mais vital e abrangente do que haviam experimentado
antes, de maneira que essa restauração era entendida desde o início como uma vida
mais plena no caminho e na tradição apostólicos sob os auspícios da “Promessa
do Pai” cumprida no dia de Pentecostes que revolucionou e esclareceu a crença e
vida dos primeiros cristãos. Por isso, a Espiritualidade Pentecostal ou o Cristianismo
Pentecostal não é mais um tipo ou modo de seguir a Cristo ou uma novidade no
mercado religioso; é simplesmente o crescimento na vivência da dádiva do
Espírito Santo que Cristo nos concede e vem da Direita do Pai (At 2.33). Nesse
ponto, advogamos que a “Hermenêutica Pentecostal” não é nada menos do que a
hermenêutica cristã, dedicada a
entender e depois a viver na prática a vida em Cristo POR MEIO DO ESPÍRITO
SANTO!
Nós acreditamos e convocamos a todos os
cristãos, baseado no Quadrilátero da Hermenêutica Pentecostal, a viver mais
plenamente a obra CONTÍNUA do Espírito Santo no mundo sob os auspícios do
Cristo glorificado que é central na nossa interpretação. Como pentecostais
clássicos (ou históricos) cremos no Sola
Scriptura da Reforma (Somente a Escritura). Não apenas no SOLA (Somente), mas também no TOTA Scriptura
(TODA Escritura!). Cremos no Batismo com o Espírito Santo (obra carismática) e
na atualidade dos dons para a edificação, crescimento e maturidade da Igreja (ênfase
teológica de Lucas). Isto, é claro, sem negligenciar a obra ontológica do Espírito Santo (vida cristã:
fruto, andar, guiar e etc., pelo Espírito Santo – ênfase teológica de Paulo).
Creio que a obra carismática do Espírito (perspectiva lucana) não deve ser
divorciada ou jogada contra a Sua obra ontológica (perspectiva paulina). Os
escritores bíblicos devem ser entendidos nos seus respectivos contextos e
perspectivas teológicas. Não sobrepomos as teologias, mas unimo-las num grande mosaico
da teologia bíblica.
Uma Hermenêutica genuinamente
Pentecostal trata da fidelidade bíblica não somente para aqueles que se
encontram em comunidades de fé pentecostais, mas para todos aqueles que desejam
seguir a Jesus como o Homem que foi ungido pelo Espírito Santo e que é o Cristo
ressurreto precisamente por meio do poder do Espírito Santo.
Deve-se pontuar que uma Hermenêutica Pentecostal
crer que a compreensão de textos antigos tem implicações contemporâneas (O
Espírito Santo aplica o texto! Lembro que li que João Calvino foi indagado: “O senhor não traz aplicações do texto? –
ele respondeu: Não, o Espírito Santo tem esta responsabilidade!”). Isso normalmente
é chamado de discipulado e, nós pentecostais podemos chamar de “discipulado do
Espírito”: “Espírito Santo trabalhando em nós para nos moldar ao caráter de
Cristo Jesus” (Rm 8.29). “Da perspectiva da hermenêutica geral, esse movimento
que, em expectativa, aponta para a frente envolve o que é identificado nesses
domínios como a dimensão pragmática ou até mesmo teleológica da leitura: como
nossa compreensão e recepção do passado conduzem à atividade libertadora no
presente apontando para fins que prenunciem um futuro melhor? Uma Hermenêutica
Pentecostal deve insistir em que essa dinâmica libertadora é desencadeada por
meio das realidades pentecostais da obra do Espírito Santo no mundo conforme o
roteiro sustentado pelo texto antigo das Escrituras”[3].
Uma outra coisa que devemos postular
para uma genuína Hermenêutica Pentecostal é o “casamento” do uso rigoroso do
intelecto e a excelência acadêmica com uma vida no Espírito Santo como
atividades espirituais, aguardando o reino vindouro de Deus. Cremos, como
pentecostais, que não há vida da mente
sem a vida espiritual que sustenta e
impele as atividades intelectuais. Isso pretende anular as polaridades
hermenêuticas e teológicas trazendo o equilíbrio na interpretação: intelectual versus pietista; acadêmico versus espiritual; cognitivo versus afetivo; racionalista versus carismático; eclesial versus público e etc., precisamos de um
caminho além dos binarismo e dualismo que alguns prefeririam exagerar.
Nós devemos nos esforçar para sermos
capazes de um espectro mais robusto de interpretação e vivência do que se as
extremidades desaparecessem. Na Hermenêutica Pentecostal deve-se buscar uma
união da mente e do coração para uma melhor e ousada compreensão das Escrituras.
Quando nosso Senhor abriu as Escrituras aos dois discípulos no Caminho de Emaús
tanto a mente foi iluminada quanto o coração deles foi aquecido (Lc 24.13-35). Nós
devemos ser pentecostais de mente e de coração!
O
“pentecoste é uma hermenêutica”!
Preciso concluir minhas colocações com
as palavras de James K. A. Smith em
seu precioso e desafiador livro:
E assim mesmo no Pentecostes, já vemos algo que
passamos a associar à pós-modernidade: um conflito de interpretações. A
complexidade do mundo e eventos dá origem à pergunta: "O que isso
significa?" (At 2.12), e, em resposta, podemos oferecer apenas
interpretações. Os escarnecedores oferecem sua própria interpretação dos
fenômenos (a “teoria do vinho”); Pedro corajosamente ofereceu uma alternativa
(a “teoria do Espírito” [“Hermenêutica do Espírito”]). E a ousada proclamação
da interpretação não garante que outros vejam o mundo da mesma maneira (nem
todos “receberam sua palavra” [v. 41]). No entanto, a interpretação que Pedro
oferece traz uma revolução. O que marca o Pentecostes, portanto, é a coragem
interpretativa de Pedro, que oferece uma nova estrutura hermenêutica. Pentecostes,
poderíamos dizer, é uma hermenêutica. E essa postura interpretativa é o que
marca a espiritualidade Pentecostal que funciona como nada menos do que uma
interpretação revolucionária do mundo, proclamada sem remorsos e contrária as
interpretações reinantes (“teorias do vinho”)[4].
Avante por uma Hermenêutica
Pentecostal!
Ivan Teixeira
[1] PURDY, Harlyn Graydon. A Distinct Twenty-First Century
Pentecostal Hermeneutic, p.7. An Imprint
of Wipf and Stock Publishers . EUA. Copyright © 2015.
(versão Kindle traduzida por
mim).
[2] Para citar KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito: Lendo as Escrituras à Luz do Pentecoste,
p.31. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 2018.
[3] KEENER, Craig S. A
Hermenêutica do Espírito: Lendo as Escrituras à Luz do Pentecoste, p.18.
São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 2018.
[4] SMITH, James K. A. Thinking in Languages: Pentecostal Contributions to Christian
Philosophy, Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2140 Oak Industrial Drive NE,
Grand Rapids, Michigan 49505 /PO Box 163, Cambridge CB3 9PU UK. (2010).
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