Suicídio,
Um Ato De Esperança?
Uma Reflexão Sobre A
Postura De Deus Em Relação Aos Suicidas Vítimas De Depressão
André Flores
União Sul Brasileira da
Igreja Adventista do Sétimo Dia
Resumo: Neste artigo é debatida a
questão do suicídio em torno dos dez mandamentos, seria ele aceitável como
consequência de depressão ou seria ele proibido de maneira direta ou indireta
por causa das leis divinas? Para realizar tal relação serão analisadas algumas
possíveis causas do suicídio, com foco para a depressão.
Nos Dez
Mandamentos, encontramos um que diz: “Não matarás” (Ex 20:13). É certo que a
expressão negativa enfática de não matar se refere às mais variadas formas que
levam à morte. Dentre elas, lembramos do assassinato, da eutanásia e do aborto.
O suicídio também é considerado como a quebra desse mandamento, tendo em vista
que significa autodestruição, ou negação da própria vida. O termo se origina do
latim sui, que quer dizer a si mesmo, e caedere que significa cortar,
matar.
No mundo
cristão, é fácil notar como são lembrados aqueles que cometeram suicídio. Na
maioria das vezes, os suicidas são vistos como excluídos da oportunidade de
salvação e, por essa razão, os familiares tentam ocultar a real causa da morte.
Devido o constrangimento, a família tende a alegar que o indivíduo morreu de
infarto do miocárdio, acidente, derrame cerebral entre outros. Na Idade Média,
a Igreja Católica Romana condenou o
suicídio e, consequentemente os suicidas. Aqueles que morriam dessa forma não
eram enterrados, os corpos ficavam ao ar livre para serem devorados pelas
‘feras’ e aves de rapina (SANSANO, 1992, p. 35; 71).
O teólogo Hans Ulrich Reifler, no livro A Ética dos Dez Mandamentos, corrobora
essa ideia, dizendo que “todos os teólogos de todas as épocas e todas as tradições
cristãs condenam o suicídio”. Para ele, quer seja por desespero ou descontrole emocional-mental,
a pessoa peca por não crer na intervenção divina (REIFLER, 1992, p. 122-3).
Seria certo
rotularmos todos aqueles que cometeram o suicídio como alienados da salvação,
sendo julgados como achados em falta na balança divina? Analisaremos uma
possível resposta a essa pergunta considerando: (1) que fatores podem levar uma pessoa a cometer tal ato; (2) a relação entre depressão e
suicídio; (3) um breve panorama
bíblico.
Possíveis Causas
A taxa de
suicídio varia muito de país para país. As pesquisas mostram que é na Europa
que aparecem os maiores índices. Para se ter uma ideia, na Finlândia ocorrem cerca
de 28 suicídios para cem mil habitantes. Já a Suíça fica em segundo lugar, com cerca
de 24 suicídios para cada cem mil habitantes. Na lista, outros 18 países
antecedem a Grécia e o Brasil, ambos com uma taxa de três mortes para cada cem
mil habitantes (ALZUGARAY, 1999, p 89).
As pessoas que
cometem suicídio podem ser levadas a fazê-lo por vários motivos. Há aqueles que
se matam por motivos religiosos, outros por ideais políticos e, até mesmo por
orgulho, como é o caso daqueles que não suportam a ideia de sentirem-se derrotados.
Infelizmente, existem até mesmo os que tiram a vida com o intuito de fazer
recair a culpa sobre outros.
Entretanto, as
pesquisas mostram que o principal motivo que leva as pessoas a cometer o
suicídio é a depressão. Ela é responsável por 70% dos casos. Apenas nos Estados
Unidos, cerca de trinta mil pessoas morrem a cada ano com problemas depressivos
(SANSANO, 1992, p. 119). Assim, nesse artigo a atenção será detida na análise
do suicídio relacionado com o estado depressivo.
A depressão
afeta pessoas de ambos os sexos, embora as mulheres sejam as vítimas mais
comuns, são os homens que se mostram mais propensos ao suicídio (ATKINSON,
2002, p. 563). Porém, após os 65 anos, tanto homens como mulheres acabam sofrendo igualmente da doença.
Ademais, pelo menos um dentre cinco adultos terá depressão em algum momento da
vida (ALZUGARAY, 1999, p 9).
Aqueles que
estão passando por algum período de depressão muitas vezes se perguntam:
Porque/para que viver? Qual é o objetivo da vida? Vale a pena seguir vivendo?
Esse pensamento é típico daqueles que possuem uma forte tendência ao suicídio e
necessitam seriamente de ajuda (SANSANO, 1992, p. 7).
A Doença
O psiquiatra Charles Nemeroff chama o cérebro de
órgão da mente (BEAR, 2002, 691). Por ser um órgão, se ele adoecer, o cérebro
deve receber tratamento. Esse é o caso da depressão. Uma pessoa depressiva pode
apresentar vários sintomas, tais como constante cansaço, problemas de sono,
lentidão mental e física, perda de apetite, desinteresse pelo sexo e outros. Em
diagnóstico de quadro depressivo, os sintomas se apresentam no intervalo de
duas semanas a dois anos. Os episódios duram geralmente entre três a 12 meses,
com uma média de seis meses (DALGALARRONGO, 2000, 190; 192).
Porém, qual
seria a causa desses sintomas? Eles podem ser causados pelo baixo nível
neurotransmissores, determinadas substâncias químicas no cérebro. Isso, por sua
vez, pode ser resultado do estresse. Dependendo do caso, para se tentar
normalizar os níveis dessas substâncias, algumas pessoas são medicadas
(ALZUGARAY, 1999, p 19).
Um Tiro pela Culatra
Alguns remédios
usados no tratamento da depressão possuem algumas reações um tanto curiosas e,
até mesmo contraditórias. O site da agência BBC11 (http://www.bbcbrasil.com) em
reportagem publicada em 15 de outubro de 2004, informa que os fabricantes de antidepressivos
nos Estados Unidos seriam obrigados a colocar nas embalagens avisos de que os
remédios podem estimular tendências suicidas entre os jovens. Já o site do British Medical Journal , na edição de
19 de fevereiro de 2005, adverte que drogas antidepressivas podem estar
associadas com um risco aumentado de comportamento suicida. Outro site, o do jornal Correio da Manhã, de Portugal,
em reportagem publicada em 27 de abril de 2005, traz que o suicídio juvenil é potencializado
pelo uso de antidepressivos (como o Prozac). A mesma fonte afirma que a ligação
entre atos suicidas ou de violência e a fluoxetina – substância ativa do Prozac
– já tinha sido estabelecida em doentes adultos.
Essas notícias
nos deixaram intrigados, e nos levaram a pesquisar algumas bulas de remédios.
Veja o que encontramos em três deles:
(1) Lexotan® CR (Bromazepam): dentre os efeitos indesejáveis
destacamos o embotamento emocional e confusão mental. Podem ocorrer algumas
reações paradoxais como inquietação, agitação, agressividade, delírios,
pesadelos, alucinações e etc;
(2) Valium® (Diazepam): “Benzodiazepínicos não são recomendados
para tratamento primário de doença psicótica. Eles não devem ser usados como
monoterapia na depressão ou ansiedade associada com depressão, pela
possibilidade de ocorrer suicídio nestes pacientes”;
(3) Dormonid® (Maleato de midazolam): “Benzodiazepínicos não devem
ser utilizados isoladamente para tratar depressão ou ansiedade associada a
depressão, pois podem facilitar impulso suicida em tais pacientes”.
Um Caso Esclarecedor
Em suma, uma
pessoa depressiva está mentalmente doente, passando por distúrbios mentais e
muitas vezes fazendo uso de determinados medicamentos que, mesmo em casos
raros, podem levá-la ao suicídio. Como avaliar as ações de alguém nesse estado?
Uma pessoa com um quadro assim pode estar fazendo pleno uso da sua faculdade da
razão? Portanto, voltamos agora à pergunta do início: seria certo rotularmos todos aqueles que cometeram o suicídio como
alienados da salvação, sendo julgados como achados em falta na balança divina?
Estariam certas as enfáticas afirmações de Reifler?
Para tentar
clarificar ainda mais nosso pensamento, usaremos o pertinente caso de Phineas Gage. Ele era um contramestre
de 25 anos de idade, que trabalhava na construção de uma linha férrea. No dia
13 de setembro de 1848, estava fazendo preparativos para uma explosão, socando
pó explosivo em um buraco com uma barra de ferro. Em um dado momento, a barra
atingiu uma pedra produzindo uma faísca. Quando a carga explodiu, a barra com
um metro de comprimento, pesando cerca de seis quilos atravessou-lhe a cabeça
abaixo do olho esquerdo, passando seu lobo frontal saindo pela parte superior
do crânio. O buraco tinha mais de nove centímetros de diâmetro. Apesar de tudo,
após um mês ele estava fora da cama e caminhando pela cidade.
Aqueles que o
conheciam, relatam que Gage estava
aparentemente normal, exceto num aspecto: sua personalidade havia sido séria e
permanentemente alterada.
Quando voltou
ao antigo emprego, os colegas notaram que aquele que tinha uma mente equilibrada,
que era um trabalhador perspicaz, eficiente e muito persistente em seus trabalhos,
tornara-se indeciso, grosseiramente irreverente e impaciente. Seus amigos disseram
que ele “não era mais o Gage”. O instrumento lesionou gravemente o córtex cerebral
de ambos os hemisférios, particularmente os lobos frontais. Foi essa lesão que fez
com que o jovem se portasse de maneira diferente a anterior. Há relatos de que
sua personalidade foi alterada muito mais que sua inteligência (ALZUGARAY,
1999, p. 586-7).
O caso de Phineas Gage nos mostra que após o
acidente ele passou a ser agressivo, impaciente e irreverente. Assim sendo,
fazemos pelo menos duas perguntas:
(1) levando em consideração o antes e o
depois do acidente, até onde o Senhor levará em consideração o tempo em que
Gage tinha plena razão da sua consciência? E, (2) será Phineas Gage
julgado nas cortes celestes pelo que era, ou pelo que se tornou após o acidente?
E Agora?
A Bíblia,
embora nunca mencione a palavra suicídio, fala do assunto. Ela revela algumas
pessoas que desejaram e até cometeram atos suicidas. Dentre os casos daqueles que
pediram a morte nos lembramos de Moisés e Elias. É certo que você poderá pensar
que nesses dois casos não há pecado, por se tratar simplesmente de um
pensamento, mas não podemos nos esquecer de que Jesus, em Mateus 5.28, diz: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma
mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela”. Jesus dá a
entender que não é somente o ato que nos faz pecar, mas que o desejo do coração
já é considerado pecado.
Temos o caso de
Saul, que em sua aberta rebelião
contra Deus, em seu íntimo orgulho, joga-se sobre sua espada para não ser morto
pelos filisteus (1Sm 31:3 e 4).
Judas, também é um caso de rebelião e
afastamento declarado de Deus. Mas o que dizer de Sansão? O próprio Reifler,
que diz que o suicídio é sempre errado, esquece que o nome de Sansão
encontra-se na galeria dos heróis da fé, em Hebreus 11. Eu diria que a história de Sansão é um caso clássico de
que Deus não julga os casos de suicídio da mesma forma.
Logo, embora o
suicídio não seja aprovado por Deus, cremos que Ele é justo juiz, e que “há de
julgar todas as coisas até as que estão escondidas”. Muitas pessoas quitaram
suas vidas não por rebelião aberta e afastamento declarado de Deus, mas, quem
sabe, por estarem mentalmente doentes. Pessoas que provavelmente foram levadas
a cometerem um ato que não fariam em sã consciência, fazendo pleno uso da faculdade
da razão. Àqueles que perderam algum ente querido nessas condições, podemos
consolar sugerindo que esperem no Senhor. No tempo determinado Ele certamente
revelará a Sua justiça.
Soli Deo Gloria!
Referências bibliográficas
ALZUGARAY, D. IstoÉ - Guia da Saúde
Familiar: Depressão. Ed. Especial n.º 8: Cajamar- SP: Três, 1999.
ATKINSON, R. L. Introdução a Psicologia
de Hildgard. Ed. 13ª. Porto Alegre: Artmed, 2002.
BEAR, M. F. Neurociências: Desvendando
o Sistema Nervoso. Ed. 2ª. Porto Alegre: Artmed, 2002.
DALGALARRONGO, P., Psicopatologia e
Semiologia dos Tratamentos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2000.
REIFLER, H. U. A Ética dos Dez
Mandamentos. São Paulo: Vida Nova, 1992.
SANSANO, R. Suicídio: Buscando
alternativas. Barcelona: Clie 1992.