Um Tratado da Doutrina das
Últimas Coisas
I. Definições.
O termo
“escatologia” deriva-se de duas palavras gregas, e1sxatoj
= eschatos e lo/goj = lógos. e1sxatoj = eschatos é um adjetivo que
significa “último”; traz sentido de extremo, aquilo que é por último, no lugar
ou no futuro. A palavra lo/goj = lógos
é um substantivo que tem vários usos. Na palavra “escatologia”, ela indica uma
doutrina, um ensino ou uma matéria de discussão ou debate. Escatologia, então,
é a doutrina das últimas coisas. Esta doutrina relaciona-se a uma série de
assuntos que têm a ver com a consumação da experiência humana, tanto na ordem
mundial como na ordem eterna. Os assuntos geralmente tratados num estudo
introdutório à escatologia bíblica são: a morte, a ressurreição, o tempo entre
a morte e a ressurreição – estado intermediário, a Segunda Vinda de Cristo, o
Juízo Final, o destino eterno e o Reino de Deus. É claro que há outros assuntos
relacionados, porém introdutoriamente estes são centrais[1].
Nosso
objetivo neste estudo de Introdução à
Escatologia Bíblica não é, como comumente se ver nos tratados de introdução
dos seminários, traçar uma cronologia dos eventos de um ponto de vista
pré-milenista dispensacionalista[2] ou
outro semelhante, mas empregar um método de exposição por tópicos.
II. Duas Tendências na Escatologia.
Aqui
quero salientar duas tendências contrastantes que se tem tomado na escatologia
bíblica. Infelizmente nenhum estudo bíblico se tornou isento de extremos, e não
seria diferente com a escatologia bíblica. As tendências contrastantes, quando
examinamos o que os teólogos e ministros estão fazendo com a escatologia, servem-nos
de alerta para não sucumbirmos nem para um lado e nem para o outro dos extremos.
O equilíbrio surge quando não nos deixamos levar por nenhum destes extremos.
Preocupa-nos quando pessoas sinceras se deixam levar, muitas das vezes, assim
quero acreditar, por falta de um entendimento desta verdade tanto no seu escopo
bíblico e bem como no seu desenvolvimento na História da Igreja. E para
evitarmos tropeços é bom destacar essas duas tendências contrastantes.
01. Escatomania.
Nota-se
nos arraiais evangélicos que há uma tendência excêntrica para com a escatologia
bíblica. Ou seja, uma preocupação extravagante com a escatologia. Por exemplo,
conta-se que um pastor pregou sobre o livro de Apocalipse todos os domingos durante dezenove anos! Há pregoeiros
que se autodenominam de “pregadores do Apocalipse”.
Dentre eles outros têm sido caricaturados com a Bíblia numa mão e o jornal
do dia na outra. Muitas das vezes, como já descrevi em uma de nossas apostilas[3],
os sinais são enfatizados em detrimento de uma exposição séria das verdades
escatológicas. Este excentricismo torna-se perigoso, visto que negligencia o contexto
histórico-gramatical das passagens das Escrituras Sagradas.
Essa
escatomania ou teologia popular tem a mania
de literalmente marcar datas para o Retorno do Senhor Jesus Cristo. Em falhando
essas datas quanto ao cumprimento da profecia, o proponente então se obriga a
mudar a data para um futuro mais seguro.
Outra
variedade de escatomania, muito diferente em orientação e conteúdo, é a
abordagem que faz com que a escatologia seja toda a teologia[4].
Neste ponto de vista a escatologia é vista como um “varal”, por assim dizer, em
que toda roupagem dos conceitos teológicos são estendidos ou “pendurados”. A
escatologia é o início, o meio e o fim de toda a argumentação teológica.
02. Escatofobia.
Na outra
extremidade temos aqueles que têm uma aversão à escatologia ou, pelo menos, uma
recusa em discutir o assunto. Em alguns casos, a escatofobia é uma reação
contra os que têm uma interpretação definida para todo o material profético na Bíblia e identificam cada evento significativo
da história com alguma predição bíblica. Ainda outros que não querem ser
taxados de sensacionalistas escatológicos, evitam toda e qualquer discussão
sobre o assunto. Outros ainda, refletem uma escatofobia pela dificuldade e
obscuridade de muitas das questões escatológicas[5].
03. Tomando o Rumo Certo.
É digno
de nota que uma teologia sem escatologia bíblica
assemelha-se a uma obra que tem início, meio, mas não tem fim. É uma teologia
sem esperança. Somente com passado, presente e sem futuro. Se quisermos ser
fiéis às declarações bíblicas devemos atentar para este tópico sublime da
revelação divina.
Após
falarmos sobre estas duas tendências contrastantes, a preocupação excêntrica e
a rejeição injustificável da escatologia bíblica, precisamos encontrar uma
posição em algum ponto. Todo estudante sério não deve negligenciar este
assunto, mas procurar se posicionar de maneira equilibrada e respeitando a
posição de cada um. É claro que o respeito se estende àqueles que sinceramente
tratam desses tópicos, pois sabemos que o assunto é por demais complexo. Seja
você um “pré”, “pós” ou “a” milenista saiba ouvir e amar seu irmão. Que Deus
nos ajude!
Talvez, como sugerido por Roger Olson[6], devemos
aceitar uma proposta de uma teologia
mediadora dentro da ampla tradição do Cristianismo protestante evangélico.
Nesta teologia mediadora tentamos superar
as diferenças desnecessárias e desastrosas entre perspectivas e interpretações
no âmbito da mesma religião – neste caso o Cristianismo. Essa tentativa de
aproximação valoriza tanto a unidade
quanto a variedade e aceita o fato de
ser às vezes necessária a concordância de cristãos igualmente comprometidos em discordar sobre assuntos secundários e a união em torno dos pontos comuns e fundamentais. Para tal tentativa, devemos está cientes do que a
tradição comum inclui (“unidade”), o que se permite (“diversidade”) e o que se
exclui totalmente (“heresias” – crenças completamente incompatíveis com o
Cristianismo bíblico, embora venham à tona de tempos em tempos com o rótulo “cristãos”).
Tabela 1: Três Categorias Principais das Crenças Cristãs.
Dogma
|
Unicidade
de Deus.
|
Divindade
do Senhor Jesus.
|
Trindade.
|
Pessoalidade
do Espírito Santo.
|
Salvação
somente pela graça.
|
Autoridade
bíblica (inspiração, inerrância).
|
|
Doutrina
|
Predestinação
e o livre-arbítrio.
|
Os
sacramentos ou ordenanças
(batismo
e Ceia do Senhor).
|
Interpretações
da ordem e governo eclesiásticos.
|
Eventos
futuros.
|
|
Opinião
|
Detalhes
da escatologia
(e.g.,
o Arrebatamento antes da Tribulação).
|
Anjos
e demônios.
|
Dons
|
Fenômenos
carismáticos: (e.g., falar em línguas).
|
Aqui
talvez seja necessário dividir as crenças válidas em categorias baseadas no
nível de importância.
Ao longo
dos séculos, os teólogos desenvolveram três categorias principais de crenças
cristãs: dogma, doutrina e opinião[7].
1) Dogma.
A crença
é considerada um dogma quando se
mostra essencial ao Evangelho. Em outras palavras, quando sua negação parece
acarretar apostasia – rejeição ao
Evangelho do Senhor Jesus Cristo.
2) Doutrina.
A
doutrina, no sentido em que o termo é usado aqui, representa a crença
considerada importante sem ser essencial. Ou seja, uma igreja ou denominação
cristã específica pode considerar tal crença um teste para a comunhão se
asseverar que sua negação seja apostasia. A negação de uma doutrina neste
aspecto pode até ser considerada “heresia”, mas não diretamente apostasia.
3) Opinião.
A crença
é relegada à condição de opinião quando é considerada interessante, porém
relativamente sem importância para fé cristã. A pessoa tem permissão para crer
o que preferir acerca do assunto, desde que não cause conflito com algum dogma ou com alguma doutrina. Discordar desse tipo de crença constitui simplesmente diferença
de interpretação.
Obviamente,
a crença inválida ou errada é deixada de fora destas três categorias.
Ainda
podemos destacar que:
“Enquanto a teologia
mediadora frisa a unidade da fé e a base comum partilhada por diferentes grupos
cristãos, outro modo pelo qual a abordagem mediadora da fé cristã pode ser
parcialmente alcançada é apresentar o espaço existente para a diversidade nesse
campo comum da fé cristã. Um número exagerado de cristãos identifica a
‘doutrina cristã autêntica’ com ‘doutrinas secundárias’ do pensamento cristão.
Parte do processo de maturidade é reconhecer a diversidade legítima e até mesmo
a discordância na unidade e concórdia maiores. Apesar das diferenças
importantes de interpretação e opinião, cristãos ortodoxos orientais, católicos
romanos, presbiterianos, metodistas, batistas e de tradições pentecostais
partilham a fé comum – à medida que permanecem com sua herança denominacional cristã e não sucumbem ao sectarismo
radical ou à teologia liberalizada. Ou seja, a Confissão de Fé de Westminster da tradição presbiteriana, por
exemplo, e os Artigos de Fé
metodistas concordam em muitos aspectos, embora divirjam significativamente em
pontos secundários. Ambas são expressões da fé cristã, e não do secularismo,
paganismo, hinduísmo ou budismo... O Cristianismo da grande tradição mantém
integradas a unidade e a diversidade” [8].
O que fazer então em meio as diversidades
teológicas? Devemos evitá-las? Sermos receosos? Creio que devemos entrar na
arena dos debates! Mas que estes debates não sejam conduzidos no Ódio Teológico[9].
Pois o debate expande o escopo do nosso conhecimento e aprimora a investigação,
portanto, não deve ser receado e nem evitado.
É útil
lembrar que a busca da verdade continua e que a verdade não morre com a morte
de alguém. Também, é impossível estagná-la dentro de um sistema qualquer que
tolamente acha ter toda a verdade e ter resolvido todos os problemas. Erasmo certamente tinha razão quando
insistia em que a linguagem humana não pode aprisionar o infinito. Ele certamente tinha razão quando defendeu, com vigor, a liberdade da investigação[10].
Ivan Teixeira
Minister Verbi Divini
[1] Cf. Ray Summers em A Vida no Além – 2ª Edição: 1979 – JUERP.
[2] Esse ponto de vista assevera
que a Segunda Vinda de Cristo ocorrerá em duas Fases distintas: A Primeira Fase é chamada de um “arrebatamento secreto”, invisível,
dos crentes verdadeiros, a qualquer momento, uma Volta Iminente, terminando,
assim, o grande “parêntese” ou a Era da Igreja, que começou quando os judeus
rejeitaram Cristo. Então, o cumprimento literal retoma o rumo das profecias do
Antigo Testamento a respeito de Israel, profecias estas que tinham sido
suspensas, e o cumprimento das profecias no Livro do Apocalipse (caps. 6–19)
começam na Grande Tribulação. A Segunda Fase da Segunda Vinda de Cristo
será completada quando Ele, no final da Grande Tribulação (Ap 19.11ss), com os
eventos correlatos, estabelecer o Reino de Deus na terra, literal, de mil anos
de duração (Ap 20.4–6), manifestado num Israel restaurado. Para maiores
detalhes reporto o leitor à aquisição de duas de nossas apostilas: Perspectivas
Proféticas = uma visão cronológica dos acontecimentos do porvir e Escatologia
Bíblica: Doutrina das Últimas Coisas = um tratado sobre A Interpretação da Profecia, A Realidade do
Arrebatamento, Tribunal de Cristo, Bodas do Cordeiro e o Sermão Profético:
Mateus caps. 24 – 25.
[3] Cf. F. Ivan Teixeira da Silva
em Perspectivas Proféticas ,
pg. 27.
[4] Temos um exemplo disso na Teologia da Esperança de Jürgen
Moltmann.
[5] Cf. Millard J. Erickson em Introdução à Teologia Sistemática –
Edições Vida Nova.
[6] Em História das Controvérsias na Teologia Cristã: 2 000 Anos de Unidade e
Diversidade – Editora Vida, 2004.
[7] Cf. Stanley J. Grenz e Roger
E. Olson em Quem Precisa de Teologia? – Editora Vida.
[8] Idem ibidem.
[9] Esta expressão deriva-se do
latim Odium Theologicum, que descreve
o ódio gerado pelas controvérsias teológicas (contrário ao maior dos conceitos
teológicos, o amor) a fim de
caracterizar esse fenômeno.
[10] R. N. Champlin Enciclopédia de Bíblia, Teologia e
Filosofia, Vol. 1 A–C. Editora Hagnos.
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