sábado, 4 de agosto de 2018

OS PERIGOS E AS DELÍCIAS DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA!


PENTECOSTE É UMA HERMENÊUTICA
Um Chamado à Hermenêutica Pentecostal Restrita!
Primeiros Passos

Há, sem dúvidas, algo de maravilhoso e extraordinário (e, é claro, ordinário) na interpretação das Escrituras Sagradas. A tarefa do intérprete é árdua, no entanto deliciosa/prazerosa quando sob os auspícios do Espírito Santo o intérprete se esforça gramatical, histórica e culturalmente para entender a revelação bíblica. É indescritível aquele momento quando você entende o que o “Espírito diz às igrejas”!
No entanto, ao longo da minha vida e ministério, tenho me preocupado cada vez mais com algumas das tendências que ocorrem no pentecostalismo (principalmente no movimento da “Terceira Onda” ou neopentecostalismo). Minha maior preocupação é na área da interpretação bíblica (visto que daqui deriva todo o restante!), conforme evidenciado na pregação praticada por muitos pastores. Tem havido uma tendência para a imaginação irrestrita sendo passada como revelação do Espírito Santo. Essa prática é especialmente problemática no contexto brasileiro, e até em igrejas brasileiras ou pastoreadas por brasileiros na Europa. Sem falar das igrejas pentecostais na África. No Brasil, quanto mais inovadora for a interpretação e “carismática” a entrega, maior a audiência que um pregador pode esperar. Essa realidade leva a uma tendência para uma interpretação imaginativa IRRESTRITA (esse é meu medo!), apresentada sob a forma de conhecimento da revelação (palavra rhema e etc.,) e da unção do Espírito Santo. Embora a apresentação tenda a ser mais sofisticada na América do Norte, a tendência não é menos real ou perigosa no Brasil e no contexto africano.
A alegorização ou espiritualização é um método interpretativo popular, talvez preferido, tanto no Brasil quanto na África (mas também praticado na América do Norte), e presta-se perfeitamente à interpretação imaginativa e pode facilmente escapar ao escrutínio, alegando o conhecimento da revelação como sua fonte. Por exemplo, as cinco pedras na batalha de Davi com Golias (1Sm 17:40) foram reivindicadas para representar “as cinco chagas de Jesus”, “as cinco letras no nome JESUS”, “os cinco dons para a igreja” (Ef 4:11) e o “Pentateuco” entre outras coisas. A eficácia desse método para atrair multidões e estabelecer uma reputação para o pregador contribui para sua popularidade. O potencial para interpretação herética é óbvio; portanto, um corretivo apropriado para o abuso de alegorização entre os pentecostais deve ser encontrado. À medida que a influência dos pentecostais brasileiros e global aumenta (soma-se mais de 500 milhões de pentecostais no mundo, sendo considerado a terceira força da Cristandade) essa necessidade aumentará, mas uma hermenêutica pentecostal do século XXI distinta atenderá a essa necessidade crítica.
Lamentavelmente existem muitas interpretações esdrúxulas, engraçadas, nojentas e abusivas no meio pentecostal, principalmente entre os pregadores e igrejas neopentecostais. Tais interpretações precisa ser rejeitas, corrigidas e até reorientada por uma hermenêutica saudável.
Na obra A DISTINCT TWENTY-FIRST CENTERY PENTECOSTAL HERMENEUTIC (Uma Distinta Hermenêutica Pentecostal do século XXI) o pastor e teólogo pentecostal Harly Graydon Purdy[1] conta sobre “Uma interpretação imaginativa oferecido por um pastor Pentecostal Africano baseada em Gênesis 6.1-8. Ligando esse texto à Escritura que nos diz que podemos hospedar/acolher anjos de surpresa/sem saber (Hb 13:2), o pastor afirmou que os anjos (os filhos de Deus) continuam a se casar com as filhas dos homens [as crentes fiéis]. Esses casamentos no cenário contemporâneo, de acordo com esse pastor, “casamentos celestiais”, devem ser altamente desejados. Os filhos desses casamentos em Gênesis produziram descendentes que eram homens de renome e foi interpretado como significando que os filhos desses "casamentos celestes" eram indivíduos espirituais especialmente dotados que serviriam como poderosas vozes proféticas e apostólicas na igreja. Este pastor então encorajou as mulheres da congregação a orar para que elas pudessem ser tão honradas e escolhidas para um casamento celestial. Essa é uma das interpretações inovadoras que ouvi ou relatei aos meus alunos na sala de aula”.
O grande perigo que vejo é que as interpretações desenfreadas e imaginativas (e alegorizadas) levarão o pentecostalismo para a heresia (pode-se citar vários exemplos!). Vários pastores e pregadores do Brasil e doutros países já mergulharam nesse penhasco, pelo menos em parte devido à interpretação imaginativa IRRESTRITA. Eu acredito que há uma grande necessidade de uma hermenêutica que abraça o caráter distintivo do pentecostalismo, escapa à restrição da intenção autoral, ao significado estático e à autonomia do método histórico-gramatical ao mesmo tempo que estabelece limites apropriados em torno da interpretação criativa.
Por isso, tenho advogado uma “Hermenêutica Pentecostal” saudável que respeita a intenção autoral, o método histórico-gramatical (realçado pelos reformadores) e ao mesmo tempo faz uma leitura “dinâmica e experiencial das Escrituras”[2]. Neste ponto somos enriquecidos não somente pelas tradições teológicas (ou confessionais) herdadas, mas também pelas experiências existenciais sob o impacto dinâmico do trabalho contínuo do Espírito Santo no mundo.
O pentecostalismo, mais do que uma forma “confessional” de cristianismo, é uma espiritualidade, um éthos e um conjunto de sensibilidades, e essa combinação tem o potencial de despertar o leitor e estudioso das Escrituras para o que chamamos de “hermenêutica pentecostal”. Igualmente, tenho observado que a hermenêutica pentecostal é cristocêntrica (isso contra os aqueles que dizem o contrário!). Nós acreditamos, no que ficou conhecido como o “Quadrilátero Pentecostal”: Jesus salva, Jesus cura, Jesus batiza com o Espírito Santo e Jesus voltará. Nesse sentido, a “Hermenêutica Pentecostal” pretende recuperar e se apropriar novamente da mensagem apostólica (tal como a hermenêutica dos reformadores!) de um modo mais vital e abrangente do que haviam experimentado antes, de maneira que essa restauração era entendida desde o início como uma vida mais plena no caminho e na tradição apostólicos sob os auspícios da “Promessa do Pai” cumprida no dia de Pentecostes que revolucionou e esclareceu a crença e vida dos primeiros cristãos. Por isso, a Espiritualidade Pentecostal ou o Cristianismo Pentecostal não é mais um tipo ou modo de seguir a Cristo ou uma novidade no mercado religioso; é simplesmente o crescimento na vivência da dádiva do Espírito Santo que Cristo nos concede e vem da Direita do Pai (At 2.33). Nesse ponto, advogamos que a “Hermenêutica Pentecostal” não é nada menos do que a hermenêutica cristã, dedicada a entender e depois a viver na prática a vida em Cristo POR MEIO DO ESPÍRITO SANTO!
Nós acreditamos e convocamos a todos os cristãos, baseado no Quadrilátero da Hermenêutica Pentecostal, a viver mais plenamente a obra CONTÍNUA do Espírito Santo no mundo sob os auspícios do Cristo glorificado que é central na nossa interpretação. Como pentecostais clássicos (ou históricos) cremos no Sola Scriptura da Reforma (Somente a Escritura). Não apenas no SOLA (Somente), mas também no TOTA Scriptura (TODA Escritura!). Cremos no Batismo com o Espírito Santo (obra carismática) e na atualidade dos dons para a edificação, crescimento e maturidade da Igreja (ênfase teológica de Lucas). Isto, é claro, sem negligenciar a obra ontológica do Espírito Santo (vida cristã: fruto, andar, guiar e etc., pelo Espírito Santo – ênfase teológica de Paulo). Creio que a obra carismática do Espírito (perspectiva lucana) não deve ser divorciada ou jogada contra a Sua obra ontológica (perspectiva paulina). Os escritores bíblicos devem ser entendidos nos seus respectivos contextos e perspectivas teológicas. Não sobrepomos as teologias, mas unimo-las num grande mosaico da teologia bíblica.
Uma Hermenêutica genuinamente Pentecostal trata da fidelidade bíblica não somente para aqueles que se encontram em comunidades de fé pentecostais, mas para todos aqueles que desejam seguir a Jesus como o Homem que foi ungido pelo Espírito Santo e que é o Cristo ressurreto precisamente por meio do poder do Espírito Santo.
Deve-se pontuar que uma Hermenêutica Pentecostal crer que a compreensão de textos antigos tem implicações contemporâneas (O Espírito Santo aplica o texto! Lembro que li que João Calvino foi indagado: “O senhor não traz aplicações do texto? – ele respondeu: Não, o Espírito Santo tem esta responsabilidade!”). Isso normalmente é chamado de discipulado e, nós pentecostais podemos chamar de “discipulado do Espírito”: “Espírito Santo trabalhando em nós para nos moldar ao caráter de Cristo Jesus” (Rm 8.29). “Da perspectiva da hermenêutica geral, esse movimento que, em expectativa, aponta para a frente envolve o que é identificado nesses domínios como a dimensão pragmática ou até mesmo teleológica da leitura: como nossa compreensão e recepção do passado conduzem à atividade libertadora no presente apontando para fins que prenunciem um futuro melhor? Uma Hermenêutica Pentecostal deve insistir em que essa dinâmica libertadora é desencadeada por meio das realidades pentecostais da obra do Espírito Santo no mundo conforme o roteiro sustentado pelo texto antigo das Escrituras”[3].
Uma outra coisa que devemos postular para uma genuína Hermenêutica Pentecostal é o “casamento” do uso rigoroso do intelecto e a excelência acadêmica com uma vida no Espírito Santo como atividades espirituais, aguardando o reino vindouro de Deus. Cremos, como pentecostais, que não há vida da mente sem a vida espiritual que sustenta e impele as atividades intelectuais. Isso pretende anular as polaridades hermenêuticas e teológicas trazendo o equilíbrio na interpretação: intelectual versus pietista; acadêmico versus espiritual; cognitivo versus afetivo; racionalista versus carismático; eclesial versus público e etc., precisamos de um caminho além dos binarismo e dualismo que alguns prefeririam exagerar.
Nós devemos nos esforçar para sermos capazes de um espectro mais robusto de interpretação e vivência do que se as extremidades desaparecessem. Na Hermenêutica Pentecostal deve-se buscar uma união da mente e do coração para uma melhor e ousada compreensão das Escrituras. Quando nosso Senhor abriu as Escrituras aos dois discípulos no Caminho de Emaús tanto a mente foi iluminada quanto o coração deles foi aquecido (Lc 24.13-35). Nós devemos ser pentecostais de mente e de coração!

O “pentecoste é uma hermenêutica”!
Preciso concluir minhas colocações com as palavras de James K. A. Smith em seu precioso e desafiador livro:
E assim mesmo no Pentecostes, já vemos algo que passamos a associar à pós-modernidade: um conflito de interpretações. A complexidade do mundo e eventos dá origem à pergunta: "O que isso significa?" (At 2.12), e, em resposta, podemos oferecer apenas interpretações. Os escarnecedores oferecem sua própria interpretação dos fenômenos (a “teoria do vinho”); Pedro corajosamente ofereceu uma alternativa (a “teoria do Espírito” [“Hermenêutica do Espírito”]). E a ousada proclamação da interpretação não garante que outros vejam o mundo da mesma maneira (nem todos “receberam sua palavra” [v. 41]). No entanto, a interpretação que Pedro oferece traz uma revolução. O que marca o Pentecostes, portanto, é a coragem interpretativa de Pedro, que oferece uma nova estrutura hermenêutica. Pentecostes, poderíamos dizer, é uma hermenêutica. E essa postura interpretativa é o que marca a espiritualidade Pentecostal que funciona como nada menos do que uma interpretação revolucionária do mundo, proclamada sem remorsos e contrária as interpretações reinantes (“teorias do vinho”)[4].

Avante por uma Hermenêutica Pentecostal!
Ivan Teixeira


[1] PURDY, Harlyn Graydon. A Distinct Twenty-First Century Pentecostal Hermeneutic, p.7. An Imprint of Wipf and Stock Publishers. EUA. Copyright © 2015. (versão Kindle traduzida por mim).
[2] Para citar KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito: Lendo as Escrituras à Luz do Pentecoste, p.31. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 2018.
[3] KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito: Lendo as Escrituras à Luz do Pentecoste, p.18. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 2018.
[4] SMITH, James K. A. Thinking in Languages: Pentecostal Contributions to Christian Philosophy, Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2140 Oak Industrial Drive NE, Grand Rapids, Michigan 49505 /PO Box 163, Cambridge CB3 9PU UK. (2010).


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