domingo, 28 de maio de 2017

INTRODUÇÃO À ESCATOLOGIA BÍBLICA

Um Tratado da Doutrina das Últimas Coisas


I. Definições.
O termo “escatologia” deriva-se de duas palavras gregas, e1sxatoj = eschatos e lo/goj = lógos. e1sxatoj = eschatos é um adjetivo que significa “último”; traz sentido de extremo, aquilo que é por último, no lugar ou no futuro. A palavra lo/goj = lógos é um substantivo que tem vários usos. Na palavra “escatologia”, ela indica uma doutrina, um ensino ou uma matéria de discussão ou debate. Escatologia, então, é a doutrina das últimas coisas. Esta doutrina relaciona-se a uma série de assuntos que têm a ver com a consumação da experiência humana, tanto na ordem mundial como na ordem eterna. Os assuntos geralmente tratados num estudo introdutório à escatologia bíblica são: a morte, a ressurreição, o tempo entre a morte e a ressurreição – estado intermediário, a Segunda Vinda de Cristo, o Juízo Final, o destino eterno e o Reino de Deus. É claro que há outros assuntos relacionados, porém introdutoriamente estes são centrais[1].
Nosso objetivo neste estudo de Introdução à Escatologia Bíblica não é, como comumente se ver nos tratados de introdução dos seminários, traçar uma cronologia dos eventos de um ponto de vista pré-milenista dispensacionalista[2] ou outro semelhante, mas empregar um método de exposição por tópicos.

II. Duas Tendências na Escatologia.
Aqui quero salientar duas tendências contrastantes que se tem tomado na escatologia bíblica. Infelizmente nenhum estudo bíblico se tornou isento de extremos, e não seria diferente com a escatologia bíblica. As tendências contrastantes, quando examinamos o que os teólogos e ministros estão fazendo com a escatologia, servem-nos de alerta para não sucumbirmos nem para um lado e nem para o outro dos extremos. O equilíbrio surge quando não nos deixamos levar por nenhum destes extremos. Preocupa-nos quando pessoas sinceras se deixam levar, muitas das vezes, assim quero acreditar, por falta de um entendimento desta verdade tanto no seu escopo bíblico e bem como no seu desenvolvimento na História da Igreja. E para evitarmos tropeços é bom destacar essas duas tendências contrastantes.

01. Escatomania.
Nota-se nos arraiais evangélicos que há uma tendência excêntrica para com a escatologia bíblica. Ou seja, uma preocupação extravagante com a escatologia. Por exemplo, conta-se que um pastor pregou sobre o livro de Apocalipse todos os domingos durante dezenove anos! Há pregoeiros que se autodenominam de “pregadores do Apocalipse”. Dentre eles outros têm sido caricaturados com a Bíblia numa mão e o jornal do dia na outra. Muitas das vezes, como já descrevi em uma de nossas apostilas[3], os sinais são enfatizados em detrimento de uma exposição séria das verdades escatológicas. Este excentricismo torna-se perigoso, visto que negligencia o contexto histórico-gramatical das passagens das Escrituras Sagradas.
Essa escatomania ou teologia popular tem a mania de literalmente marcar datas para o Retorno do Senhor Jesus Cristo. Em falhando essas datas quanto ao cumprimento da profecia, o proponente então se obriga a mudar a data para um futuro mais seguro.
Outra variedade de escatomania, muito diferente em orientação e conteúdo, é a abordagem que faz com que a escatologia seja toda a teologia[4]. Neste ponto de vista a escatologia é vista como um “varal”, por assim dizer, em que toda roupagem dos conceitos teológicos são estendidos ou “pendurados”. A escatologia é o início, o meio e o fim de toda a argumentação teológica.

02. Escatofobia.
Na outra extremidade temos aqueles que têm uma aversão à escatologia ou, pelo menos, uma recusa em discutir o assunto. Em alguns casos, a escatofobia é uma reação contra os que têm uma interpretação definida para todo o material profético na Bíblia e identificam cada evento significativo da história com alguma predição bíblica. Ainda outros que não querem ser taxados de sensacionalistas escatológicos, evitam toda e qualquer discussão sobre o assunto. Outros ainda, refletem uma escatofobia pela dificuldade e obscuridade de muitas das questões escatológicas[5].

03. Tomando o Rumo Certo.
É digno de nota que uma teologia sem escatologia bíblica assemelha-se a uma obra que tem início, meio, mas não tem fim. É uma teologia sem esperança. Somente com passado, presente e sem futuro. Se quisermos ser fiéis às declarações bíblicas devemos atentar para este tópico sublime da revelação divina.
Após falarmos sobre estas duas tendências contrastantes, a preocupação excêntrica e a rejeição injustificável da escatologia bíblica, precisamos encontrar uma posição em algum ponto. Todo estudante sério não deve negligenciar este assunto, mas procurar se posicionar de maneira equilibrada e respeitando a posição de cada um. É claro que o respeito se estende àqueles que sinceramente tratam desses tópicos, pois sabemos que o assunto é por demais complexo. Seja você um “pré”, “pós” ou “a” milenista saiba ouvir e amar seu irmão. Que Deus nos ajude!

Talvez, como sugerido por Roger Olson[6], devemos aceitar uma proposta de uma teologia mediadora dentro da ampla tradição do Cristianismo protestante evangélico. Nesta teologia mediadora tentamos superar as diferenças desnecessárias e desastrosas entre perspectivas e interpretações no âmbito da mesma religião – neste caso o Cristianismo. Essa tentativa de aproximação valoriza tanto a unidade quanto a variedade e aceita o fato de ser às vezes necessária a concordância de cristãos igualmente comprometidos em discordar sobre assuntos secundários e a união em torno dos pontos comuns e fundamentais. Para tal tentativa, devemos está cientes do que a tradição comum inclui (“unidade”), o que se permite (“diversidade”) e o que se exclui totalmente (“heresias” – crenças completamente incompatíveis com o Cristianismo bíblico, embora venham à tona de tempos em tempos com o rótulo “cristãos”).

     Tabela 1: Três Categorias Principais das Crenças Cristãs.
Dogma
Unicidade de Deus.
Divindade do Senhor Jesus.
Trindade.
Pessoalidade do Espírito Santo.
Salvação somente pela graça.
Autoridade bíblica (inspiração, inerrância).

Doutrina
Predestinação e o livre-arbítrio.
Os sacramentos ou ordenanças
(batismo e Ceia do Senhor).
Interpretações da ordem e governo eclesiásticos.
Eventos futuros.

Opinião
Detalhes da escatologia
(e.g., o Arrebatamento antes da Tribulação).
Anjos e demônios.
Dons
Fenômenos carismáticos: (e.g., falar em línguas).

Aqui talvez seja necessário dividir as crenças válidas em categorias baseadas no nível de importância.
Ao longo dos séculos, os teólogos desenvolveram três categorias principais de crenças cristãs: dogma, doutrina e opinião[7].

1) Dogma.
A crença é considerada um dogma quando se mostra essencial ao Evangelho. Em outras palavras, quando sua negação parece acarretar apostasia – rejeição ao Evangelho do Senhor Jesus Cristo.

2) Doutrina.
A doutrina, no sentido em que o termo é usado aqui, representa a crença considerada importante sem ser essencial. Ou seja, uma igreja ou denominação cristã específica pode considerar tal crença um teste para a comunhão se asseverar que sua negação seja apostasia. A negação de uma doutrina neste aspecto pode até ser considerada “heresia”, mas não diretamente apostasia.

3) Opinião.
A crença é relegada à condição de opinião quando é considerada interessante, porém relativamente sem importância para fé cristã. A pessoa tem permissão para crer o que preferir acerca do assunto, desde que não cause conflito com algum dogma ou com alguma doutrina. Discordar desse tipo de crença constitui simplesmente diferença de interpretação.

Obviamente, a crença inválida ou errada é deixada de fora destas três categorias.

Ainda podemos destacar que:

“Enquanto a teologia mediadora frisa a unidade da fé e a base comum partilhada por diferentes grupos cristãos, outro modo pelo qual a abordagem mediadora da fé cristã pode ser parcialmente alcançada é apresentar o espaço existente para a diversidade nesse campo comum da fé cristã. Um número exagerado de cristãos identifica a ‘doutrina cristã autêntica’ com ‘doutrinas secundárias’ do pensamento cristão. Parte do processo de maturidade é reconhecer a diversidade legítima e até mesmo a discordância na unidade e concórdia maiores. Apesar das diferenças importantes de interpretação e opinião, cristãos ortodoxos orientais, católicos romanos, presbiterianos, metodistas, batistas e de tradições pentecostais partilham a fé comum – à medida que permanecem com sua herança denominacional cristã e não sucumbem ao sectarismo radical ou à teologia liberalizada. Ou seja, a Confissão de Fé de Westminster da tradição presbiteriana, por exemplo, e os Artigos de Fé metodistas concordam em muitos aspectos, embora divirjam significativamente em pontos secundários. Ambas são expressões da fé cristã, e não do secularismo, paganismo, hinduísmo ou budismo... O Cristianismo da grande tradição mantém integradas a unidade e a diversidade[8].


O que fazer então em meio as diversidades teológicas? Devemos evitá-las? Sermos receosos? Creio que devemos entrar na arena dos debates! Mas que estes debates não sejam conduzidos no Ódio Teológico[9]. Pois o debate expande o escopo do nosso conhecimento e aprimora a investigação, portanto, não deve ser receado e nem evitado.

É útil lembrar que a busca da verdade continua e que a verdade não morre com a morte de alguém. Também, é impossível estagná-la dentro de um sistema qualquer que tolamente acha ter toda a verdade e ter resolvido todos os problemas. Erasmo certamente tinha razão quando insistia em que a linguagem humana não pode aprisionar o infinito. Ele certamente tinha razão quando defendeu, com vigor, a liberdade da investigação[10].

Ivan Teixeira
Minister Verbi Divini



[1] Cf. Ray Summers em A Vida no Além – 2ª Edição: 1979 – JUERP.
[2] Esse ponto de vista assevera que a Segunda Vinda de Cristo ocorrerá em duas Fases distintas: A Primeira Fase é chamada de um “arrebatamento secreto”, invisível, dos crentes verdadeiros, a qualquer momento, uma Volta Iminente, terminando, assim, o grande “parêntese” ou a Era da Igreja, que começou quando os judeus rejeitaram Cristo. Então, o cumprimento literal retoma o rumo das profecias do Antigo Testamento a respeito de Israel, profecias estas que tinham sido suspensas, e o cumprimento das profecias no Livro do Apocalipse (caps. 6–19) começam na Grande Tribulação. A Segunda Fase da Segunda Vinda de Cristo será completada quando Ele, no final da Grande Tribulação (Ap 19.11ss), com os eventos correlatos, estabelecer o Reino de Deus na terra, literal, de mil anos de duração (Ap 20.4–6), manifestado num Israel restaurado. Para maiores detalhes reporto o leitor à aquisição de duas de nossas apostilas: Perspectivas Proféticas = uma visão cronológica dos acontecimentos do porvir e Escatologia Bíblica: Doutrina das Últimas Coisas = um tratado sobre A Interpretação da Profecia, A Realidade do Arrebatamento, Tribunal de Cristo, Bodas do Cordeiro e o Sermão Profético: Mateus caps. 24 – 25.
[3] Cf. F. Ivan Teixeira da Silva em Perspectivas Proféticas, pg. 27.
[4] Temos um exemplo disso na Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann.
[5] Cf. Millard J. Erickson em Introdução à Teologia Sistemática – Edições Vida Nova.
[6] Em História das Controvérsias na Teologia Cristã: 2 000 Anos de Unidade e Diversidade – Editora Vida, 2004.
[7] Cf. Stanley J. Grenz e Roger E. Olson em Quem Precisa de Teologia? – Editora Vida.
[8] Idem ibidem.
[9] Esta expressão deriva-se do latim Odium Theologicum, que descreve o ódio gerado pelas controvérsias teológicas (contrário ao maior dos conceitos teológicos, o amor) a fim de caracterizar esse fenômeno.
[10] R. N. Champlin Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, Vol. 1 A–C. Editora Hagnos.

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