terça-feira, 15 de setembro de 2020

Dispensacionalismo, Pré-Tribulacionismo, Israel e Pentecostalismo


Pode-se dizer que quando o Movimento Pentecostal se iniciou no epicentro histórico de Topeka e Azusa no século XX tanto o dispensacionalismo quanto o pré-tribulacionismo milenarista com sua crença na restauração futura de Israel já eram sistemas escatológicos de interpretação bem presentes e crescentes desde o século XIX.

O Pentecostalismo por ser de per si um movimento pneumatológico, ou seja, do Espírito, necessariamente postularia uma forte visão escatológica em seu contexto.

Tal como se ver no Novo Testamento após o derramamento do Espírito, o Pentecostalismo também foi marcado por uma forte expectativa do Retorno do Senhor Jesus. Os temas integrantes dos cristãos primitivos como a primeira vinda do Messias na plenitude dos tempos, a chegada do Reino de Deus com poder e o derramamento do Espírito Santo e as manifestações dos Seus dons, também foram temas integrantes e importantes num movimento oriundo e marcado pelo derramamento do Espírito. Não se pode negar que o tema integrador do pregação pentecostal dos cinco pontos (Jesus salva, cura, santifica, batiza e voltará) foi a escatologia (doutrina das últimas coisas).

Pode-se dizer que os primeiros pentecostais se consideravam o povo dos últimos dias, pois acreditavam que estavam experimentando as “últimas chuvas” (late rain) que os preparariam para a grande colheita de almas e para a vinda do Senhor Jesus.

As Assembleias de Deus, maior denominação pentecostal do mundo, tanto no Brasil quanto nos EUA, são notoriamente dispensacionalista, pré-tribulacional e pré-milenarista. Nossa Declaração de Fé postula verdades escatológicas dispensacionalista pré-tribulacional e pré-milenarista:

Cremos na volta iminente, no arrebatamento pré-tribulacional, num período específico e profético de tempo chamado de Grande Tribulação, e na Segunda Vinda em glória.

(1) CREMOS, professamos e ensinamos que a Segunda Vinda de Cristo é um evento a ser realizado em duas fases. A primeira é o arrebatamento da igreja antes da Grande Tribulação (1Tessalonicenses 1.10; 5.9), momento este em que “nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados” (1Tessalonicenses 4.17); a segunda fase é a Sua vinda em glória depois da Grande Tribulação e visível aos olhos humanos: “Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre Ele. Sim! Amém!” (Apocalipse 1.7). Nessa vinda gloriosa, Jesus retornará com os santos arrebatados da terra: “na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os Seus santos (1Tessalonicenses 3.13)[1].

 

Cremos também no Milênio com duração de mil anos, e na prisão de Satanás. Não acreditamos num reino simbólico e numa prisão simbólica.

(2) O Milênio é o Reino de Cristo com duração de mil anos que terá início por ocasião da vinda de Cristo em glória com os Seus santos. Todos os que estiverem vivos na terra após esses acontecimentos serão submetidos ao governo de Jesus Cristo (Zacarias 14.16; Filipenses 2.10,11). Nesse período, Satanás estará aprisionado no abismo (Apocalipse 20.2,3)[2].

 

Esses dois pontos da nossa Declaração de Fé são suficientes para destacar os postulados credais de nossa denominação: Arrebatamento da Igreja antes da Grande Tribulação e a Volta em glória de Cristo com Sua igreja no final da Tribulação para iniciar o milênio. Estes são pontos distintivos da escatologia pentecostal encontrada já no início do Movimento e se tornou uma das bandeiras doutrinárias de nossas Assembleias de Deus no Brasil. É digno de pontuar que estes e outros assuntos escatológicos sempre estiveram presentes no kerygma (pregação) e na didaskalia (ensino) dos pregadores pentecostais. Como membro das assembleias de Deus desde minha tenra adolescência sou testemunha ocular que os temas escatológicos eram bem presentes nas pregações, ensinos, EBD’s e conversas particulares. Os pentecostais são o povo do Espírito e do porvir!

As Assembleias de Deus dos EUA nos seus 16 Artigos da Declaração de Verdades Fundamentais também postulam uma escatologia dispensacionalista pré-tribulacional e pré-milenarista. A Declaração de Verdades Fundamentais foi preparada em 1916 primariamente por Daniel Warren Kerr[3], depois revisada e ampliada por uma comissão em 1960, e adotada pelo Concílio Geral em 1961, e exposta por William Menzies no seu livro Understanding Our Doctrine e depois revisado e ampliado por Stanley Horton em Bible Doctrines; A Pentecostal Perspective[4]. O Dr. Horton acentua seguintes três grandes verdades de nosso interesse na temática escatológica:

(1) Clara crença na doutrina da iminência (diferente da brasileira, a Declaração de fé dos nossos irmãos americanos é mais clara nesta importante doutrina chave para o arrebatamento da Igreja antes da Grande Tribulação) numa Vinda em duas fases: A ressurreição e o arrebatamento dos que dormem em Cristo, juntamente com os santos que estiverem vivos, é a iminente e bendita esperança da Igreja (Romanos 8.23; 1Coríntios 15.51,52; 1Tessalonicenses 4.16,17; Tito 2.13)[5]. A definição da “segunda vinda de Cristo” é bastante ampla; é vista pelo menos de duas maneiras diferentes. É localizada, às vezes, para indicar o drama dos tempos do fim, abrangendo tanto o arrebatamento da Igreja quanto a revelação de Cristo em glória no monte das Oliveiras (Zacarias 14.4). Outras vezes, é enfocada especificamente para diferençar a revelação de Cristo do arrebatamento da Igreja que a antecederá”[6]. “Após o arrebatamento, haverá um tempo de terrível tribulação e angústia predito pelos profetas do Antigo Testamento”[7].

Claramente a 13ª Verdade Fundamental trata do arrebatamento iminente e pré-tribulacional da Igreja.

 

(2) Clara crença na implantação do Reino messiânico de mil anos na Terra, e a salvação de Israel: A segunda vinda de Cristo inclui o arrebatamento dos santos, nossa bendita esperança. É seguida pela volta visível de Cristo com seus santos, para reinar sobre a terra por mil anos (Zacarias 14.5; Mateus 24.27,30; Apocalipse 1.7; 19.11-14; 20.1-6). Esse reino trará a salvação a Israel (Ezequiel 37.21,22; Sofonias 3.19,20; Romanos 11.26,27) e o estabelecimento da paz universal (Salmos 72.3-8; Isaías 11.6-9; Miquéias 4.3,4)[8].

(3) Claramente a 14ª Verdade Fundamental prescreve a Vinda pré-milenar e um Reino literal de mil anos na Terra. MENZIES & HORTON pontuam: “A Igreja Primitiva acreditava que Cristo retornaria para estabelecer o Seu Reino e reinar em Jerusalém como o verdadeiro e final Herdeiro do trono de Davi. Aceitava-se como literal a promessa de Jesus de que os 12 apóstolos sentar-se-iam sobre 12 tronos, para julgar e governar as 12 tribos do Israel já restaurado (Mateus 19.28)”[9].

 

Notamos claramente mais dois pontos chaves do dispensacionalismo: a interpretação e cumprimento literal das profecias e a distinção bíblica de Israel e da Igreja. Cremos que a Igreja se iniciou no dia de Pentecostes e de maneira nenhuma substituiu ou tirou Israel do plano de Deus. Na hermenêutica assembleiana, seguindo a interpretação dispensacionalista, não se confunde Israel com a Igreja e nem espiritualiza as bênçãos de Israel para aplica-las a Igreja como sinal de que a Igreja substituiu Israel. Como disse Paulo: “Deus não rejeitou o Seu povo, que antes conheceu” (Romanos 11.2). Portanto, rejeitamos peremptoriamente a “teologia da substituição” ou o “supersessionismo”. Respeito os seus proponentes, mas tal ensino deve ser rejeitado como não bíblico, pois se baseia apenas nas inferências teológicas distantes do pensamento dos autores bíblicos, alinhando-se apenas a certa Sistematização da Teologia.

 

Restauração e salvação futuras de Israel!

Nós entendemos que a salvação e a restauração de Israel são reafirmadas no Novo Testamento (cf. Mateus 19.28; 23.93; Atos 1.6; 3.19-21; Romanos 11.26-27). A Declaração de Fé das AD’s do Brasil pontua: “O Senhor Jesus assentar-se-á sobre o trono de Davi e, de Jerusalém, reinará sobre toda a humanidade (Miquéias 4.2-4). Esse reino trará salvação a Israel (Ezequiel 37.22,23); será a conclusão do programa divino sobre o povo de Deus, Israel (Sofonias 3.19,20)”[10].

Cremos piamente que Deus não reformulou, ressignificou, reinterpretou, alegorizou ou espiritualizou as profecias relacionadas a Israel. Abraçamos a mesma compreensão das profecias que são tomadas, interpretadas e entendidas no sentido usual comum, literal, gramatical e histórico que possibilitou o cumprimento literal das quase 120 profecias em Cristo.

Cremos que a incredulidade e o endurecimento de Israel não ressignificou as profecias e as promessas referentes a Israel e as transferiu para a Igreja, mas apenas, como disse Paulo, possibilitou que os gentios com os judeus crentes formassem a Igreja para posteriormente, completado a “plenitude dos gentios”, Deus tratasse novamente com o Seu povo, Israel, segundo Suas alianças e promessas incondicionais.

Não ignoramos que Paulo falou sobre a “queda”, a “diminuição” e até a “rejeição” de Israel, mas sem negar sua “plenitude”, e futura “admissão” e “salvação” (Romanos 11.12,15,26). A “rejeição” foi temporária para demonstrar uma misericórdia ainda maior. Isso já tinha sido discorrido pelo profeta Isaías: “Por um breve momento te deixei, mas com grandes misericórdias te recolherei. Com um pouco de Ira escondi a Minha Face de ti por um momento; mas com benignidade eterna me compadecerei de ti, diz o SENHOR, o teu Redentor” (54.7-8; 49.14-16; 54.1-5, 9-17). Promessas fantásticas!

Segundo o apóstolo dos gentios a situação atual de “endurecimento” (v.25) e “incredulidade” (v.20,23) de Israel, “veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado” (v.25). “E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, e desviará de Jacó as impiedades. E esta será a minha Aliança com eles, Quando Eu tirar os seus pecados” (Romanos 11.25-27). Não tem como negar a literalidade do cumprimento destas profecias (e outras!) do Antigo Testamento sobre a futura restauração e salvação de “todo o Israel” no programado profético de Deus! Pergunta-se: Deus “rejeitou o Seu povo, que antes conheceu”?, com Paulo eu digo altissonante: “De modo nenhum!” (Romanos 11.1,2).

Eu digo uma coisa: A segurança e permanência da eleição de Israel garante a segurança e a permanência da eleição da Igreja! Se Deus rejeitou Israel permanentemente como ensinam algumas teologias, quem garante que a Igreja pela sua incredulidade, endurecimento e pecados não faça com que Deus também não a rejeite, se assim Ele o quiser?

Só em pensar nesta possibilidade da quebra das Alianças por parte de Deus nos deixa trêmulos! No entanto, as palavras de Paulo são fortes: “Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; MAS, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento” (Romanos 11.28). O mesmo Deus que encerrou Israel debaixo da desobediência para salvação dos gentios, irá, quando se completar a “plenitude dos gentios”, fazer com que todo o Israel alcance a misericórdia: “para com todos usar de misericórdia” (v.32).

Por tamanha revelação e misericórdia todos devem fazer o que Paulo fez: adorar! (vv.33-36):

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os Seus juízos, e quão inescrutáveis, os Seus caminhos!

Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o Seu conselheiro?

Ou quem primeiro deu a Ele para que Lhe venha a ser restituído?

Porque d’Ele, e por meio d’Ele, e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente. Amém!

 

Ivan Teixeira

 



[1] Declaração de Fé das Assembleias de Deus: Jesus salva cura, batiza no Espírito Santo e breve voltará, p.185. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: CPAD, 5ª impressão, 2018.

[2] Declaração de Fé, 2018, p.189.

[3] BRUMBACK, Carl. Like a River: The Early Yars of the Assemblies of God, p.55. Springfield, Mo.: Gospel Publishing House, 1977.

[4] Lançado no Brasil pela CPAD como Doutrinas Bíblicas: Os Fundamentos da Nossa Fé.

[5] MENZIES, William & HORTON, Stanley. Doutrinas Bíblicas: Os Fundamentos da Nossa Fé, p.174. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: CPAD, 1995 – (10ª impressão).

[6] MENZIES & HORTON, 1995, p.179.

[7] MENZIES & HORTON, 1995, p.181.

[8] MENZIES & HORTON, 1995, p.190.

[9] MENZIES & HORTON, p.193.

[10] Declaração de Fé das Assembleias de Deus, p.189. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: CPAD, 5ª impressão, 2018.

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