sábado, 22 de dezembro de 2018

HERMENÊUTICA “Isto é Aquilo” e “Isso Não é Aquilo”.


Baseando-se no discurso de Pedro em Atos 2, os estudiosos pentecostais apelam para os textos bíblicos empregando uma tensão entre o que pode ser rotulado como hermenêutica "isto é aquilo" e "isso não é aquilo"[1].
O apóstolo Pedro explicou o evento do pentecostes com as seguintes palavras: “Mas o que ocorre É O QUE foi dito por intermédio do profeta Joel” (At 2.16). A interpretação de Pedro contrasta com a interpretação daqueles que estavam “atônitos e perplexos” (v.12) e, zombando, diziam que os cristãos estavam “cheios de vinho” (ou embriagados, v.13 - ARA).
Pedro argumentou que o evento do dia de Pentecostes “não é aquilo” que eles pensavam, (“hermenêutica do vinho”), mas é “aquilo” que Deus falou por intermédio do profeta Joel (“hermenêutica do pentecostes/Espírito”): “E acontecerá depois que derramarei o Meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o Meu Espírito naqueles dias” (2.28-29).
Com essa “hermenêutica do Espírito” (“Isso é Aquilo”) Pedro descarta e rejeita a “hermenêutica do vinho” (“isso Não é Aquilo”) postulada pelo público zombador presente. Com isso, Pedro pontua que o Cristo glorificado, ao receber a Promessa do Pai, derramou sobre Seus servos e servas a dádiva do Espírito Santo objetivando capacitá-los para a obra missionária tal como já havia falando antes de Sua ascensão. Essa hermenêutica do Espírito é consequentemente uma hermenêutica missiológica. Guarde isso! “Uma interpretação do Evento Pentecostes (hermenêutica do Espírito) que não nos leva para uma compreensão da missão da igreja (hermenêutica missiológica) falha em seu labor na compreensão do objetivo do revestimento de poder”. Claro, que esse revestimento espalha-se para outras áreas da vida e ministério daqueles que recebem e desfrutam do cumprimento da promessa. Porém, o aspecto missiológico é basilar no construto hermenêutico do contexto do Evento Pentecostes.

Pedro deixa de lado a “hermenêutica intoxicada ou embriagada” elencada pelos presentes e, altaneiramente, chama a atenção para uma hermenêutica de transbordamento espiritual que se baseia na realidade bíblica da promessa feita por Deus no passado por intermédio do profeta Joel, e a identifica como constituindo o começo de uma Nova Era. A hermenêutica do Espírito contém a Era do Espírito tal como profetizada no Antigo Testamento e tão esperada pelos judeus e rabinos. Estes esperavam que a Era Messiânica traria a Era do Espírito Santo. Agora, Pedro, hermeneuticamente, diz que essa Era chegou! Jesus, o Messias, veio e vocês o rejeitaram, diz Pedro, mas Deus o ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à Destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou ISTO que vedes e ouvis” (At 2.32-33). É como se Pedro dissesse: “As intoxicações das especulações hermenêutica acabaram, pois o Pentecostes chegou!”.
Essa hermenêutica do Pentecostes preocupa-se não primariamente com formulações sistemáticas, (isso apenas posteriormente) mas, por ser uma teologia mística, emerge, identifica, preserva e retorna à experiência fundacional do Espirito Santo para capacitar os “chamados” para serem testemunhas ousadas de Jesus Cristo (cf. At 1.8). Nesse sentido, a teologia pentecostal não é estritamente dogmática; não busca a articulação da doutrina como a tarefa principal da teologia[2]. Em vez disso, a teologia pentecostal busca uma relação entre espiritualidade e doutrina para que a teologia viva se torne um constante e recíproco movimento de vaivém entre crenças, afeições e ações, por um lado, e a articulação da doutrina, por outro[3].

Pentecostes como símbolo teológico
Da experiência do pentecostes que os discípulos tiveram, e da interpretação de Pedro do evento como cumprimento da Promessa do Pai entendemos que “a formulação da doutrina é sempre submetido à experiência do Espírito Santo, ou, diferentemente, a teologia pentecostal é sempre experiencial”[4]. A formulação da doutrina depende da articulação dessa experiência, isto é, a teologia pentecostal sempre conduz através da narrativa e do testemunho.
Estudiosos têm proposto que “os contornos e o conteúdo da teologia pentecostal é o seu endividamento fundamental para o dia de Pentecostes”, afirmando que, “o Pentecostes é o próprio prolegômenos a teologia pentecostal, porque o pentecostalismo é uma forma de viver fundamentalmente preocupado com a obra renovadora de Deus, que surge do derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes”. Nesse labor do construto de uma teologia pentecostal o estudioso “leva a sério o dia de Pentecostes como símbolo raiz do pentecostalismo”.
No construto da teologia pentecostal, o estudioso não faz “uso” simplesmente da doutrina como um fim da teologia dissociado da experiência original. Em outras palavras, “a teologia pentecostal não busca a doutrina como um fim em si mesma, mas sustenta a possibilidade da atualização contínua do encontro com Deus, que torna a articulação da experiência como doutrina principalmente desnecessária. No meio da crise epistêmica global desnudada pelas construções da pós-modernidade, a teologia pentecostal não representa simplesmente outro construto epistêmico. Antes, na raiz do Pentecostalismo está o Espírito de Pentecostes como o espírito de liberdade ilimitada (e inesperada) de tais construtos”[5].
Os pentecostais definem a teologia não em primeiro lugar e acima de tudo por seu resultado como produto do encontro com Deus, mas por sua natureza como a expectativa da experiência contínua de Deus no mundo. Essa antecipação é o instinto fundamental do Pentecostes e o batimento cardíaco das experiências pentecostais.
O batimento cardíaco da hermenêutica pentecostal é a experiência do Espírito Santo tornada possível pelo Evento de Pentecostes.
  
Ivan Teixeira.



[1] ARRINGTON, French L., The Acts of the Apostles: Introduction, Translation, and Commentary (Peabody, MA: Hendrickson, 1988), 25–32; STRONSTAD, Roger. The Charismatic Theology of St. Luke (Peabody, MA: Hendrickson, 1984), 55–57; idem, ‘The Influence of the Old Testament on the Charismatic Theology of St. Luke’, Pneuma 2, no. 1 (1980): 32–50.
[2] VONDEY, Wolfgang. Beyond Pentecostalism, p.98–108; idem, Pentecostalism, p.82–84.
[3] STEPHENSON, Types of Pentecostal Theology, p. 114–19.
[4] VONDEY, Wolfgang. Pentecostal Theology: Living the full Gospel. – (Series: Systematic Pentecostal and Charismatic Theology). Editors: Wolfgang Vondey & Daniela C. Augustine.
[5] VONDEY, Wolfgang. Pentecostal Theology: Living the full Gospel. – (Series: Systematic Pentecostal and Charismatic Theology). Editors: Wolfgang Vondey & Daniela C. Augustine.

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