quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

SINGULARIDADE DO APOCALIPSE DE JOÃO: CRISTOCÊNTRICO, PNEUMÁTICO E PROFÉTICO

 


O Apocalipse escrito por João é diferente dos demais apocalipses de sua época.

Sabemos que existem três gêneros literários no Apocalipse joanino: (1) epístolas (2-3); (2) profecia (22.18); (3) linguagem apocalíptica (6 a 18). Apesar disso o livro é essencialmente profético: "as palavras proféticas deste livro" (22.18). João usa a palavra “profecia” sete vezes (1.3; 11.6; 19.10; 22.7,10,18). Por isso, a melhor interpretação do livro é a da escola futurística. Preterista, idealista e historicista perdem de vista a própria descrição do livro de si mesmo como profético e futurístico: “as coisas que em breve devem acontecer”. Devemos rejeitar tanto a hermenêutica jornalística quanto a espiritualizante ou alegórica do livro.

Apesar de João usar a linguagem apocalíptica, imagens deliberadamente enigmática e simbólica, ele é acima de tudo um apóstolo e profeta cristão que direciona seu livro às igrejas essencialmente sobre eventos que “devem acontecer”. João deu às igrejas uma combinação do profético, apocalíptico e epistolar. É um livro singular e não pode ser interpretado à revelia das literaturas apocalípticas não inspiradas, como é bem peculiar dos acadêmicos a partir do século 19, mas à luz das Escrituras canônicas que já esclarecem todas as imagens e símbolos usados na visão de Patmos do grande João (cf. Daniel, Ezequiel e etc.). Uma boa parte dos símbolos são interpretados no próprio livro. Por exemplo, o estudioso Merril C. Tenney cataloga dez símbolos que João explica em seu Apocalipse: sete estrelas são sete anjos das igrejas (1.20); sete castiçais são igrejas (1.20); sete lâmpadas são setes Espíritos de Deus (4.5); taças de incenso são orações dos santos (5.8); grande multidão representa os que provêm da Grande Tribulação (7.13,14); o grande dragão é o diabo e Satanás (12.9); sete cabeças da besta são sete montes (17.9); dez chifres da besta são dez reis (17.12); águas representam povos, multidões, nações, línguas (17.15); a mulher é a grande cidade (17.18)[1]. Seguindo essa hermenêutica joanina e também os entendimentos registrados nos outros livros proféticos do Antigo Testamento podemos interpretar e entender os demais símbolos e a linguagem profética no Apocalipse sem, contudo, cair nas especulações e seguir uma hermenêutica alegórica que mais depende do imaginário dos intérpretes modernos do que do contexto escriturístico – seja imediato ou mediato ou mesmo canônico.

Dos quatrocentos e quatro versículos (404)[2] do Apocalipse quase quinhentos são citações ou alusões ao Antigo Testamento provando que ele não é mera literatura apocalíptica, mas que teve como pano de fundo as revelações e imagens proféticas dos livros canônicos sendo então a continuação, o desenvolvimento e a culminação dos planos futuros de Deus para Seu povo e o mundo.

Os demais livros apocalípticos nos chegam por pseudônimos, João já se identifica desde o começo. Nos outros, se diz que deve ser selado; no de João não é para “selar” (22.10), pois já estamos no tempo do fim que é evidenciado pela vinda do Messias, a chegada do Reino de Deus e pelo derramamento do Espírito sobre o povo de Deus. O mesmo João disse que “já estamos na última hora” (1João 2.18). Todo o período atual desde o Pentecoste até a segunda vinda de Cristo é descrito como o tempo do fim no Novo Testamento. Estamos vivendo na era da consumação de todas as coisas.

Pode-se dizer que o livro do Apocalipse é cristocêntrico e pneumático, pois João diz que ele "estava no Espírito" (1.10: "movido pelo Espírito", BP); O Espírito fala às Igrejas (2-3); ele foi “arrebatado pelo Espírito" (4.2: "imediatamente apoderou-se de mim o Espírito", BP); E que "o testemunho de Jesus é o Espírito da profecia", isto é, que a mensagem dada por e sobre Jesus é a evidência clara de que o Espírito profético veio e estar na Igreja. Diferente das apocalípticas dos séculos II a.C., e II d. C., o livro do Apocalipse de João é pneumático, cristocêntrico, soteriológico e escatológico-futurístico.

O Apocalipse escrito por João é acima de tudo uma Revelação de Jesus Cristo – dada por Ele e sobre Ele. Jesus é a chave interpretativa do livro! Ele é central, não a besta, as testemunhas e o dragão. Cristo e Sua Noiva-Esposa-Igreja são centrais para a compreensão do livro. A vinda do Cristo glorificado é a temática central do Livro (1.7). O Espírito Santo e a noiva se unem e dizem: VEM! (22.17).

Quando se perde a cristocentricidade interpretativa, a pneumática profética e a eclesiologia do livro do apocalipse tudo se torna obscuro e um locus de especulação.

 

TEIXEIRA, Ivan. Apocalipse do Cristo Glorificado: Ouvindo o que o Espírito diz às Igrejas - (no prelo).


 


[1] TENNEY, Merril C. Interpreting Revelation, p.187. Grand Rapids: Eerdmans, 1957.

[2] Os escritores Henry Barclay Swete (Commentary on Revelation: The Greek Text with Introduction, Notes, and Indexes, p.cxl. Grand Rapids: Kregel, 1977) e Bruce M. Metzger (Breaking the Code: Understanding the Book of Revelation, p.13. Nashville: Abingdon, 1993) notam que dos 404 versículos no Apocalipse, 278 versículos fazer alusão a uma passagem do Antigo Testamento. Já Ferrel Jenkins conta 348 citações e alusões no Apocalipse (Old Testament in the Book of Revelation, p.24. Grand Rapids: Baker, 1972).

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