quarta-feira, 16 de setembro de 2020

O CASO DO ARREBATAMENTO PRÉ-TRIBULACIONAL E O DR. JOHN GILL

 

 O Dr. William E. Bell em sua dissertação doutoral A Critical Evaluation of the Pretribulation Rapture Doctrine in Christian Eschatology (Uma Avaliação Crítica da Doutrina do Arrebatamento Pré-Tribulacional na Escatologia Cristã) descreve critérios necessários para que seja provada a antiguidade do ensino sobre o Arrebatamento pré-tribulacional, sendo seu desafio, citar alguma evidência ou indício de que alguém tenha ensinado um arrebatamento pré-tribulacional da Igreja antes de 1830. Essa postulação desafiadora tem sido um ponto basilar no argumento pós-tribulacional.

Tenho algumas observações a princípio. Primeiro, quem deu poderes a qualquer erudito para estabelecer certos critérios pessoais, claro, baseado na sua visão Sistemática, sobre a validade de uma doutrina que ele discorda? Segundo, quem estabeleceu o princípio de que a validade de uma doutrina bíblica é comprovada pela antiguidade do seu ensino meramente? Terceiro, ensino antigo não significa que é bíblico. Muita coisa que foi ensinado por estudiosos antigamente não têm bases bíblicas, são claramente produtos da especulação pessoal filosófica. Quarto, para mim a validade de um ensino repousa não em sua antiguidade nos anais de ensino do Cristianismo, apesar de sua importância, mas em seu embasamento bíblico. Então a pergunta certa não é: “Qual teólogo antigo ensinou?”. Mas, “a Bíblia ensina?”. Ainda podemos pontuar que as doutrinas bíblicas tiveram seus desenvolvimentos em pontos importantes da História da Igreja, e também afirmamos que não temos na Bíblia um tratado arrumadinho (Sistemático) das doutrinas bíblicas.

A incoerência desses críticos é tão grande que se fôssemos aplicar os critérios deles noutros temas da Teologia Sistemática ficaria mais uma vez revelado a pobreza argumentativa. Será que acharíamos as postulações calvinistas ou arminianistas antes de Calvino e Armínio respectivamente? Claro que não! Pode-se encontrar ideias seminais, mas não o sistema tal como postulado por eles e, principalmente pelos seus discípulos. Assim é com o dispensacionalismo. Nunca encontraremos suas postulações antes do seu grande sistematizador, e não vamos encontra-lo tal como sistematizado pelos eruditos posteriores tal como temos hoje. Mas as ideias, as sementes e certos pontos podem ser localizados.

O Dr. Wayne Grudem salienta que o trabalho do teólogo sistemático é reunir todos os dados ou referências sobre determinado assunto bíblico e daí construir o entendimento e implicações da doutrina em pauta. E, sem dúvidas, a doutrina do arrebatamento pré-tribulacional pode ser elaborada a partir das referências bíblicas.

Entretanto, meu ponto neste artigo não é trazer os dados escriturísticos, fá-lo-ei oportunamente, mas pontuar que o ensino do arrebatamento pré-tribulacional pode ser visto antes de 1830. Meu argumento é provar que este ensino não foi produto de John Nelson Darby ou invenção da jovem Margaret MacDonald como tem pontuado certos críticos. Aliás, vale pontuar que o Dr. Darby foi o grande sistematizador da doutrina, mas não o professor que a originou. Noutro artigo fiz uma citação do Dr. Erickson provando a possibilidade das “sementes do pré-tribulacionismo nos Pais da Igreja”.

O Dr. John N. Darby foi influenciado pelos mestres da Universidade Trinity College. Temos três influenciadores da teologia de Darby: o Deão da escola Richard Graves (1763–1829); Edward Hincks bibliotecário-assistente do Trinity College em 1814 e Thomas Elrington, que serviu como administrador de 1811 a 1820. Cada um desses grandes eruditos do Trinity College tiveram participação na formação teológica do brilhante estudante John Nelson Darby. Então, apesar de seu brilhantismo acadêmico na sistematização da doutrina dispensacionalista pré-tribulacional, o Dr. Darby não originou o ensino, mas apenas se tornou, claramente, o “pai sistematizador” do ensino das Escrituras. Ele se alinha a muitos outros grandes teólogos que sistematizaram os ensinos bíblicos como Agostinho, Tomas de Aquino, João Calvino, Jacó Armínio e muitos outros.

 

John Gill e seus postulados pré-tribulacional!

Enfim, em 1748 um famoso teólogo calvinista chamado John Gill publicou seu comentário sobre o Novo Testamento. Comentando sobre 1Tessalonicenses 4.15-17, o ele indica que Paulo estava ensinando “algo novo e extraordinário”. O Dr. Gill chama o traslado dos santos de “Arrebatamento” e exorta à vigilância porque “será súbito e desconhecido de antemão e ocorrerá quando menos considerado e esperado”[1]. Esse é o ensino mais claro e detalhado sobre o Arrebatamento Pré-Tribulacional iminente encontrado antes de John N. Darby colocando por terra a crítica que afirma que o Dr. Darby “inventou” o “rapto secreto antes da Grande Tribulação”. Não tem como negar e é significativo que o calvinista John Gill tenha ensinado um Arrebatamento iminente, súbito, que podia acontecer a qualquer momento. Ao comentar sobre 1Tessalonicenses 5.1 ele escreveu: “Era fato bem conhecido que isso [o arrebatamento] aconteceria subitamente, em hora desconhecida, como a vinda de um ladrão na noite”.

 

Citação completa do Comentário de John Gill

John Gill no seu comentário de 1Tessalonicenses 4.13-18 salienta que o ensino do apóstolo Paulo sobre a Vinda do Senhor deve “[...] despertar o cuidado, circunspecção, diligência e vigilância dos santos, visto que não se poderia saber quando o Senhor virá: no entanto, daí parece que haverá santos vivos na Segunda Vinda de Cristo; Ele sempre terá uma semente para servi-lo até que volte; [...]”. Esse comentário de John Gill salienta o que Paulo ensinou que nem todos os cristãos morrerão, mas, por ocasião da Vinda do Senhor, muitos cristãos estariam vivos: “[...] nós, os que ficarmos vivos para a Vinda do Senhor, [...] (v.15).

Sobre a frase paulina: “Dizemo-vos, pois, isto, pela Palavra do Senhor” (v.15), John Gill comenta:

O apóstolo tem algo novo e extraordinário para revelar, a respeito da vinda de Cristo, a primeira ressurreição, ou a ressurreição dos santos, a transformação dos santos vivos, e o arrebatamento tanto dos ressuscitados quanto dos vivos nas nuvens para encontrar Cristo no ar, [...]; seja em alusão aos profetas antigos, aos quais se diz que a palavra do Senhor viria, e que geralmente apresentavam suas profecias com um “Assim diz o Senhor”; [...] significando que o que ele estava prestes a dizer não era uma fantasia e conjectura própria, o fruto e produto de seu próprio cérebro, mas o que ele poderia afirmar sobre um fundamento seguro, sobre a melhor e maior autoridade, sim, a palavra do Senhor; [...], ele recebeu imediatamente de Cristo; e pode ser quando ele mesmo foi arrebatado ao terceiro céu, e teve uma experiência em si mesmo de algo daquilo que os santos vivos e ressuscitados sentirão, quando eles forem arrebatados juntos nas nuvens; visto que a mudança dos santos vivos, no momento da ressurreição dos mortos, é um mistério que parece ter sido primeiro dado a conhecer e descoberto pelo apóstolo Paulo (cf. 1Coríntios 15.51)[2].

Percebe-se que o ensino da ressurreição dos que dormem em Cristo, e a transformação dos crentes vivos e o arrebatamento deles juntamente para o encontro do Senhor nos ares é algo “novo” e produto da “palavra do Senhor” a Paulo. Não há tão ensino antes, mas é produto da progressividade da revelação. Ensinos anteriores sobre a Vinda do Senhor não descrevem essa “fase” que se dará particularmente para ressuscitar os mortos crentes e transformar os crentes vivos para depois, num abrir e fechar de olhos, arrebata-los para o encontro do Senhor nos ares. No entanto, percebemos que um dia antes da crucificação o Senhor Jesus no Cenáculo Alto começou a descortinar esse aspecto da Sua Vinda para os Seus apóstolos (João 14.1-3). Creio que Paulo se referiu a esse ensino do Senhor quando disse: “Dizemo-vos, pois pela Palavra do Senhor” ou mesmo a partir dela desenvolvido o entendimento de 1Tessalonicenses 4.13-18. Então, para ser mais preciso, é “novo” no sentido de esclarecer e revelar detalhes desse ensino do Senhor sobre o “arrebatamento” (1Tessalonicenses) ou o “tomar” (João) dos crentes para Si. Com o Dr. Gill, também podemos presumir que Paulo “[...] recebeu imediatamente de Cristo; e pode ser quando ele mesmo foi arrebatado ao terceiro céu, e teve uma experiência em si mesmo de algo daquilo que os santos vivos e ressuscitados sentirão, quando eles forem arrebatados juntos nas nuvens; [...]”[3].

 

Arrebatados a encontrar o Senhor nos ares!

v.17: [...] seremos arrebatados [...] a encontrar o Senhor nos ares, [...]. John Gill comenta:

[...] para onde ele descerá, e então limpará as regiões do ar de Satanás e seu bando de demônios, que agora vagam por ali, tendo todas as oportunidades e aproveitando todas as vantagens para fazer o mal na terra; estes então cairão como relâmpagos do céu, e serão amarrados e encerrados no abismo sem fundo, até que os mil anos terminem: [Nos ares] Cristo irá parar e será visível a todos, e tão facilmente discernido por todos, bons e maus, como o corpo do sol ao meio-dia; ainda não descerá à terra, porque não é adequado recebê-lo; mas quando isso e suas obras forem queimados, e for purificado e limpado pelo fogo, e se tornar uma nova terra, Ele descerá sobre ela e habitará com Seus santos nela: e isso sugere outra razão pela qual Ele permanecerá nos ares, e Seus santos o encontrarão lá, e a quem Ele levará com ele ao terceiro céu, até que a conflagração geral e o incêndio do mundo acabem, e para preservá-los disso; e então todos os eleitos de Deus descerão do céu como uma noiva adornada para seu marido, e Ele com eles, e o tabernáculo de Deus estará com os homens (Apocalipse 21.1)[4].

 

Como salientado pelo Dr. Grant R. Jeffrey, embora haja uma certa ambiguidade no ensino do Dr. Gill sobre a cronologia e a sequência dos eventos proféticos, é vital notar o que ele declarou[5]:

1. O Senhor descerá até aos ares;

2. Os santos serão arrebatados para encontra-lO nos ares;

3. Nos ares Cristo parará e será visível a todos;

4. Cristo não descerá imediatamente à Terra, pois esta não estará pronta para recebe-lO;

5. Ele levará os santos com Ele para o terceiro céu, até que a conflagração, purificação, limpeza e queima do mundo terminem;

6. O objetivo de o Senhor levar os santos para os ares e depois para o terceiro céu é “para preservá-los disso”, ou seja, do período de purificação, limpeza e conflagração na Terra (Grande Tribulação?);

7. Depois disso todos os eleitos de Deus descerão do céu.

8. Então eles estarão com Ele, esteja onde estiver;

a) Primeiro nos ares, onde O encontrarão;

b) Depois no terceiro céu, para onde irão com Ele;

c) Depois na terra, para onde descerão e onde reinarão com Ele por mil anos.

 

Apesar da ambiguidade da cronologia profética em seus escritos, visto que ele não postula uma cronologia profética tal como a temos nos compêndios Sistemáticos atualmente, o Dr. John Gill percebe que passagens bíblicas implicam num arrebatamento tanto dos vivos transformados quanto dos mortos ressuscitados aos ares para o encontro do Senhor que conduzirá o povo de Deus ao terceiro céu para depois voltar à Terra para o reino de mil anos com o Messias. Apesar de hoje os calvinistas sejam em sua maioria pós-milenistas ou amilenistas, o Dr. Gill sendo calvinista é claramente pré-milenista. No seu comentário ele cita fontes judaicas sobre o reinado do Messias na Terra após a ressurreição dos santos: “nossos Rabinos dizem duas coisas, ou dão duas razões, por que os pais amavam ser enterrados na terra de Israel, porque os mortos na terra de Israel, “vivem” ou “ressuscitam primeiro”, nos dias de o Messias, e desfrutarão os anos do Messias”[6].

Nós temos uma declaração do calvinista e comentarista John Gill, mas de 80 anos antes do ensino do Dr. Darby em 1830, sobre a iminência pré-tribulacional da vinda do Senhor Jesus para arrebatar a Igreja. Então, os que atacam o Arrebatamento pré-tribulacional afirmando ser ele uma inovação doutrinária e, consequentemente uma mera teoria de escape do século XIX, mas jamais ensinada ao longo da História da Igreja, precisam familiarizar-se com esse e outros importantes textos que veremos oportunamente. O escritor francês Joubert escreveu certa vez: “Nada torna os homens mais imprudentes e vaidosos como a ignorância do passado e o desprezo por velhos livros”[7]. Voltemo-nos, pois, às fontes (Ad Fontes), mormente das Escrituras nas quais oportunamente trataremos do assunto!

Devo concluir afirmando que consultando as obras do Dr. John Gill e doutros teólogos como Efraim, o Sírio (373 d.C) e os Pais da Igreja como Ireneu, nós não encontraremos uma postulação Sistemática sobre o Pré-Tribulacionismo Dispensacional tal como encontrada HOJE nas obra de teólogos como Lewis Sperry Chafer, Henry C. Thiessen, Paul Enns, Charles Ryrie, Charles e John Feinberg, John Walvoord, Dwight Pentecost, Arnold Fruchtenbaum, Tim Lahaye, Thomas Ice, Ed Hindson, Grant R. Jeffrey, Larry V. Crutchfield, Mal Couch e grande outros eruditos pré-tribulacional dispensacionalistas, mas, sem dúvidas, como se tem demonstrado encontraremos pensamentos, ensinos e postulações seminais sobre a verdade escriturística do Arrebatamento Pré-Tribulacional, mormente no conceito chave da doutrina da iminência. Afirmo em alto e bom som: não se pode formular uma doutrina do arrebatamento pré-tribulacional das obras de John Gill ou de qualquer outro teólogo antecedente, tal como a temos hoje em nossas Sistemáticas, mas podemos observar entendimentos seminais do Arrebatamento. Nota-se que tais teólogos não tiveram a dedicação no assunto como outros a partir dos mestres do Trinity College e em especial com John Nelson Darby tiveram. O notável teólogo Charles Hodge, humildemente, escreveu sobre o seu conhecimento da Segunda Vinda, um dos tópicos importantes da escatologia:

ESTE é um assunto muito vasto e difícil. Ele está intimamente relacionado a todas as outras grandes doutrinas que se enquadram no título de escatologia. Ele despertou tanto interesse em todas as idades da Igreja que só os livros escritos sobre ele formariam uma biblioteca. Este tópico não pode ser discutido adequadamente sem examinar todos os ensinamentos proféticos das Escrituras, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento. Esta tarefa não pode ser realizada de forma satisfatória POR ALGUÉM QUE NÃO TENHA FEITO DO ESTUDO DAS PROFECIAS SUA ESPECIALIDADE. O autor, sabendo que não está qualificado para esta tarefa, pretende limitar-se amplamente a um exame histórico dos diferentes sistemas de interpretação das profecias das Escrituras sobre esta questão[8].

 

Nota-se, para tratar do assunto de forma satisfatória, segundo o Dr. Hodge, precisa fazer das profecias um estudo especializado de sua dedicação. Tal dedicação e especialização não foram vistas em muitos estudiosos do passado! Mas, pode-se dizer, a partir de John Nelson Darby as profecias bíblicas tiveram atenção maior e especializada no estudo Sistemático. Eis a razão de termos hoje as grandes obras sobre a temática da escatologia bíblica pré-tribulacional dispensacionalista. Depois da epístola de Paulo aos Romanos o livro de Apocalipse é o mais comentado da Bíblia.

Assuntos que são tão claros hoje em nossa mente por causa da dedicação e entendimento de grandes teólogos que se debruçaram na temática, antes não o eram, haja vista, a dedicação noutros assuntos que demandavam mais atenção. A própria obra do Dr. Charles Hodge é uma interação e refutação da posição Católica Romano dos assuntos Sistemáticos.

Concluo citando novamente as palavras do pós-tribulacionista Dr. Millard Erickson descrevendo o ensino dos Pais da Igreja: “Com certeza, o pré-milenismo dos primeiros séculos da Igreja pode ter incluído uma crença num Arrebatamento pré-tribulacional da Igreja [...]”[9], no mínimo as sementes estiveram lá.

Que o Senhor Jesus nos conceda graça para analisar qualquer pensamento Sistemático das doutrinas à luz das Escrituras sem, contudo, desprezar entendimentos dos estudiosos do passado!

 

 

Ivan Teixeira



[1] ICE, Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). The Return: Understanding Christ’s Second Coming and the End Times, p.113. Grand Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.

[2] GILL, John. ([s.d.]). The Expositions of John Gill (1Ts 4.15). – Complete Work.

[3] GILL, John. ([s.d.]). The Expositions of John Gill (1Ts 4.15). – Complete Work.

[4] GILL, John. ([s.d.]). The Expositions of John Gill (1Ts 4.17). – Complete Work.

[5] ICE, Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). The Return: Understanding Christ’s Second Coming and the End Times, p.115rew. Grand Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.

[6] GILL, John. ([s.d.]). The Expositions of John Gill (1Ts 4.16). – Complete Work.

[7] ICE, Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). The Return: Understanding Christ’s Second Coming and the End Times, p.116. Grand Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.

[8] HODGE, Charles. Teología Sistematica, Volumen Segundo, p.625. Terrassa, Barcelona, España: Editorial CLIE, 1991.

[9] ERICKSON, Millard J. Contemporary Options in Eschatology, p.112. Grand Rapids: Baker Book House, 1977.

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