Tenho algumas observações a princípio. Primeiro, quem deu poderes a
qualquer erudito para estabelecer certos critérios pessoais, claro, baseado na sua
visão Sistemática, sobre a validade de uma doutrina que ele discorda? Segundo,
quem estabeleceu o princípio de que a validade de uma doutrina bíblica é
comprovada pela antiguidade do seu ensino meramente? Terceiro, ensino antigo não
significa que é bíblico. Muita coisa que foi ensinado por estudiosos
antigamente não têm bases bíblicas, são claramente produtos da especulação
pessoal filosófica. Quarto, para mim a validade de um ensino repousa não em sua
antiguidade nos anais de ensino do Cristianismo, apesar de sua importância, mas
em seu embasamento bíblico. Então a pergunta certa não é: “Qual teólogo antigo
ensinou?”. Mas, “a Bíblia ensina?”. Ainda podemos pontuar que as doutrinas
bíblicas tiveram seus desenvolvimentos em pontos importantes da História da
Igreja, e também afirmamos que não temos na Bíblia um tratado arrumadinho
(Sistemático) das doutrinas bíblicas.
A incoerência desses críticos é tão grande que se fôssemos aplicar os
critérios deles noutros temas da Teologia Sistemática ficaria mais uma vez
revelado a pobreza argumentativa. Será que acharíamos as postulações
calvinistas ou arminianistas antes de Calvino e Armínio respectivamente? Claro
que não! Pode-se encontrar ideias seminais, mas não o sistema tal como
postulado por eles e, principalmente pelos seus discípulos. Assim é com o
dispensacionalismo. Nunca encontraremos suas postulações antes do seu grande
sistematizador, e não vamos encontra-lo tal como sistematizado pelos eruditos
posteriores tal como temos hoje. Mas as ideias, as sementes e certos pontos
podem ser localizados.
O Dr. Wayne Grudem salienta
que o trabalho do teólogo sistemático é reunir todos os dados ou referências
sobre determinado assunto bíblico e daí construir o entendimento e implicações
da doutrina em pauta. E, sem dúvidas, a doutrina do arrebatamento
pré-tribulacional pode ser elaborada a partir das referências bíblicas.
Entretanto, meu ponto neste artigo não é trazer os dados
escriturísticos, fá-lo-ei oportunamente, mas pontuar que o ensino do arrebatamento
pré-tribulacional pode ser visto antes de 1830. Meu argumento é provar que este
ensino não foi produto de John Nelson
Darby ou invenção da jovem Margaret MacDonald como tem pontuado certos
críticos. Aliás, vale pontuar que o Dr. Darby
foi o grande sistematizador da doutrina, mas não o professor que a originou.
Noutro artigo fiz uma citação do Dr. Erickson
provando a possibilidade das “sementes do pré-tribulacionismo nos Pais da
Igreja”.
O Dr. John N. Darby foi
influenciado pelos mestres da Universidade Trinity College. Temos três
influenciadores da teologia de Darby: o Deão da escola Richard Graves (1763–1829); Edward
Hincks bibliotecário-assistente do Trinity College em 1814 e Thomas Elrington, que serviu como
administrador de 1811 a 1820. Cada um desses grandes eruditos do Trinity
College tiveram participação na formação teológica do brilhante estudante John Nelson Darby. Então, apesar de seu
brilhantismo acadêmico na sistematização da doutrina dispensacionalista
pré-tribulacional, o Dr. Darby não
originou o ensino, mas apenas se tornou, claramente, o “pai sistematizador” do
ensino das Escrituras. Ele se alinha a muitos outros grandes teólogos que
sistematizaram os ensinos bíblicos como Agostinho,
Tomas de Aquino, João Calvino, Jacó Armínio e muitos outros.
John
Gill e seus postulados pré-tribulacional!
Enfim, em 1748 um famoso teólogo calvinista chamado John Gill publicou seu comentário sobre
o Novo Testamento. Comentando sobre
1Tessalonicenses 4.15-17, o ele indica que Paulo estava ensinando “algo novo e
extraordinário”. O Dr. Gill chama o
traslado dos santos de “Arrebatamento” e exorta à vigilância porque “será
súbito e desconhecido de antemão e ocorrerá quando menos considerado e
esperado”[1].
Esse é o ensino mais claro e detalhado sobre o Arrebatamento Pré-Tribulacional
iminente encontrado antes de John N.
Darby colocando por terra a crítica que afirma que o Dr. Darby “inventou” o “rapto secreto antes da Grande Tribulação”.
Não tem como negar e é significativo que o calvinista John Gill tenha ensinado um Arrebatamento iminente, súbito, que
podia acontecer a qualquer momento. Ao comentar sobre 1Tessalonicenses 5.1 ele
escreveu: “Era fato bem conhecido que isso [o arrebatamento] aconteceria
subitamente, em hora desconhecida, como a vinda de um ladrão na noite”.
Citação
completa do Comentário de John Gill
John Gill no seu comentário
de 1Tessalonicenses 4.13-18 salienta
que o ensino do apóstolo Paulo sobre a Vinda do Senhor deve “[...] despertar o
cuidado, circunspecção, diligência e vigilância dos santos, visto que não se
poderia saber quando o Senhor virá: no entanto, daí parece que haverá santos
vivos na Segunda Vinda de Cristo; Ele sempre terá uma semente para servi-lo até
que volte; [...]”. Esse comentário de John
Gill salienta o que Paulo ensinou que nem todos os cristãos morrerão, mas,
por ocasião da Vinda do Senhor, muitos cristãos estariam vivos: “[...] nós, os
que ficarmos vivos para a Vinda do Senhor, [...] (v.15).
Sobre a frase paulina: “Dizemo-vos, pois, isto, pela Palavra do
Senhor” (v.15), John Gill comenta:
O apóstolo tem algo novo e extraordinário
para revelar, a respeito da vinda de Cristo, a primeira ressurreição, ou a
ressurreição dos santos, a transformação dos santos vivos, e o arrebatamento
tanto dos ressuscitados quanto dos vivos nas nuvens para encontrar Cristo no
ar, [...]; seja em alusão aos profetas antigos, aos quais se diz que a palavra
do Senhor viria, e que geralmente apresentavam suas profecias com um “Assim diz
o Senhor”; [...] significando que o que ele estava prestes a dizer não era uma
fantasia e conjectura própria, o fruto e produto de seu próprio cérebro, mas o
que ele poderia afirmar sobre um fundamento seguro, sobre a melhor e maior autoridade,
sim, a palavra do Senhor; [...], ele recebeu imediatamente de Cristo; e pode
ser quando ele mesmo foi arrebatado ao terceiro céu, e teve uma experiência em
si mesmo de algo daquilo que os santos vivos e ressuscitados sentirão, quando
eles forem arrebatados juntos nas nuvens; visto que a mudança dos santos vivos,
no momento da ressurreição dos mortos, é um mistério que parece ter sido
primeiro dado a conhecer e descoberto pelo apóstolo Paulo (cf. 1Coríntios 15.51)[2].
Percebe-se que o ensino da ressurreição dos que dormem em Cristo, e a
transformação dos crentes vivos e o arrebatamento deles juntamente para o
encontro do Senhor nos ares é algo “novo” e produto da “palavra do Senhor” a
Paulo. Não há tão ensino antes, mas é produto da progressividade da revelação.
Ensinos anteriores sobre a Vinda do Senhor não descrevem essa “fase” que se
dará particularmente para ressuscitar os mortos crentes e transformar os crentes
vivos para depois, num abrir e fechar de olhos, arrebata-los para o encontro do
Senhor nos ares. No entanto, percebemos que um dia antes da crucificação o
Senhor Jesus no Cenáculo Alto começou a descortinar esse aspecto da Sua Vinda
para os Seus apóstolos (João 14.1-3). Creio que Paulo se referiu a esse ensino do Senhor quando disse: “Dizemo-vos,
pois pela Palavra do Senhor” ou mesmo
a partir dela desenvolvido o entendimento de 1Tessalonicenses 4.13-18. Então,
para ser mais preciso, é “novo” no sentido de esclarecer e revelar detalhes
desse ensino do Senhor sobre o “arrebatamento” (1Tessalonicenses) ou o “tomar”
(João) dos crentes para Si. Com o Dr. Gill,
também podemos presumir que Paulo “[...] recebeu imediatamente de Cristo; e
pode ser quando ele mesmo foi arrebatado ao terceiro céu, e teve uma
experiência em si mesmo de algo daquilo que os santos vivos e ressuscitados
sentirão, quando eles forem arrebatados juntos nas nuvens; [...]”[3].
Arrebatados
a encontrar o Senhor nos ares!
v.17: [...] seremos arrebatados [...] a encontrar o Senhor nos ares, [...]. John Gill comenta:
[...] para onde ele descerá, e então
limpará as regiões do ar de Satanás e seu bando de demônios, que agora vagam
por ali, tendo todas as oportunidades e aproveitando todas as vantagens para
fazer o mal na terra; estes então cairão como relâmpagos do céu, e serão
amarrados e encerrados no abismo sem fundo, até que os mil anos terminem: [Nos
ares] Cristo irá parar e será visível a todos, e tão facilmente discernido por
todos, bons e maus, como o corpo do sol ao meio-dia; ainda não descerá à terra,
porque não é adequado recebê-lo; mas quando isso e suas obras forem queimados,
e for purificado e limpado pelo fogo, e se tornar uma nova terra, Ele descerá
sobre ela e habitará com Seus santos nela: e isso sugere outra razão pela qual
Ele permanecerá nos ares, e Seus santos o encontrarão lá, e a quem Ele levará
com ele ao terceiro céu, até que a conflagração geral e o incêndio do mundo
acabem, e para preservá-los disso; e então todos os eleitos de Deus descerão do
céu como uma noiva adornada para seu marido, e Ele com eles, e o tabernáculo de
Deus estará com os homens (Apocalipse 21.1)[4].
Como salientado pelo Dr. Grant
R. Jeffrey, embora haja uma certa ambiguidade no ensino do Dr. Gill sobre a cronologia e a sequência
dos eventos proféticos, é vital notar o que ele declarou[5]:
1. O Senhor descerá até aos
ares;
2. Os santos serão
arrebatados para encontra-lO nos ares;
3. Nos ares Cristo parará e
será visível a todos;
4. Cristo não descerá
imediatamente à Terra, pois esta não estará pronta para recebe-lO;
5. Ele levará os santos com
Ele para o terceiro céu, até que a conflagração, purificação, limpeza e queima
do mundo terminem;
6. O objetivo de o Senhor
levar os santos para os ares e depois para o terceiro céu é “para preservá-los
disso”, ou seja, do período de purificação, limpeza e conflagração na Terra
(Grande Tribulação?);
7. Depois disso todos os
eleitos de Deus descerão do céu.
8. Então eles estarão com
Ele, esteja onde estiver;
a) Primeiro nos ares, onde
O encontrarão;
b) Depois no terceiro céu,
para onde irão com Ele;
c) Depois na terra, para
onde descerão e onde reinarão com Ele por mil anos.
Apesar da ambiguidade da cronologia profética em seus escritos, visto
que ele não postula uma cronologia profética tal como a temos nos compêndios
Sistemáticos atualmente, o Dr. John Gill
percebe que passagens bíblicas implicam num arrebatamento tanto dos vivos
transformados quanto dos mortos ressuscitados aos ares para o encontro do
Senhor que conduzirá o povo de Deus ao terceiro céu para depois voltar à Terra
para o reino de mil anos com o Messias. Apesar de hoje os calvinistas sejam em
sua maioria pós-milenistas ou amilenistas, o Dr. Gill sendo calvinista é claramente pré-milenista. No seu comentário
ele cita fontes judaicas sobre o reinado do Messias na Terra após a
ressurreição dos santos: “nossos Rabinos dizem duas coisas, ou dão duas razões,
por que os pais amavam ser enterrados na terra de Israel, porque os mortos na
terra de Israel, “vivem” ou “ressuscitam primeiro”, nos dias de o Messias, e
desfrutarão os anos do Messias”[6].
Nós temos uma declaração do calvinista e comentarista John Gill, mas de 80 anos antes do
ensino do Dr. Darby em 1830, sobre a iminência pré-tribulacional da vinda do
Senhor Jesus para arrebatar a Igreja. Então, os que atacam o Arrebatamento
pré-tribulacional afirmando ser ele uma inovação doutrinária e,
consequentemente uma mera teoria de escape do século XIX, mas jamais ensinada
ao longo da História da Igreja, precisam familiarizar-se com esse e outros
importantes textos que veremos oportunamente. O escritor francês Joubert escreveu certa vez: “Nada torna
os homens mais imprudentes e vaidosos como a ignorância do passado e o desprezo
por velhos livros”[7].
Voltemo-nos, pois, às fontes (Ad Fontes),
mormente das Escrituras nas quais oportunamente trataremos do assunto!
Devo concluir afirmando que consultando as obras do Dr. John Gill e doutros teólogos como Efraim, o Sírio (373 d.C) e os Pais da
Igreja como Ireneu, nós não
encontraremos uma postulação Sistemática sobre o Pré-Tribulacionismo
Dispensacional tal como encontrada HOJE nas obra de teólogos como Lewis Sperry
Chafer, Henry C. Thiessen, Paul Enns, Charles Ryrie, Charles e John Feinberg,
John Walvoord, Dwight Pentecost, Arnold Fruchtenbaum, Tim Lahaye, Thomas Ice,
Ed Hindson, Grant R. Jeffrey, Larry V. Crutchfield, Mal Couch e grande outros
eruditos pré-tribulacional dispensacionalistas, mas, sem dúvidas, como se tem
demonstrado encontraremos pensamentos, ensinos e postulações seminais sobre a
verdade escriturística do Arrebatamento Pré-Tribulacional, mormente no conceito
chave da doutrina da iminência. Afirmo em alto e bom som: não se pode formular uma doutrina do arrebatamento pré-tribulacional
das obras de John Gill ou de qualquer outro teólogo antecedente, tal como a
temos hoje em nossas Sistemáticas, mas podemos observar entendimentos seminais
do Arrebatamento. Nota-se que tais teólogos não tiveram a dedicação no
assunto como outros a partir dos mestres do Trinity College e em especial com John Nelson Darby tiveram. O notável
teólogo Charles Hodge, humildemente,
escreveu sobre o seu conhecimento da Segunda Vinda, um dos tópicos importantes
da escatologia:
ESTE é um assunto muito vasto e difícil.
Ele está intimamente relacionado a todas as outras grandes doutrinas que se
enquadram no título de escatologia. Ele despertou tanto interesse em todas as
idades da Igreja que só os livros escritos sobre ele formariam uma biblioteca.
Este tópico não pode ser discutido adequadamente sem examinar todos os
ensinamentos proféticos das Escrituras, tanto o Antigo quanto o Novo
Testamento. Esta tarefa não pode ser realizada de forma satisfatória POR ALGUÉM
QUE NÃO TENHA FEITO DO ESTUDO DAS PROFECIAS SUA ESPECIALIDADE. O autor, sabendo
que não está qualificado para esta tarefa, pretende limitar-se amplamente a um
exame histórico dos diferentes sistemas de interpretação das profecias das Escrituras
sobre esta questão[8].
Nota-se, para tratar do assunto de forma satisfatória, segundo o Dr. Hodge, precisa fazer das profecias um
estudo especializado de sua dedicação. Tal dedicação e especialização não foram
vistas em muitos estudiosos do passado! Mas, pode-se dizer, a partir de John Nelson Darby as profecias bíblicas
tiveram atenção maior e especializada no estudo Sistemático. Eis a razão de
termos hoje as grandes obras sobre a temática da escatologia bíblica
pré-tribulacional dispensacionalista. Depois da epístola de Paulo aos Romanos o
livro de Apocalipse é o mais comentado da Bíblia.
Assuntos que são tão claros hoje em nossa mente por causa da dedicação
e entendimento de grandes teólogos que se debruçaram na temática, antes não o eram,
haja vista, a dedicação noutros assuntos que demandavam mais atenção. A própria
obra do Dr. Charles Hodge é uma
interação e refutação da posição Católica Romano dos assuntos Sistemáticos.
Concluo citando novamente as palavras do pós-tribulacionista Dr. Millard Erickson descrevendo o ensino
dos Pais da Igreja: “Com certeza, o pré-milenismo dos primeiros séculos da
Igreja pode ter incluído uma crença num Arrebatamento pré-tribulacional da
Igreja [...]”[9],
no mínimo as sementes estiveram lá.
Que o Senhor Jesus nos conceda graça para analisar qualquer pensamento
Sistemático das doutrinas à luz das Escrituras sem, contudo, desprezar
entendimentos dos estudiosos do passado!
Ivan Teixeira
[1] ICE,
Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). The Return: Understanding Christ’s Second Coming and the End Times,
p.113. Grand Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.
[2] GILL,
John. ([s.d.]). The Expositions of John
Gill (1Ts 4.15). – Complete Work.
[3] GILL,
John. ([s.d.]). The Expositions of John
Gill (1Ts 4.15). – Complete Work.
[4] GILL,
John. ([s.d.]). The Expositions of John
Gill (1Ts 4.17). – Complete Work.
[5] ICE, Thomas & DEMY, Timothy J.
(General Editors). The Return:
Understanding Christ’s Second Coming and the End Times, p.115rew. Grand
Rapids, MI 49501, USA. Kregel Publications, 1999.
[6] GILL,
John. ([s.d.]). The Expositions of John
Gill (1Ts 4.16). – Complete Work.
[7] ICE,
Thomas & DEMY, Timothy J. (General Editors). The Return: Understanding Christ’s Second Coming and the End Times,
p.116. Grand Rapids, MI 49501,
USA. Kregel Publications, 1999.
[8] HODGE, Charles. Teología Sistematica, Volumen Segundo, p.625. Terrassa, Barcelona,
España: Editorial CLIE, 1991.
[9]
ERICKSON, Millard J. Contemporary
Options in Eschatology, p.112. Grand Rapids: Baker Book House, 1977.
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