Capítulo 4
União Com Cristo
Todo cristão deveria entender e desfrutar esta preciosa doutrina cristológica!
Estou ciente de que o tema que
proponho expor faz parte do que os estudiosos chamam de doutrina da aplicação da obra de Cristo, ou mesmo doutrina da salvação, e ainda doutrina da vida cristã. Porém, acredito
que seria salutar fazer uma exposição da mesma no contexto do estudo da Pessoa
de Cristo, Cristologia.
Ouvimos e lemos muito sobre
assuntos relacionados à Pessoa e a Obra de Cristo, no entanto percebo uma
desinformação sobre nossa união com Cristo. Por isso, entendo ser oportuno
tratar resumidamente do assunto dado o grande número de referências bíblicas
sobre a unidade entre Cristo e o cristão.
A importância da doutrina
Esta doutrina é tão importante
para o cristão, pois todo aspecto do relacionamento de Deus com os salvos está
de certo modo ligado ao nosso relacionamento com Cristo. Tudo que somos e
desfrutamos como salvos frui de nossa união com Cristo. Sem Ele nada somos e
nada podemos fazer. Ou seja, não somos salvos e não podemos produzir frutos que
glorifiquem a Deus Pai.
O teólogo Herman Bavinck escreveu:
Todos
os crentes são novas criaturas, que Deus criou em Cristo para as boas obras, as
quais Deus de antemão preparou para que os crentes andassem nelas (2Co 5.17; Ef
2.10). Cristo vive e mora nos crentes, e os crentes vivem, movem-se e existem
em Cristo: Cristo é a vida deles. A combinação em Cristo (no Senhor), ocorre mais de cento e cinquenta vezes no
Novo Testamento. Ela indica que Cristo é a fonte constante não apenas da vida
espiritual, mas que também como tal Ele imediata e diretamente mora nos
crentes. A unidade entre Cristo e os crentes é como a da pedra angular e o
templo, entre o homem e a mulher, entre a cabeça e o corpo, entre a videira e
os ramos[1].
Wayne Grudem escreveu sobre nossa vida em Cristo:
De
fato, cada estágio da aplicação da redenção nos é dado porque estamos “em
Cristo”. É “em Cristo” que somos chamados
à salvação (1Co 7.22), regenerados
(Ef 1.3; 2.10) e justificados (Rm
8.1; 2Co 5.21; Gl 2.17; Ef 1.7; Fp 3.9; Cl 1.14). “Em Cristo” morremos (1Ts 4.16; Ap 14.13) e “n’Ele”
nossos corpos serão ressuscitados
novamente (1Co 15.22). Essas passagens sugerem que, como a nossa vida está
inseparavelmente ligada ao próprio Cristo, o Espírito Santo nos dá todas as
bênçãos que Cristo conquistou[2].
É em nossa união com Cristo que
recebemos e desfrutamos de todos os benefícios da salvação. Enquanto estivermos
separados de Cristo, e Cristo permanecer fora de nós, tudo o que Ele sofreu e
fez para salvação permanece inútil e sem valor para nós.
É somente por meio do Espírito
Santo que podemos nos tornar um com Cristo e pode Cristo viver em nós. Não
somos salvos até que sejamos feitos um com Cristo e permanecemos salvos apenas
porque permanecemos em união com Cristo.
O Novo Testamento descreve está
verdade de duas maneiras:
I.
Estamos em Cristo
Os autores do Novo Testamento
afirmam altissonante a verdade de que todo salvo está em Cristo. Um texto bem
conhecido encontra-se em Segunda
Coríntios 5.17: “E, assim, se alguém
está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se
fizeram novas” (grifo nosso).
Lemos também a mesma verdade em
outros textos:
Efésios 1.3: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões
celestiais em Cristo” (grifo nosso).
2.10: “Pois somos feitura d’Ele, criados em Cristo Jesus para as boas
obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (cf. Jo
15.4,5,7; 1Co 15.22; 2Co 12.2; Gl 3.28; Ef 1.4; Fp 3.9; 1Ts 4.16; 1Jo 4.13).
II.
Cristo está em nós
Paulo afirma: “Aos quais [os santos] Deus quis dar a
conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é,
Cristo em vós, a esperança da
glória” (grifo nosso). Lemos também em Gálatas
2.20: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo
vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho
de Deus, que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim”.
João Calvino escreveu sobre esta
preciosa doutrina:
Precisamos
entender que enquanto Cristo permanecer fora de nós, se nós estivermos
separados Dele, tudo o que Ele sofreu e fez pela salvação da raça humana
permanece inútil e sem valor para nós... Tudo o que Cristo possui é nada para
nós até que cresçamos num só corpo com Ele.
Fica óbvio que tudo o que o
crente possui no aspecto espiritual está firmado no fato de Cristo estar nele.
Nossa esperança de glória é Cristo em nós. Nossa vitalidade espiritual brota de
Sua presença habitando em nós. Ele prometeu estar presente com o que crê (Mt
28.20; Jo 14.23).
Percebemos uma lista de
experiências que, segundo se diz, o crente compartilha “com Cristo”: sofrimento
(Rm 8.17); crucificação (Gl 2.20); morte (Cl 2.2); sepultamento (Rm 6.4);
revitalização (Ef 2.5), ressurreição (Cl 3.1); glorificação e herança (Rm
8.17).
Cristo morreu por mim! Cristo vive em mim!
Precisamos manter sempre juntos
esses dois aspectos da obra de Cristo: o legal e o vital, Cristo por nós e
Cristo em nós. A doutrina da união com Cristo nos auxilia a manter o equilíbrio
apropriado entre essas duas facetas. Cristo veio à terra não só para pagar o
preço pela nossa salvação, como alguém que paga um débito atrasado, mas também
veio para levar-nos para dentro e manter-nos dentro da viva união consigo
mesmo. Pela união com Cristo, recebemos todas as bênçãos espirituais. Cristo
não só morreu por nós na cruz do Calvário há muitos anos; Ele também vive em
nós para sempre[3].
III.
Característica da união
Para entendermos melhor o
significado do conceito de união com Cristo, vamos observar algumas
características dessa união.
1. Natureza judicial
Quando o Pai nos avalia ou julga
diante da lei, Ele não olha apenas para nós. A Seus olhos, somos um com Cristo.
Assim, Ele não diz: “Jesus é justo mas aquela pessoa é injusta”. Ele vê os dois
como se fossem um e diz: “Eles são justos”. O crente foi incorporado por Cristo
e Cristo foi incorporado pelo crente (embora isso não ocorra de forma
exclusiva). Todas as qualidades de um são agora possuídas pelo outro. De uma
perspectiva legal, os dois são agora um.
Dois textos podem se mencionados:
Romanos 3.21: “sendo justificados
gratuitamente, por Sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (grifo nosso). Segunda Coríntios 5.21: “Aquele [Jesus] que não conheceu pecado, Ele [Pai] o fez pecado por nós; para
que, n’Ele [Jesus], fôssemos feitos
justiça de Deus” (grifo nosso)..
2. Natureza espiritual
Existe uma ligação estreita entre
Cristo e o Espírito Santo. Notamos como Cristo e o Espírito são intercambiáveis
em Romanos 8.9-10: “Vós, porém, não
estais na carne, mas no Espírito,
se, de fato, o Espírito de Deus habita
em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é d’Ele.
Se, porém, Cristo está em vós, [...]
o espírito é vida” (“grifo nosso”; cf. 1Co 12.13). John Murray disse: “Cristo habita em nós se Seu Espírito habita em
nós, e Ele habita em nós pelo Espírito”. O Espírito Santo é “o vínculo dessa
união”[4].
3. Natureza vital
A terceira característica de
nossa união com Cristo é vital. Sua vida de fato flui para dentro de nós,
renovando nossa natureza interior (Rm 12.2; 2Co 4.16) e partilhando força
espiritual. Há uma verdade literal na metáfora de Jesus sobre a videira e os
ramos. Assim como o ramo não pode dar fruto se não recebe a vida da videira,
não podemos dar fruto espiritual se a vida de Cristo não fluir para dentro de
nós (Jo 15.4).
4. Implicações da união com Cristo
Nossa união com Cristo tem certas
implicações para nossa vida. Em primeiro
lugar, somos considerados justos. Paulo
escreveu: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo
Jesus” (Rm 8.1). Por causa de nossa união judicial com Cristo, temos posição
correta diante da lei e aos olhos de Deus. Somos tão justos quanto o próprio
Filho de Deus, Jesus Cristo.
Em segundo lugar, vivemos agora no poder de Cristo. Paulo
afirmou: “tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13; cf. Gl 2.20; 2Co 12.9;
Fp 3.8-10).
Por fim, também temos a perspectiva de reinar com
Cristo. Paulo escreveu: “Se perseveramos,
também com Ele reinaremos” (2Tm 2.12). Para todos que participam dos
sofrimentos do evangelho (2Tm 1.8; 2.3), por causa de Cristo, repousa adiante
um futuro glorioso.
5. É uma união transformadora
Por esta união os crentes são
transformados à imagem de Cristo, segundo
a Sua natureza humana. O que Cristo efetua em Seu povo é, num sentido, uma
réplica ou reprodução daquilo que se deu com Ele. Não somente objetivamente,
mas também num sentido subjetivo, eles sofrem, levam a cruz, são crucificados,
morrem e ressuscitam em novidade de vida, com Cristo. Em certa medida, eles
participam das experiências do seu Senhor (cf. Mt 16.24; Rm 6.5; Gl 2.20; Cl
1.24; 2.12; 3.1; 1Pe 4.13)[5].
Solus
Christus!
[1]
Teologia Sistemática: Fundamentos
Teológicos da Fé Cristã, p.435-436. São Paulo, SP, Brasil: SOCEP, 2001.
[2]
Teologia Sistemática, p.707. São
Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 1999.
[3]
HOEKEMA, Anthony. Salvos Pela Graça: A
Doutrina Bíblica da Salvação, p.73. São Paulo, SP, Brasil: Cultura Cristã,
2002.
[4]
Apud ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática,
p.406. São Paulo, SP, Brasil: Vida Nova, 1997.
[5]
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática,
p.447. Campinas, SP, Brasil: Luz Para o Caminho, 1990. – (versão em PDF).
Nenhum comentário:
Postar um comentário